A Garota Sem Passado escrita por Elara


Capítulo 3
O Novo Motivo




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O sol estava em seu ponto mais alto quando começamos a trilha até a cachoeira Hartley. Embora ainda estivéssemos entrando no outono, a floresta estava intensamente úmida e densa. Estava sendo acompanhada por Millie, Noah e Gaten, mas olhares do outro lado do grupo nos rodeavam. Finn e o garoto estavam juntos.

Minhas noites não deixaram de ser turbulentas, mas ganharam um novo motivo para serem, ele. Eram agora resumidas em longas horas olhando fixamente para todos os cantos possíveis do quarto, revivendo a sensação de o encontrar. Foi como acordar pela manhã, mas não conseguir se lembrar de um sonho, ou um pesadelo, eu ainda me questionava. Não tentei fazer um movimento contanto a ele, ainda não tinha certeza se deveria. Me lembrava o tempo todo de que teria de tocar suas mãos ou que teria de passar, mais uma vez pelo tormento de não poder lembrar dos "se lembra daquela vez em que", se é que eu havia as tido com ele.

Já quando as coisas se tratavam de Finn, eu não precisava me preocupar. Ele havia sido completamente cooperativo para mim até o momento, assim como Noah, Gatem e Millie, mas eu ainda não tirava o que ela havia me dito, da cabeça. Não acredite em tudo o que lhe disserem, quando ela claramente estava se referindo a ele. Finn nunca conversava comigo ou se aproximava quando Gaten, Noah ou ela estavam por perto, e isso me causava uma agonia desconcertante. Havia algo por trás daquilo mas eu não teria coragem o suficiente para perguntar a nenhum deles.

Quando enfim chegamos no ponto final da cachoeira, me deparei com uma imagem vislumbrante de mais de dez metros de uma imensa e ornamentada queda, acompanhada por uma área aberta coberta por um tapete de folhas secas de pinheiro. A vista era estonteante, mais uma vez, eu tinha que me lembrar, principalmente naquele sol intensamente avermelhado de fim de tarde.

— Descansar. – Técnico Harbour grita alto apenas o suficiente para que fosse ouvido a meio quilômetro. – Começamos a montar as barracas em meia hora. – Ele finaliza e se junta ao grupo de professores ao pé de uma árvore.

— Ele sempre trata os alunos como soldados? – Eu pergunto tentando não soar tão debochada quanto pareço.

— Pergunte para a Millie, ela tem mais experiência com ele. – Gaten aponta para ela enquanto ele e Noah riem entre si.

— Muito engraçado, garotos, realmente hilários. – Millie revira os olhos e enfia a mão dentro da mochila de Gaten. A encaro confusa enquanto ela morde furiosamente uma barrinha de cereais que encontrou ali. – David é meu padastro. – Ela esclarece a situação para mim. – Foi por isso que me mudei da Inglaterra.

É claro que já havia notado seu inegável sotaque britânico, mas nunca pensei em perguntar sobre o assunto. Enquanto alguns alunos e acompanhantes deixaram as barracas para depois e foram direto aproveitar a cachoeira antes do sol se por, Gaten nos empanturrou de doces quando montávamos as nossas. O sol se pôs breve, por volta das oito e uma fogueira havia sido prontamente formada à frente de todas as barracas. A noite caía como a neve pela floresta, fria e densa. Vesti uma calça legging, botas, uma blusa de mangas longas e um gorro, sabia que acordaria como se houvesse sido atacada por um enxame de abelhas e congelada se não o fizesse.

Quando me colocava para sair da barraca, minha cabeça pesou, de repente. Minha visão ficou turva e meus batimentos aceleraram, senti como se meu peito estivesse em chamas.

— Sadie, vamos começar a assar os marshmallows daqui a pouco, você vem? – Gaten aparece na porta da barraca, repentinamente. – Meu Deus. Está tudo bem com você? – Ele se aproxima desesperadamente e me ajuda a levantar, enquanto eu não havia sequer percebido ter caído. – Ei, olhe pra mim. – Ele puxa meu rosto com os dedos e me faz encará-lo. – O que houve?

— Estou zonza, apenas isso. – digo enquanto me levanto dificultosamente, Gaten me encara nervoso. – Foi apenas uma tontura, de verdade, não precisa se preocupar.

Não senti como se fosse apenas uma tontura, mas temi que tivesse alguma relação com a minha maldição, porque eu realmente senti como se fosse. Não queria que ninguém, principalmente um dos meus amigos, tivesse algo a ver com aquilo. Era um risco que eu ainda não estava preparada para ver ninguém mais correr.

— Você precisa tomar ar fresco, eu te acompanho até a fogueira. – diz ele para em seguida, agarrar meus braços e me levantar. – Se sente melhor? – Ele não desvia o olhar de mim, estava realmente preocupado.

— Obrigado, Gaten. – digo apenas, e dou um sorriso que não consigo segurar por muito tempo no rosto.

Assim que chegamos na fogueira me deparei com uma garota de voz doce cantando e tocava no violão Time After Time de Cindy Lauper. Um pouco à frente dela, o garoto. Finn não parecia estar por perto, e ele parecia um tanto desconfortável. Ao me notar, encarou de forma indiferente, parecia descontente com algo. Gaten e eu nos sentamos junto a Millie e Noah que pareciam ter uma conversa claramente interessante, pois não pararam de rir por um segundo.

A paz consensual com minha cabeça não durou por muito mais tempo que aquilo. Meus tímpanos latejavam com cada ruído, cada conversa e o som do estalar das faíscas da fogueira, o que apenas fazia minha cabeça doer mais ainda. Aquilo não parecia ser uma simples tontura. De repente, imagens não tão concludentes começaram a iluminar como faróis os meus olhos, me cegando. A não ser quando eu o encarei. O garoto, ele ainda estava lá me mirando. Seus olhos brilhavam através das chamas que queimavam logo à sua frente. Meu fôlego, de repente, se perdeu em meio a tudo aquilo.

— Gaten, vou voltar para a barraca, se não se importa. – Sussurro o mais baixo possível tentando não atrapalhar a conversa dos três.

— Precisa que eu vá com você? – Ele tocou meu rosto tentando detectar alguma febre, sua feição de preocupação não me pareceu um bom sinal. ­– Está pálida. Não me parece bem.

Estava suando frio, já havia sentido esta sensação antes, apenas duas vezes. Afastei suas mãos, me levantei sem dizer algo e caminhei até o meio da floresta.

— Sadie, espere. – O ouvi chamar mas não dei ouvidos.

Corri as cegas por dentre as árvores, minha visão se tornava cada vez mais enevoada até que tudo o que eu podia enxergar era nada, apenas a a simples e tenebrosa escuridão. Continuei a caminhar, mesmo que cambaleante, esperando que a sensação passasse, tinha que passar em algum momento. Perdia meu fôlego a cada passo em falso que dava junto ao controle de meu corpo pouco a pouco, quando finalmente me deparei com um feixe de luz ao longe. Tentei o alcançar, como se minha vida dependesse daquilo, esperando que fosse apenas uma saída da mata fechada onde eu me encontrava. Quando finalmente me encontrei a beira de conseguir me livrar daquele labirinto, fui puxada novamente para ele.

— Sadie, não. – Alguém grita por mim.

Olhos brilhantes e desesperados me encaravam, os mesmos que à alguns instantes atrás ardiam por de trás de chamas, estavam ali. Eu já havia vivido aquile momento antes, tive esta sensação. Ele estava debruçado sobre mim e podia dizer que certamente não era a primeira vez que nossos olhares se cruzaram daquela maneira durante uma noite estrelada. Mas por que? Por que daquela maneira? Ele soltou um suspiro pesado e olhou para o lado, quando fiz o mesmo que ele, eu percebi que estava simplesmente prestes a mergulhar de cabeça em uma queda de cachoeira de dez metros.

— Você está bem? – Ele me pergunta, segurando meu rosto como se precisasse que eu estivesse sob sua proteção. – O que te deu na cabeça? – Ambas nossas respirações estavam igualmente ofegantes, eu estava agarrada a ele sem perceber, mas não o soltei mesmo depois de fazer, não queria o soltar.

— Estou... – digo gaguejando, sem a menor noção do que fazia. – Eu estou bem. – Seus olhos eram a lembrança mais linda que eu já havia visto, embora o medo dentro deles.

De repente, olhei para nossas mãos, elas estavam atadas, e nada havia acontecido. Nenhuma palavra sai dos meus lábios, enquanto milhares de perguntas rodeiam minha cabeça. Eu apenas me senti sem direção. Sem saber se aquilo tudo havia sido apenas uma paranoia por todo aquele tempo ou se havia algo diferente com ele. Mas no fundo quase contente, esperançosa de que aquilo fosse o fim de tudo o que eu vinha passado. Que ele fosse a resposta.

— Há algo errado, Sadie? – Ele pergunta, sem nunca romper nosso olhar.

— Eu também gostaria de saber. – Respondo, esperando não tornar a situação diferente. – Obrigado, por... – Me sinto tão envergonhada quando me dou conta do que estava prestes a acontecer se ele não houvesse chegado a tempo, que mal posso terminar a frase.

— Te impedir de cair de um penhasco? – Ele torna aquilo mais meigo e normal do que realmente era.

— Sim. – Eu rio da situação, embora o perigo escondido por de trás dela. – Obrigado, Caleb.

— Ei, espere. – Ele encolhe a testa em confusão. – Você sabe o meu nome? – Um pequeno sorriso surge em seu rosto, e no meu também. 

— Eu acho que sim... – Sorrio feito boba por apenas um segundo, minha ventura não dura por tanto tempo. – Caleb.

Minhas pernas oscilam e minha cabeça parece se transformar em pedra. Meus joelhos se chocam contra o chão e não tenho agilidade o suficiente para evitar o notório.

— Sadie. – Caleb me segura novamente antes que eu possa cair. – Olhe para mim. Está me ouvindo? – Ele afasta os cabelos de meu rosto cuidadosamente e deposita meu gorro em seu devido lugar. – Me responda, Sadie. – Caleb segura meu rosto entre ambas suas mãos.

— Estou te ouvindo. – digo sem muita força para fazer mesmo este pequeno gesto.

— Ei, não tire os olhos de mim, tudo bem? – Sua voz parecia longe, embora gritasse, ele parecia distante.

Mas logo em seguida, a escuridão lentamente me consumiu e eu apaguei.


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