Better Days escrita por oicarool


Capítulo 4
Capítulo 4




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/767338/chapter/4

Darcy estava, alguns dias depois, distraído com Brisa nos estábulos. A égua havia machucado uma das patadas no dia anterior, e não havia forma de avaliar o ferimento sem que o animal ficasse agitado e ameaçasse a integridade de quem chegava perto. Já fazia mais de uma hora que Darcy tentava acalmá-la para aplicar os medicamentos.

Até nisso a égua lembrava Elisabeta. Recordava-se de todas as vezes em que a vira doente, e da forma como a namorada sempre decidia que não estava precisando de nenhum cuidado. E naqueles dias Elisabeta nadava no rio, cavalgava em Tornado e fazia muito mais atividades que seu corpo aguentava, apenas para provar que não precisava de ajuda.

Darcy acariciou a cabeça de Brisa mais uma vez, falando baixo e tentando se aproximar. E estava quase conseguindo, quando de repente o animal relinchou novamente, fazendo Darcy se afastar e soltar um xingamento. Surpreendeu-se quando ouviu uma risada infantil atrás de si.

Virou-se para encontrar Tom empoleirado na cerca de madeira, observando com olhos curiosos e um sorriso no rosto.

— Bom dia, Tom. – Darcy também sorriu, estava afeiçoado ao garoto.

— Eu vim ver a Brisa. – ele informou. – Você disse que eu podia vê-la quando quisesse.

— É verdade. Brisa ontem machucou uma das patas, veja. – Darcy apontou para o ferimento. – Estou tentando acalmá-la para aplicar os medicamentos.

— Como foi que ela se machucou? – Tom perguntou, curioso.

— Uma das tábuas do estábulo estava solta, e um prego ficou a mostra. – Darcy lamentou. – Sinto muito, vai demorar um pouco para que possa montá-la.

— Eu não poderia mesmo. – o garoto olhou para as próprias mãos. – Ainda não pedi para a minha mãe.

Tom omitiu que não havia pedido pela certeza de que Elisabeta não permitiria que montasse em um cavalo estranho. Sua mãe era bastante afirmativa em relação aos animais. Sempre dizia que Tornado era uma exceção e nem todos os cavalos são tão educados e dóceis.

Darcy assentiu, concentrando-se novamente em sua tarefa. Novamente falou em voz baixa, tentando se aproximar do cavalo. Surpreendeu-se ao perceber que Brisa estava um pouco mais calma agora. E depois de alguns minutos, finalmente havia conseguido aplicar o medicamento.

— Pronto, tarefa concluída. – cruzou os braços, orgulhoso.

— Legal! – o menino vibrou. – Agora ela já pode ficar boa.

— Ainda vai levar uns dias. – Darcy sorriu. – Até lá você pode falar com sua mãe.

— Eu não sei se mamãe vai deixar. – ele deu de ombros. – Ela diz que cavalos são perigosos as vezes.

— Sua mãe me parece uma pessoa bastante sábia. Você deveria ouvi-la. – Darcy estava cada vez mais curioso a respeito da família de Tom.

— Se eu tivesse um pai, aposto que ele deixaria. – resmungou. – Os meus tios sempre me deixam fazer as coisas divertidas.

— As mães sempre querem nos proteger, garoto. – Darcy passou pela cerca, bagunçando os cabelos de Tom. – Você deveria ficar feliz por ter sua mãe por perto.

— Eu fico. – o garoto desceu da cerca, indo atrás de Darcy. – Mas meu pai me deixaria fazer coisas divertidas.

— Bom, eu vou lhe contar uma coisa. – Darcy suspirou, apoiando-se em uma parede de madeira do estábulo. – Quando eu era mais novo do que você, a minha mãe faleceu.

O garoto arregalou os olhos.

— O meu pai não me deixava fazer coisas divertidas. – Darcy deu de ombros. – Mas eu fazia mesma assim.

— É mesmo?

— Tire essas ideias da sua cabeça. – Darcy alertou, ao ver a empolgação do menino. – Os mais velhos sabem mais do que as crianças, Tom. Quando eu contrariava meu pai muitas vezes terminava machucado ou de castigo.

— Isso acontece as vezes. – Tom suspirou.

— Quando você se machuca, quem é que faz curativo nos seus machucados? – Darcy cruzou os braços.

— Minha mãe.

— E quem é que, depois de dar uma bronca, conta uma história pra você dormir?

— Minha mãe. – o menino olhou para os próprios pés.

— Então você tem que ficar feliz por ter sua mãe por perto, e não lamentar o que não pode ter. – Darcy sorriu.

Tom continuou olhando para os próprios pés, pensativo.

— Eu não quis... – ele começou, mas Darcy o interrompeu.

— Eu sei, garoto. – Darcy aproximou-se, praticamente ajoelhando-se no chão para ficar próximo da altura do menino. – Eu também sofria por não ter minha mãe por perto, mas nesses momentos eu tentava pensar em como seria não ter o meu pai.

— Me desculpe... – o garoto disse.

— Você não precisa se desculpar. – Darcy bagunçou os cabelos dele.

— Talvez meu pai também não me deixasse fazer as coisas divertidas. – o garoto encarou Darcy.

E foi estranho. Darcy nunca havia experimentado o desejo de ser pai. Sonhara em ter filhos, é claro, mas nunca olhara para uma criança e imaginara-se sendo pai. E agora ao olhar para Tom, sentia um ímpeto de consolar aquele menino, quase de oferecer-se para o papel, se ele quisesse.

— Provavelmente não, garoto. – ele deu de ombros, fazendo o menino abrir um sorriso tímido. – Mas ainda podemos fazer coisas divertidas e que não são perigosas.

— Como o que? – perguntou, curioso.

— Como limpar os estábulos. – Darcy levantou-se, rumando para uma das baias.

Tom bufou no mesmo local.

— Isso não é divertido. – reclamou.

— Não, mas você está aqui e eu preciso de ajuda. – Darcy riu.

— Tá bom. – o garoto o seguiu, arrastando os pés.

E assim passaram o resto da manhã, fazendo Darcy finalmente esquecer um pouco o motivo de sua aflição. Dentro de algumas horas teria mais uma reunião com Julieta e ainda recordava-se da ansiedade do último encontro. Sabia que era inevitável ouvir a respeito dos Benedito.

Quando Tom se despediu, dizendo que os avós o esperavam para almoçar, Darcy viu-se pensando a respeito da família do menino. Era um garoto inteligente e bem educado. Tentou recordar-se se alguma vez Tom havia citado o nome de algum de seus familiares, mas além do nome das crianças, não conseguia pensar em mais nenhum momento.

Será que conhecia sua mãe? O menino não deveria ter mais de sete anos. Talvez sua mãe já fosse moradora do Vale do Café na época em que Darcy estivera na região. Apesar de passar muito tempo com as Benedito, Darcy costumava encontrar diversos outros jovens nas festas locais.

Quando finalmente rumou para a casa de Julieta Bittencourt, sentia-se mais curioso do que ansioso. Talvez perguntasse a respeito do garoto. Não deveria ser difícil descobrir a identidade daquele bando de crianças. Eles pareciam estar em todos os lugares e sempre arrumando algum tipo de confusão. Com certeza a Rainha do Café saberia quem eram seus pais.

Além disso Julieta mencionara os netos. Não poderiam ser mais velhos do que aquelas crianças. Talvez fossem amigos, ou estudassem juntos na escola local. Apesar do Vale do Café estar maior do que lembrava-se, ainda era uma cidade pequena, e com certeza tantas crianças juntas chamavam a atenção.

Mas a Rainha do Café o recebeu com um pouco mais de formalidade naquele dia. Debateram seus negócios por um longo tempo, e Julieta parecia sempre encontrar algum motivo para prolongar sua estadia e adiar a definição dos negócios. Alegava precisar estabilizar-se financeiramente, necessitar mais tempo.

Darcy surpreendeu-se, quando em meio a uma argumentação um pouco mais forte, Julieta soltou os papeis que segurava, respirando fundo e levantando-se. A mulher andou pelo escritório, antes de encará-lo novamente.

— Darcy, eu não gostaria de me intrometer em sua vida, mas eu preciso saber o porque de suas escolhas. – o olhar dela era severo.

— Julieta, eu já lhe informei que não pretendo continuar com os negócios no Brasil e...

— Eu não estou falando disso. Estou falando do passado, Darcy.

— Não estou entendendo. – Darcy ergueu a sobrancelha.

— Na época imaginei que talvez você fosse jovem demais. Parecia sempre tão responsável, mas talvez fosse algo grande demais... – Julieta voltou a sentar-se. – Mas tantos anos depois?

— Julieta, eu não tenho certeza do que está falando.

— De você e Elisabeta. – a mulher falou, de supetão, e de repente o peito de Darcy pareceu ficar apertado. – Vocês pareciam tão apaixonados, tão unidos.

— Eu... – Darcy tentou dizer, mas faltaram as palavras.

— Elisabeta me mataria se soubesse que estou falando com você sobre isso. Mas ficamos tão próximas, ela é praticamente de minha família.

Darcy respirou fundo, tantas e tantas vezes, tentando impedir a sensação de que o ar não entrava em seus pulmões. Encarava Julieta atônito, sem saber o que dizer ou como agir.

— Seu pai também nunca falava sobre isso... – Julieta também parecia angustiada. – Mas eu preciso saber se você pensou sobre isso nos últimos anos.

— Não houve um dia que eu não pensasse sobre Elisabeta. – Darcy viu-se falando, de repente.

— Então, meu querido. Talvez essa seja a vida dando a você uma nova oportunidade.

— Julieta, Elisabeta foi bastante clara em suas cartas... Não havia mais espaço para mim na vida dela.

— E poderia culpa-la? – Julieta sorriu. – Uma menina tão jovem, naquela situação...

Darcy sentiu novamente o peito apertar.

— Não foi fácil para Elisabeta passar por tudo sozinha. Por sorte sempre teve uma família maravilhosa. Mas acho mesmo que você deveria conhece-lo.

O homem arregalou os olhos, e Julieta de repente pareceu perceber que Darcy parecia prestes a colapsar em sua frente.

— Eu não tenho certeza de porque deveria conhecer o marido de Elisabeta. – Darcy ouviu sua voz novamente, e teve a sensação de que observava outra pessoa passar por aquela situação.

— Marido? – Julieta ergueu a sobrancelha. – Darcy, do que está falando?

— Julieta, Elisa foi clara a respeito de seus desejos. Estava comprometida, não queria mais me ver. – bufou, levantando-se. – Eu sequer pretendia voltar ao Vale do Café, e não sei porque você está sugerindo que eu conheça o homem que casou-se com ela no meu lugar.

— Meu querido, eu acho que está havendo alguma confusão. – Julieta tentou sorrir. – Talvez Elisabeta tenha dito isso quando você disse que não assumiria o bebê.

Darcy duvidou de seus ouvidos. Julieta estava louca. Ou ele estava louco.

— Mas eu acredito que você adoraria conhece-lo. É um menino adorável, e lembra muito a sua fisionomia...

A cabeça de Darcy parecia girar, não estava ouvindo direito. Não fazia sentido o que Julieta dizia. Ele a encarou com espanto, e quando os olhos dela voltaram para ele, seu sorriso congelou. Darcy estava pálido, a encarando com assombro.

— Desculpe, eu não quis...

— Bebê? – foi tudo o que ele conseguiu dizer.

— Sim, o seu filho com...

— Eu não tenho filhos! – Darcy viu-se aumentando o tom de voz. – Eu saberia se eu tivesse um filho!

— Darcy, acalme-se. Eu sei que deve ser difícil pensar sobre isso, mas...

— Julieta, você não está entendendo. – ele aproximou-se da escrivaninha, em desespero. – Elisabeta nunca esteve grávida. Elisabeta terminou tudo comigo porque estava comprometida com outro homem. Disse que não me amava, pediu que eu não voltasse a procura-la.

— Você não sabia? – o olhar de choque agora também era de Julieta. – Não é possível.

— O que não é possível é eu ter um filho com Elisabeta. Eu não há vejo há quase sete anos. Essa criança deveria ter...

— Seis anos. – Julieta encarou as próprias mãos, antes de olhar novamente para Darcy. – O mais velho entre os netos dos Benedito.

— Julieta, pelo amor de Deus. – Darcy levou as mãos aos cabelos. – Por que Elisabeta não me diria? Por que esconderia um filho de mim?

— Darcy, Elisabeta sempre disse que você não quis saber sobre seu filho. Foi muito difícil para ela enfrentar tudo sozinha.

— Eu não podia querer saber sobre uma criança que eu nunca soube que existia. – Darcy não percebeu quando uma lágrima rolou por seu rosto, seguida de outra. – Elisabeta ainda está no Vale do Café? Meu filho está aqui?

Julieta concordou com a cabeça, e antes que pudesse dizer qualquer coisa Darcy saiu pela porta do escritório, em disparada. Tentou chama-lo, mas o homem já estava longe demais. Respirou fundo, sem saber o que havia causado. Jamais imaginaria que Darcy não sabia sobre seu filho.

Darcy tentou caminhar até os estábulos, mas suas pernas tremiam. Seu corpo inteiro tremia. Sua alma tremia, se isso fosse possível. Seu coração batia rápido, as lágrimas queimavam em seus olhos. Era mentira. Encontraria Elisabeta e ela diria que não passava de uma confusão.

Talvez Julieta não soubesse a respeito do marido de Elisabeta. Talvez não fossem amigas. Elisabeta não esconderia um filho. Elisabeta não deixaria que passasse seis anos longe de uma criança que tinha seu sangue.

Antes que pudesse deter-se, o cavalo trotava com rapidez em direção ao lugar que evitara por quase um mês. Ofélia e Felisberto saberiam dizer onde estava Elisabeta. E talvez, seu filho.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!