No Escuro com Você. escrita por Lexa


Capítulo 3
Culpa


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/767235/chapter/3

Meus olhos estavam completamente grudados pela remela, sei disso porque tentei abrir duas vezes e pareciam que continham resíduos daquela cola de isopor. Enquanto isso o barulho – que inicialmente foi à causa do meu despertar – continuava. Batidas seguidas vinham da minha janela. Gemi alto em protesto e esfreguei o rosto no travesseiro finalmente conseguindo enxergar algo.

A cara desesperada de Kevin quase se fundia ao vidro. Suas batidas continuaram mesmo eu já estando acordada e o olhando com muita mais clareza do que eu gostaria. Levantei cambaleando e quase me faltou forças para abrir a tranca da janela.

— Vai embora. – Falei com voz embolada e baixa indicando com a mão a saída para o meu gramado.

— Não pode nem ao menos me ouvir?

— Não. Sai. – Arrastei meu corpo ainda molenga e me soltei na cama fechando os olhos. – E por falar nisso, que horas são? E dá para falar mais baixo? A não ser que você queira Martha e Billy assistindo seu show ridículo também.

— Acho que são... 02h14min

— Sério que você me fode e aparece as duas da manhã para tentar se explicar? Poderia agir que nem uma pessoa normal e falar comigo quando fosse de manhã? Acredite; me acordar no meio da noite não está ajudando seu caso.

— Você falaria comigo se eu tivesse feito isso?

— Pouco provável.

— June, por favor, só me dá uma chance.

— Se eu disser que não você vai desistir?

— Pouco provável.

Abri os olhos com fúria e sentei não fazendo esforço para esconder minha carranca de raiva.

— Fala o que você quer e vá embora.

Sem ao menos um convite, sentou na minha cama bem ao meu lado. Meu primeiro instinto foi lhe dar um chute que o tirasse de perto de mim. Se eu não tivesse acabado de voltar de um julgamento, especificamente o meu julgamento eu pediria um mandado judiciário para manter esse imbecil longe de mim.

O mais engraçado daquilo é que nem ele sabia como começar, pois ficou que nem um retardado me olhando do que deve ter sido por uns 2 minutos. Quando enfim começou, fez uma tentativa de segurar minha mão que desvencilhei com muito prazer.

— Escute, eu nunca teria deixado você lá, só que Cash me agarrou para dentro do carro e não consegui sair. Eu tentei chamar você, mas você estava do outro lado da casa, você se afastou demais.

            Balancei a cabeça sem acreditar.

— Então você esta dizendo que a culpa foi toda minha? – Peguei um travesseiro – E a sorte dele que eu não tinha nenhum objeto duro em mãos – comecei a acerta-lo com o máximo de força que eu consegui. – Como você tem capacidade de se superar na imbecilidade, seu idiota!

— Eu chamei você. – Tentou dizer entre minha travesseiradas, ate que enfim segurou o travesseiro com força e me fitou, seus cabelos loiros ondulados completamente bagunçados. – Você parecia fora do mundo, June. Eu teria ido atrás de você, mas nem eu fazia ideia que Cash era tão mais forte que eu, então pense, nem força nem tamanho estavam ao meu favor.

            Fitei por alguns segundos, olhei ao redor e avistei minha escova de cabelo no criado mudo do outro lado da cama, me joguei para tentar alcançar, mas Kevin conseguiu ser mais rápido e se jogou em cima de mim, prendendo meus pulsos acima da cabeça.

— June, por favor, acredita em mim, eu nunca teria deixado você ali.

— Então que não tivesse me deixado e ficasse lá comigo! – Quase gritei e olhei para a porta com medo que algum dos adultos da casa de repente acordasse, fosse ao meu quarto e se deparasse com aquela cena, que qualquer outro dia, seria de pura putaria. Esse dia não era esse.

            Me contorci embaixo dele para que me soltasse. Cash podia ate ser mais forte que Kevin, mas eu tinha que admitir que meu nível era bem mais abaixo.

— Droga.

            Ele me encarava com seriedade.

— Você esta sendo muito injusta.

            Diante daquelas palavras eu aquietei meu corpo e o fitei de volta.

— Eu não pedi para você ir comigo. Você foi porque quis!

— Sim! Eu fui porque sabia que aquilo era importante para você! Não sou o tipo de cara que sai por ai vandalizando as coisas por puro prazer. Muito menos se for para fazer, faço por qualquer pessoa. Droga...

            Ficamos em silencio pelo o que pareceu, alguns minutos, Relaxei os músculos aos poucos tomando consciência do quanto tinha sido egoísta. Tudo isso era um problema só meu, e levei outras pessoas para lá comigo, pessoas que não tinham nada haver com a minha história ou meus problemas, e agora eu estava brava porque eu armei algo e estava colhendo as consequências. Não era justo levar ninguém comigo. Ele estava certo. Mordi o lábio inferior e virei o rosto de repente tomando vergonha de olha-lo.

— Me desculpa. – Falei por fim.

            Suas mãos afrouxaram em meus pulsos e seus dedos deslizaram pela palma das minhas mãos. Sua voz tornando-se mansa a cada palavra pronunciada:

— Não, me desculpe. Eu devia ter ficado lá com você ou ao menos, me esforçado para ficar. June...

            Eu o olhei.

— Eu realmente gosto demais de você.

            Não tive tempo de responder aquilo, pois logo em questões de segundos seus lábios se enterraram nos meus e acabei me perdendo no que queria ter respondido. Seus lábios eram tão quentes quanto o resto do corpo que agora relaxava colado em cima do meu. Sua língua dançava lentamente dentro da minha boca e eu conseguia sentir o gosto da bala de menta que tinha comido antes de ir a minha casa. Segurei seu rosto entre minhas mãos assim que ele as libertou para segurar minha cintura. Senti um leve aberto e um peso a mais em suas mãos quando elas começaram a se arrastar para cima em direção a minha barriga. Minha blusa foi levantando à medida que sãos mãos prosseguiam. Lutei contra meu próprio corpo quando segurei seus pulsos e afastei o rosto do dele.

            Deu um pequeno sorrindo mostrando que havia entendido o recado. O limite chegou. Deitamos de lado um de frente para o outro.

— Então... – Começou. – Quer dizer que não está mais chateada comigo?

— Não... Está tudo bem. A gente colhe o que planta. – Falei desanimada mais para mim do que para ele.

            Suas sobrancelhas franziram.

— E o que vai acontecer?

— Bem... Vou ter que fazer trabalho voluntário. – Desanimo prevalecendo mais fortemente em minha voz.

—Trabalho voluntário? Onde? – Quis saber.

            Respirei fundo.

— Numa casa de pessoas mais problemáticas que eu.

*****

Na manhã seguinte, ou melhor, algumas horas mais tarde, acordei cedo mesmo tendo dormido tão tarde por causa de Kevin que só foi embora por volta das quatro da manhã. Agora era a parte difícil do dia, café da manhã, onde tanto Martha quanto Billy vão continuar com o discurso que não puderam terminar no dia anterior ou vão fazer novas repreensões. Tentei mentalizar que não podia ficar tanto na defensiva ou agressiva. Eles não mereciam passar por isso. Então era apenas ouvir a balançar a cabeça concordando. Optei pela minha vestimenta comum do dia, a típica regata preta e short velho. Deixei meus passos lentos porque não havia porque ter pressa. Afinal, para que pressa para ouvir sermão?

Não queria admitir, mas fiquei com vergonha de adentrar na cozinha de cabeça erguida, era mais que consciente que não tinha tratado eles como mereciam, sei que queriam explicações. Explicações que eu não podia dar.

Desci as escadas e quando cheguei à porta da cozinha, discretamente olhei rapidamente antes de entrar. Martha estava de costas fazendo algo na pia. Billy se mantinha sentado como de comum com o jornal levantado, os óculos escorregando do seu nariz como o de costume. Uma família bem comum... A pena que senti deles ontem voltou com velocidade.

Ao avistarem minha presença, bastou um olhar para voltarem ao que estavam a fazer antes. Sentei na cadeira bem a frente de Billy e apoiei os cotovelos na mesa.

Silencio.

Silencio.

Silencio desconfortável.

Automaticamente meus ombros de encolheram antes de eu começar a falar.

— Ah... Bem... Eu não sou boa nisso, mas parece que tenho que me acostumar com a ideia de começar a praticar. Bem... Desculpa. Vocês não precisavam estar passando por isso. Eu sinto muito de verdade...

            Martha foi a primeira a demonstrar alguma reação, pois virou de frente para mim e apoiou o corpo na pia, os braços cruzados em cima do peito como ontem, mas menos tensos. Seus lábios eram uma linha que formava um “c” com as pontas para baixo.

— Só estamos tentando entender o que esta acontecendo June. Não só para resolver o que tem que ser resolvido, mas também porque queremos o seu bem, nos preocupamos com você... Diga o que esta acontecendo.

            Meu Deus. O que eu poderia dizer quando não se podia dizer? A minha resposta foi ficar calada e esperar os suspiros de frustração que se seguiram, e eles vieram.

— Sei que vocês estão confusos... Mas vai ficar tudo bem. – Prometi.

— June... – Começou Billy abaixando o jornal, tirando os óculos e passando a mão grande sob os olhos, como se já estivessem cansados de um dia que mal começou. – Eu quero que saiba, que desde que chegou nós nos esforçamos para sermos bons pais, os pais que você sempre mereceu, e para continuarmos assim, precisa nos dizer o que esta acontecendo.

            Queria ter dito mais do que simplesmente isso:

— Um dia vou dizer. Prometo...

            Ombros caídos e pouca conversa. A frustração dos dois era quase palpável, a pouca conversa que se seguiu no dia foi somente o que era necessário ser dito e no final do dia a única conversa diferenciada foi:

— Não esqueça que amanhã de manhã você já começa a pagar suas devidas contas com a justiça. – Comunicou Billy sem me olhar.

— Eu estou me sentindo uma criminosa. – Murmurei.

— Não deixa de ser. – Completou com uma mistura de sinceridade e sarcasmo.

— Ótimo. E onde fica mesmo esse lugar? Por favor, relembrem para mim meu dever com a justiça.

            Nossa, até eu ficava surpresa com o tamanho do meu atrevimento, acho que nem eu conseguiria ser mãe de mim mesma sem no mínimo me dar uma cintada a cada hora.

— Não fica tão longe, você teria que pegar a avenida principal e descer ate onde tem um casarão branco e velho. – Informou Martha como se indicasse o caminho da padaria mais próxima.

— Se você enxergar pessoas falando consigo mesmas, pode apostar que achou o lugar.

            Billy abriu um sorriso sarcástico. Talvez eu combinasse de fato com essa família.

            Ok. Beleza. Aqui se faz, aqui se paga.

*****

            Pedi para ir sozinha, mas Kevin insistiu que queria me acompanhar, não sei se ainda por sentir uma espécie de culpa, de qualquer forma, não consegui convence-lo do contrario e como nem eu e nem ele dirigíamos o jeito é ir de forma mais econômica. Pegamos minha bicicleta, e assim que sentei no banco de passageiro e agarrei sua cintura torci para não cairmos visto que era a primeira vez que fazíamos isso. Ele me deixaria e depois me buscaria.

— Que horas que termina isso mesmo? – Perguntou avoado.

— Às 18h – Senti minha voz falhar de nervosismo enquanto me segurava mais forte em sua cintura o que fez com que ele risse.

— Sério que tudo isso? – Pareceu surpreso. – E você vai almoçar comida de maluco também?

— É, a não ser que você também tenha me trazido um macarrão instantâneo.

Ele riu. Meu Deus, ele parecia estar mesmo se divertindo enquanto até meu cu tremia. E como se lesse meus pensamentos ele disse:

— Eu não vou deixar você cair.

— Eu acho bom que não deixe. E espero que não se atrase também. 18 horas já está no meu limite, ok?

            Como resposta colocou uma mão em cima da minha, dirigindo apenas com uma mão.

— Você pode usar as duas mãos?! Jesus Cristo!

            Levou pelo menos uns quinze minutos para chegar. Quinze minutos de muita emoção nessa bike que tive a maior alegria de ver indo embora. Virei e dei uma boa olhada no casarão velho de dois andares. Um gigantesco jardim e um muro de pedra bem alto para evitar fugas. Um mês. Não pode ser tão ruim.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que vocês tenham gostado e possam deixar algum comentário :)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "No Escuro com Você." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.