O Meu Reflexo escrita por Laetirin


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por dedicar seu precioso tempo a ler a minha história! Fico extremamente grata que o tenha feito. Eu me esforcei muito para escrever, e traduzir, e meu amigo Ren para fazer a capa. Espero que goste!



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Ansiedade era a única palavra que podia descrever a maneira como eu me sentia. Sentada no meu sofá, esperando o toque da campainha. Era meu primeiro encontro com Lucca, e eu não conseguia parar de batucar os dedos na minha mesinha de centro. Minhas mãos se moviam pelo meu cabelo, nervosas, e minhas pernas tremiam por conta própria. Ficar sentada era difícil, então decidi levantar e andar em círculos na minha pequena sala de estar. De vez em quando, olhando pelo olho-mágico, imaginando se ele estaria atrasado ou se simplesmente havia esquecido que dia da semana era novamente.

Se ele não viesse, eu morreria. A humilhação seria demais para lidar, e eu teria que beber para esquecer. Bêbada, poderia acabar me sentindo ainda pior. Entraria em meu carro e dirigiria para longe para que ninguém me encontrasse. Já que dirigir sob influência de álcool é uma das piores coisas que você pode fazer, eu provavelmente acabaria matando a mim e a outras pessoas. E Lucca seria o responsável por isso. "Se apenas você tivesse ido ao encontro com ela", a polícia diria, "isto não teria acontecido." Minha família o processaria e seu pai perderia todos os clientes de sua oficina de conserto de bicicleta. Lucca seria o pária da cidade, vivendo abaixo da linha da pobreza e extremamente odiado, até ser esfaqueado por um assassino em série ou atropelado por outro motorista bêbado.

Isto é o que aconteceria se ele não viesse. Mas ele veio. Quando eu o vi do outro lado da porta, o peso da hipótese sobre meus ombros finalmente sumiu. Minhas mãos pararam de tremer e eu consegui respirar apropriadamente. Com o maior sorriso no rosto, abri a porta, nem mesmo esperando que ele apertasse a campainha que eu antes tão desejava escutar. De repente, me senti intimidada. Ele era muito mais bonito na vida real do que nos aplicativos de relacionamento. Isso destruiu meus planos. Como um homem daqueles poderia se apaixonar por mim?

Seus traços simples e amenos eram demais para mim. Seu lábios finos. Nariz pequeno. Rosto perfeitamente redondo e barbeado. Pele lisa. Eu estava horrível em comparação. Subitamente, minha maquiagem parecia derreter minha pele. O colar de ouro que ganhei de minha avó aos doze anos, que usei todos os dias da minha vida até então, parecia me estrangular. Me sentia sufocada por meus próprios acessórios. Meu vestido parecia apertado demais. Provavelmente não deveria ter almoçado naquele dia. Tudo fez parecer com que meu mundo fosse desabar. As paredes pareciam fechar ao meu redor, e aquilo me causou um frio na barriga desconfortável.

Até que eu notei uma imperfeição nele. Seus olhos.

Era sutil, porém seus gentis olhos, de cílios longos, eram assimétricos. Eu sou extremamente atenta aos detalhes, e consigo notar o mais ínfimo deles. E eu fiquei extremamente grata ao universo ao descobrir que seus olhos eram de cores diferentes! Ele não era perfeito. Graças a Deus.

— Lídia. — Ele sorriu, parecendo surpreso. — Então... Olá!

Nós dois rimos desajeitados. Sua risada era adorável. Agora que eu sabia que ele tinha um defeito, poderia focar tranquilamente em suas qualidades sem medo de ser descartada.

— Prazer em finalmente conhecê-lo! — Eu disse, tentando não corar. Mesmo que eu o fizesse, ele não notaria. Meu verdadeiro rosto estava coberto em três camadas de maquiagem, só para prevenir. Ele me abraçou. Tive medo de começar a suar, mas no momento em que ele percebeu que eu não iria retribuir, ele me soltou, com um sorriso sem jeito no rosto. Ele tinha covinhas nas bochechas. Eu não me importo muito com covinhas, mas também não sou sua maior fã. Era uma das coisas que eu não considerava nem boa, nem ruim. Exceto quando estão presentes em apenas um lado. Simetria é importante.

Seus olhos, por outro lado, tudo bem. Posso deixar passar.

Com um suspiro, agarrei minha bolsinha e cruzei os braços.

— Vamos lá? — Mostrei um leve sorriso.

Ele sorriu de volta, deixando o apartamento comigo. Quando adentramos o elevador, nenhum de nós disse nada. Quando há silêncio, minha mente vagueia por aí, e isso é o pior que alguém pode me deixar fazer. Sentia descermos enquanto encarava o espelho diante de mim, e me senti claustrofóbica novamente. Era literalmente uma caixa de metal puxada para cima e para baixo por cabos. Tais cabos poderiam quebrar a qualquer momento. Poderíamos cair e sermos esmagados pelo teto. Eu já havia pesquisado anteriormente: cerca de vinte pessoas morrem em elevadores anualmente. Nós podíamos fazer parte dessas pessoas. Senti que não podia respirar, então decidi quebrar o silêncio o mais rápido possível.

— Você tem heterocromia? — Perguntei-lhe, embora desnecessário. Seus olhos claramente tinham cores diferentes. Eu só precisava dizer alguma coisa, qualquer coisa.

Ele acenou com a cabeça em confirmação e respondeu.

— Hã, o esquerdo é verde e o direito é azul. — Ele desviou o olhar, como se tivesse vergonha. — Espero que não seja um problema.

Ao que eu sorri gentilmente.

— Um problema? — Repeti. — É tão legal! Incrível! Por que eu teria um problema com isso?

Lucca pareceu chocado, e seu rosto mudou de branco para avermelhado.

— Bem, é a primeira vez que escuto isso. — Gaguejou. — Obrigado.

Eu que deveria estar agradecendo-lhe. Obrigada por não ser perfeito. Seria muita pressão para mim se você fosse. Mas isso sempre era mal-entendido quando eu digo, então desta vez guardei para mim mesma.

Seu carro estava estacionado do lado de fora. Eu não sei muito sobre carros, então não posso dizer nada sobre o modelo ou a marca, mas estava limpo e cheirava bem. Eu não conseguiria ficar dentro de um ambiente bagunçado por mais de sete minutos. Assim que entrei, coloquei o cinto de segurança. A viagem durou mais de sete minutos. Eu não sabia para onde ele estava me levando, ele disse que seria uma surpresa

— Espero que seja algum lugar incrível! — Eu disse. — Tenho altas expectativas para você.

Eu realmente tinha. Eu sempre tive altas expectativas para todos. Nunca havia visto antes, nos falamos apenas pela internet. Ele podia ser um sequestrador, um assassino em série, ou pior. Minhas mãos tremiam um pouco, então eu sentei sobre elas. Duvido que um homicida tivesse um carro com aroma de margaridas, mas nunca se sabe.

— Ah, não se preocupe. Vai ser divertido! — Respondeu.

Não conversamos muito enquanto ele dirigia. Falar na vida real é mais difícil que por mensagem. Suas mãos deixavam marcas de suor no volante, e ele estava constantemente olhando pelos retrovisores. Lucca estava apreensivo, provavelmente decepcionado, e eu pensei em mencionar, mas não queria arruinar nosso primeiro encontro. Não desta vez. Não com ele. Enquanto ele dirigia, eu olhava pela janela, tentando não pensar. Mas é tão difícil ignorar seus próprios pensamentos.

Eu nunca teria adivinhado o lugar para o qual ele me levou, e muito menos que havia um parque temático temporário na cidade. Pessoas de todas as idades se reuniam no local, coladas umas nas outras. Eu podia sentir o cheiro de algodão doce e cachorro-quente pelo ar, enquanto pais desesperados corriam atrás de seus filhos pela multidão. Embora fosse definitivamente um ambiente divertido, havia algo de errado.

Talvez fossem os palhaços, suas maquiagens sempre me davam nos nervos. Talvez a atmosfera sombria, com o melancólico céu cinza de nuvens e o vento forte que fazia algumas das atrações rangerem. Ninguém mais parecia notar ou se importar, então acabei ignorando também. Sou sempre atenta a tudo, de todo jeito. As pessoas geralmente me julgam como paranoica, então decidi ignorar minha intuição e focar em esconder meus sentimentos, desta vez.

Quando estacionamos e deixamos o carro, Lucca virou-se para mim, tirando sua carteira do bolso interno de seu casaco de couro, enquanto andávamos em direção à bilheteria.

— Bem, aonde você quer ir primeiro?

Eu não respondi. Apesar de parecer bem mais relaxado do que antes, ele ainda evitava contato visual.

— Sabe, isso é fofo. — Comentei. — Mas você não pode fazer isso a tarde inteira.

— O quê?

— Você não está olhando nos meus olhos. — Expliquei.

A fila era curta, e estávamos chegando mais perto do balcão.

— Desculpe. Eu não sou bom nisso. Eu nunca fui a um encontro antes. — Confessou. Eu dei uma risadinha, mas parei quando vi que estava falando sério.

— Nunca? — Repeti. Como era possível? Ele não era nem um pouco feio, e acredite em mim, eu saberia se ele fosse. — Tipo, nunca, nunca?

Ele balançou a cabeça, confirmando. Seu rosto estava ficando avermelhado. Era tão fofo, eu não podia acreditar. Ele estava, definitivamente, mentindo para mim. Contudo, como dito anteriormente,  eu não queria arruinar tudo como sempre faço, então esperei em silêncio até que comprasse os ingressos.

Havia muitas atrações no parque, mas eu queria evitar ir nas assustadoras, como a casa mal-assombrada ou o labirinto de espelhos. Queria parecer corajosa, e essas duas iriam destruir minha fachada.

— Vamos na roda gigante! — Propus, agarrando sua mão quente. Suas bochechas coraram ainda mais do que antes.

Eu o puxei para a atração. Era a mais lenta que eu vi na vida. O que significa que passamos mais tempo longe do chão. O que significa que havia mais chances dela quebrar e cair e todos nós morrermos. Mas ele se aproveitou disso para termos uma longa conversa sobre altura, medos, traumas e histórias pessoais. Depois disso, ele me levou aos carrinhos de bate-bate, e ficou no banco do passageiro enquanto eu dirigia. Alguns pais olharam para nós em desaprovação, pensando que éramos velhos demais para brincar lá. Nós éramos alvo das crianças, que batiam no nosso carro. Pareciam cismar com nossa presença lá, mas apenas ignoramos. Digo, ele ignorou. Eu tive que fingir não ligar, mas ligava sim.

Lucca e eu fomos em inúmeras atrações, e havia até ficado escuro. A última era o labirinto de espelhos. Era mais distante do resto dos brinquedos, e seu exterior era apavorante. Sua arquitetura fazia parecer com um rosto gigante de palhaço, e suas portas ficavam bem onde sua boca deveria estar.

— Assustador. — Fiz caretas estranhas para divertir meu parceiro. — Você tá com medo?

Eu perguntei na esperança de que ele estivesse, porque eu mesma estava aterrorizada.

— Até parece. — Riu. — É você que tem medo do próprio reflexo.

— Eu nunca disse isso. Nunca. — Menti. Espelhos e palhaços foram basicamente nosso tópico principal durante a tarde.

—Vamos entrar, então. — Desafiou-me. — As damas primeiro.

Sorri, fazendo como ele disse. Queria parecer corajosa. Serena, calma e impassível. É claro, no momento em que entramos, um barulho trovejante indicou que as portas haviam se fechado atrás de nós. O local estava escuro, e eu só conseguia enxergar o que as fracas luzes me deixavam ver. Dúzias de versões de nós se puseram diante de mim, e eu lembrei de que nunca fui muito boa em escapar de labirintos, especialmente com espelhos.

O sentimento inquietante dentro de mim por toda a tarde emergiu novamente. Antes de entrarmos lá, consegui lidar com ele e escondê-lo, mas a claustrofobia e a nictofobia destruíram tudo para mim. Com meus joelhos começando a tremer, eu precisei fazer algo.

Procurei pela mão de Lucca, mas encontrei apenas a superfície fria e plana do metal.

— Ah, não. — Escutei-o dizer. — Este parece difícil de resolver.

— S-s-sim, as luzes estão me deixando tonta. — Concordei. Tentamos empurrar as portas atrás de nós. Elas não se moveram.

— É inútil. —Escutamos uma voz feminina sussurrar.

Eu pulei, mas ele não pareceu assustado.

— O que você disse, Lídia? — Ele perguntou, para a  minha confusão.

—Eu não disse nada.

Nos viramos para nossos reflexos. Contudo, havia algo de diferente. Parecia haver o dobro de "Lídias" do que de "Luccas". Meu cérebro estava cheio de indagações. Movi minha mão para checar algo, mas apenas metade das minhas imagens fez o mesmo. Inclinei a cabeça, confusa, mas nem todas me copiaram. Aterrorizado, Lucca agarrou minha mão e correu. Batemos em espelhos repetidas vezes, e eu não entendi o que o fez correr. Achei que eu fosse a única que odiava o reflexo.

— Lucca, calma! Faz parte da atração! — Gritei. — Minha mão está doendo! Por que estamos correndo?

Ele parou, olhando nos meus olhos. Sua respiração ofegante embaçava os espelhos por perto.

— Isso não é uma atração. Aquela coisa que nós vimos agora há pouco...!

— Aquela "coisa"? Você realmente acha que eu sou tão feia assim? — Eu o interrompi e questionei. Ele revirou seus olhos assimétricos e cobriu minha boca com a mão, para me calar.

— Aquele não era só seu reflexo, Lídia. Reflexos não falam. Você provavelmente não a reconheceu, mas era a sua voz sussurrando. — Murmurou, cansado da corrida. — Eu não sei o que está acontecendo, mas precisamos sair rápido.

Então, prosseguimos com a fuga. Meus pés estavam fartos e eu não sabia exatamente o que o perigo era, mas confiava nele, e continuei seguindo-o. Parecia não haver saída, que nos movíamos em círculos. Parecia que iríamos correr para sempre, sem nunca alcançar o final do labirinto, até que batemos de cara com duas figuras.

Que pareciam muito com nós dois.

Caí no chão, batendo minha cabeça nele. Lucca gritou algo, mas não consegui ouvir. Tudo parecia girar, e as luzes de repente ficaram mais claras. Pude sentir uma briga acontecendo, mas não levou muito tempo até que tudo ficasse preto. Perdi a consciência.

Quando abri os olhos, estava dentro de um carro familiar. Minha cabeça doía, e eu não conseguia focar nas imagens. Olhei ao redor, e vi Lucca no banco do motorista, ao meu lado, segurando o volante. Ele parecia preocupado, até que notou que eu estava acordada.

— Ufa, uau, você está de volta. — Sorriu, aliviado. Eu tentei dizer algo, mas meu cérebro não conseguiu processar palavras. — Sabe, foi difícil encontrar o fim do labirinto depois que você bateu a cabeça no espelho. — Ele disse, rindo. — Tive que carregar você. Mas não se preocupe, você é mais leve do que parece.

Pisquei. Não era assim que eu lembrava das coisas acontecendo. Mas eu provavelmente estava confusa demais depois do acidente. Ele continuou falando, mas não respondi.

Eu sabia que algo estava errado, mas não conseguia dizer exatamente o que. Levei um bom tempo para fazer minha visão voltar ao normal. Quando ela voltou, olhei pelo retrovisor dentro do carro e encarei Lucca através dele. Foi aí que eu percebi. Lembrei do que ele me disse antes. "O esquerdo é verde, e o direito é azul."

Foquei no espelho. Nada estava errado. Esquerdo, verde. Direito, azul. Olhei pela janela do carro, minha cabeça latejando e o mundo ainda girando vagamente.

Então, eu finalmente entendi.

Num espelho, as coisas não deveriam estar corretas. Uma imagem virtual é invertida horizontalmente, é física. Quando olhei para ele diretamente, foi aí que notei.

Seus olhos estavam trocados.


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Notas finais do capítulo

Gostaria novamente de agradecer por você ter lido minha história. Se possível, gostaria de receber um feedback sobre ela. Eu estava pensando em transformá-la numa história mais longa, com vários capítulos. Me avisem se acharem que é uma boa ideia!



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