Chegar na escola no primeiro dia de aula é bizarro. Ninguém quer realmente estar lá mas a ansiedade, a excitação e aquela sensação de pertencimento e rotina - como quando você volta para casa depois de uma longa viagem - é quase palpável no ar ao redor.

Saio do carro e observo meu irmão ir ao encontro de seus amigos. É automático observar ao redor, ver as pessoas se encontrando e começando uma nova etapa da vida delas. 

Minha mão coça com a inspiração para alguma história, para pegar um lápis e um papel e passar as ideias ao mundo imediatamente. Estou procurando algum postit para memorizar a ideia quando meus olhos encontram os de Simon, saindo da van da banda e vindo ao meu encontro.

Eu imediatamente ignoro os postits e corro na direção do meu melhor amigo, que me pega em seus braços quando me choco com força em seu corpo. Bem, com toda a força que uma garota de um 1,5 metros conseguiria.

Simon tem cheiro de pizza, do sofá velho do porão da casa dele e de um perfume masculino gostoso que ele usa desde que falei que era muito bom e bem melhor do que o cheiro da casa do Eric. Simon cheira a casa, a lar, a familiaridade. A saudade afunda em mim de repente e noto subitamente o quanto senti a falta dele.

Simon é meu melhor amigo desde sempre. Crescemos juntos, brincando na fazenda de seus pais quando éramos pequenos, passando todas as horas disponíveis no sótão da minha casa assistindo a todo o tipo de filme de super heróis possível, descobrindo os animes e mangas. Simon foi a pessoa que leu a minha primeira história. Simon faz parte de mim tanto quanto eu mesma.

— Clary - ele diz - Também senti saudades mas você é surpreendentemente forte para alguém do seu tamanho e eu não gostaria de morrer agora.

— Desculpe - falo.

Simon ri quando eu o solto e ele passa os braços por meus ombros. Dou risada. Ele veste as mesmas roupas de sempre. A camiseta xadrez vermelha e preta por cima de uma blusa branca com o logo da banda dele - o nome na época em que a fizeram era “Sexy vampire mojo” - com a calça jeans rasgada e o par de all-stars pretos que ele tem faz uns dois anos e já estão apertados demais.

— E aí parceira no crime? Pronta para encarar a prisão trimestral?

— Bom... já coloquei “Highway to hell” para tocar no carro e estou quase certa de que dessa vez pelo menos não ficarei na sala da Camile. Aquela mocreia piranha.

—Hmmmm...eu não diria que ela é mocreia.

— Simon!

— Ué? Vai dizer que ela é feia? - ele faz uma cara de julgamento para mim - Clary Morgenstern esperava mais da sua honestidade! Acho que andou muito com o Jonathan. Sabia que não deveria ter ido viajar com Éric nas férias, nem reconheço mais minha melhor amiga....

— Ai Simon, tinha esquecido o quanto era dramático... estou começando a repensar se você não deveria ter ficado viajando - ele me da um soco leve no braço e dou risada - mas ela é horrível por dentro. Podre como um cadáver.

Simon ri e começamos a chegar cada vez mais perto do portão do inferno. Quis dizer, escola. Ele não mudou nada mesmo, talvez só tenha crescido um pouco mais desde a última vez em que o vi antes da viagem. Mesmos cabelos castanhos bagunçados, mesmos óculos que contém lindos olhos castanhos. Menos traços angulosos. Eu senti muita a falta dele mesmo.

Falando em inferno, o demônio em pessoa aparece na porta para nos receber. As unhas enormes brilhando com o esmalte vermelho da cor do batom e os cabelos louros e cheios soltos. MO CRE IA. Vejo a maldade passar pelos olhos verdes e fico surpresa ao ver o quanto ela permaneceu a mesma. 

—Bom Dia Cenoura - Camile Belcourt diz e suas minions Kaelie e Zara riem atrás.

—Bom dia loira falsa - digo com o mesmo tom doce.

—Ok, ok as duas já deram os bons dias - Simon se intromete, provavelmente se lembrando do soco que essa conversa gerou no ano passado, foi um belo soco de minha parte devo dizer.

—Quem te chamou - ela olha com desdém para a blusa da banda de Simon - nerd.

—Olha - me intrometo de novo - nerd nem é um algum tipo de ofensa então ou você é burra ou está sendo mais legal. Como a segunda opção seria praticamente contra a Bíblia acho que estou inclinada a te aconselhar a procurar um dicionário.

—Disso você sabe não fósforo? - ela riu - palavras e palavras. Mas se alguém algum dia te perguntar sobre qualquer experiência real aposto que perderia toda essa presunção. Quando foi a última vez que beijou mesmo? Século passado na antiga reencarnação? 

Comecei a ficar vermelha, meu punho se fechou e comecei a considerar o quanto eu perderia se o movimento se finalizasse.

Contras: 

1- Eu provavelmente levaria algum tipo de suspensão por ser a segunda vez.

2- Teria que ouvir o falatório de Jonathan por pelo menos mais uns dois anos e o sermão de meus pais.

3- Simon acabaria entrando na linha de fogo.

4- Eu teria que passar por um segundo primeiro dia de aula.

Prós: 

1- Eu veria o rosto dela se contorcer de dor e o olho ficar roxo pelo resto do mês.

Levantei a mão e já ia dar o soco quando os murmúrios da multidão chegaram aos meus ouvidos e a minha atenção  e a de Camile se desviaram. Não entendi a princípio mas logo captei o alarde. Alunos novos.

Minha curiosidade falou alto e me espremi com Simon pelas pessoas para ter uma visão melhor.

O grupo saia do carro em uma coreografia que eu duvidava que não tivesse sido ensaiada. Eles pareciam terem saído de um filme. 

A primeira foi a menina. Ela saiu de trás com a mochila pendurada em um dos braços e o cabelo longo, negro como a noite  e liso esvoaçando atrás. Vestia uma saia preta justa e uma regata da mesma cor. Parecia estar indo para alguma espécie de desfile e não para a escola.

Ela era deslumbrante e ao contrário do demônio ambulante não parecia estar usando maquiagem. Os lábios pareciam naturalmente vermelhos, os olhos negros possuíam cílios longos e cheios com muito pouco, se com algum rímel. A pela dourada não parecia ter qualquer imperfeição.

O segundo a sair foi o menino sentado no banco do motorista. Ele era tão maravilhoso quanto a outra, com os cabelos tão negros quanto e olhos do mais lindo azul. Eram irmãos com certeza. Ele vestia uma calça preta e uma camiseta azul que realçava seus olhos. A beleza de seus traços era quase alarmante. 

Mas foi o terceiro menino que fez meu coração parar e recomeçar. Anjo. Foi a primeira coisa que me veio à mente ao analistas os cabelos e pele dourada. Os traços perfeitos como se esculpidos pelo mais talentoso escultor conhecido. Ele usava uma calça jeans e uma camiseta preta e seu corpo era tão perfeitamente esculpido quanto o rosto. Musculoso ma anão exagerado. Mas foi quando ele tirou os óculos escuros que a mágica aconteceu. Nos encaramos por um momento, eu poderia jurar que sim. E a cor dourada de seus olhos não saiu da minha cabeça.

Minha mente imediatamente disparou, mil histórias novas surgindo e se moldando em volta de uma pessoa que parecia ter saído de algum livro. 

Ele cortou o olhar quando os outros o chamaram. Eles caminharam em direção às portas do colégio e eu posso jurar que andaram em câmera lenta.

Câmera lenta.

Quando a porta de fechou atrás deles a magia desapareceu como se nunca tivesse estado lá.