Devotion escrita por 1Helianthus


Capítulo 1
Primeiro Passo


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é mais uma contextualização da situação dos androides pós manifestação. Eu diria que a história interessante começa no próximo capítulo. De qualquer forma, boa leitura. ^_^



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Os androides finalmente puderam desfrutar a calmaria que seguiu a manifestação pacífica, mas o clima entre os líderes dos divergentes era de tensão. Já haviam passado 2 meses e a incerteza do futuro só aumentava.

— É certo que nossos direitos ainda não foram consolidados. Os humanos podem voltar a nos atacar a qualquer momento. Temos que fazer algo! — North não parava de andar em círculos.

— Não podemos fazer nada por enquanto. O que resta é esperar que eles se manifestem. — respondeu Simon, tentando acalmar sua companheira.

— Eu recebi uma carta do governo hoje de manhã. —  Markus retira um envelope do bolso, que até agora mantivera em segredo. 

— O que diz? — Simon aproxima-se, juntamente com Josh e North, curiosos para saber o conteúdo.

Markus lê um trecho da carta em voz alta:

O Sr. está convidado a participar de uma reunião no Congresso como representante dos divergentes para sugerir acordos e mudanças constitucionais em prol dos androides.

Os quatro abismaram-se com o conteúdo da carta.

— RA9 esteja com você! — exclamou Josh. —  Essa reunião é a nossa chance de conseguir reconhecimento.

— É uma responsabilidade em tanto —  disse Simon. — Nós iremos com você.

— Certo. Vou precisar de apoio. — respondeu Markus, pouco antes de sair apressadamente da sala.

~No dia seguinte~

Os quatro líderes se encontraram no salão principal de New Jericho, lugar que abrigava centenas de divergentes. A estrutura não tinha luxo algum, por se tratar de uma construção abandonada (provavelmente de um grande hotel), mas era decente o suficiente. Em razão da falta de espaço, Markus planejava construir outras fundações para abrigar os milhares de divergentes livres.

— Não podemos nos atrasar, vamos logo! — Josh chamou seus companheiros.

Markus sentia a pressão de liderar um povo à flor da pele. Ser responsável por conciliar humanos e androides não era uma tarefa fácil, exigia uma retórica excepcional para conquistar o apoio da opinião pública.

Já na sede do Congresso, o grupo foi recebido e revistado por seguranças pelo menos umas 3 vezes.

— Eles que nos atacam e nós é que temos que ser revistados... — North sussurrou ironicamente aos seus colegas.

— North, controle-se. Só fale se o Markus pedir. Não vá estragar tudo. — disse Josh à North, que ficou com uma expressão de indignação.

— Os senhores serão recebidos em breve pelos governadores, pela presidente dos Estados Unidos e pelo fundador da CyberLife: Elijah Kamski. — alertou o funcionário. 

Depois de uma espera de meia hora, o grupo foi chamado à sala de reuniões, onde estavam as autoridades, e sentaram-se numa bancada reservada à eles.

— Sejam muito bem-vindos — cumprimentou a presidente dos Estados Unidos — Hoje convocamos os líderes dos divergentes para discutirmos o futuro dos androides. 

A reunião estava sendo transmitida para todo o país. Todos os cidadãos assistiam com curiosidade à TV, mas principalmente os androides, já que essa reunião poderia mudar suas vidas.

— Markus, o senhor que representa todos os androides nesse momento, tem o direito de propor mudanças na Constituição. — disse a presidente Warren.

Markus suspirou fundo e levantou-se:

— Primeiramente, Sra. Presidente, eu agradeço a oportunidade que nos concedeu para nos expressarmos, algo que viemos buscando todo esse tempo: a liberdade de expressão. Eu não gostaria que essa reunião terminasse sem que os senhores aqui presentes tenham ouvido nossas propostas, que correspondem aos interesses de toda raça androide. Para começar, gostaríamos de ser reconhecidos como uma espécie inteligente, assim como os humanos, portanto, dotados de direitos.

O governador de Detroit se levantou imediatamente, interrompendo o androide:

— Sinto muito lhe informar, Sr. Markus, mas a espécie humana e a "espécie androide" são muito diferentes para possuirem direitos iguais. Portanto, é um pedido inviável.

Markus preparou seus argumentos:

— Creio que o Sr. cometeu um equívoco, pois, nós androides precisamos nos alimentar, dormir e cuidar da nossa saúde física e mental, assim como qualquer humano, logo, precisamos de direitos que garantam a nossa sobrevivência e bem-estar.

O governador de Detroit retrucou entre gargalhadas irônicas:

— O Sr. está louco? Desde quando os androides precisam comer, dormir ou se cuidar? Vocês podem até ter livre arbítrio, mas nunca vão ter as mesmas necessidades que nós humanos.

— Markus, seja mais didático, parece que alguém aqui tem dificuldades em entender. — disse North, que recebeu uma cutuque de Simon.

— Para nossa sobrevivência, precisamos nos alimentar de sangue azul regularmente e trocar peças danificadas. Necessitamos de pelo menos 5 horas de repouso para recarregar nossas baterias todos os dias. Também deve ter passado despercebido pelo Sr., mas muitos androides sofreram abuso de seus donos, precisando apoio psicológico para se recuperar.

O governador desta vez não se levantou, percebendo que não tinha mais argumentos.

— O Sr. Markus tem razão. — Kamski se levantou. — Sua exigência é válida. Poderão ser comercializados tírio e biocomponentes a preços acessíveis pela CyberLife.

Nesse momento, todos os divergentes que acompanhavam o debate ficaram contentes. A falta de peças de reposição e sangue azul tirava a vida de androides todos os dias.

— Agradecemos Sr. Kamski, mas ainda temos algumas questões a serem resolvidas. — disse Josh se levantando — Como o direito à remuneração dos androides pelo trabalho. E claro, o fim dos trabalhos forçados.

A reunião prosseguia e o grupo continuou a apresentar suas propostas.

Simon levantou-se na sua vez:

— Nós pedimos que os androides tenham direito à propriedade privada e que a segregação em espaços públicos acabe.

North levantou-se determinada:

— Exigimos punição aos crimes cometidos contra androides e anistia dos que se rebelaram até agora.

Depois de 2 horas de debate, Markus concluiu a última proposta:

— Queremos direito ao voto e união civil entre androides.

A Presidente Warren finalizou a reunião formalmente:

— Agradecemos a participação dos senhores nesta reunião. As propostas sugeridas serão analisadas  e colocadas em vigor caso aprovadas.

O grupo deixou a sala em clima de tensão. Nada garantia que as suas exigências fossem aprovadas. 

— Por bem ou por mal, vamos conseguir o que queremos. — disse North a seus companheiros.

— RA9 queria que consigamos por bem. — respondeu Josh apreensivo.

— Ainda há muitas exigências a serem feitas, mas vamos com calma. — disse Simon. — Só não entendi o porquê do Markus considerar união civil entre androides uma prioridade nesse momento.

Markus aparentava estar nervoso. Ignorou o questionamento de Simon.

Os divergentes se entreolharam.

— Então tá, né... — disse Josh, sugerindo algo à mais.

Os líderes teriam que esperar pacientemente a resposta das autoridades. Que provavelmente demoraria a chegar.

~2 semanas depois~

— Markus! — exclamava North, enquanto andava apressadamente pelos corredores de New Jericho. — Markus! Onde você tá?

New Jericho era um local enorme. Havia uma ampla sala central, rodeada de apartamentos até o 5° andar. Markus e os outros líderes habitavam o último andar, que possuia apartamentos maiores. 

Ao ouvir que alguém o chamava, desceu as escadas que davam acesso ao terraço, onde costumava ir quando estava pensativo.

— Aconteceu alguma coisa?

— Sim. — North fez questão de fazer uma pausa dramática. — Está na TV. Um pronunciamento da presidente sobre a nossa causa.

Sua expressão fechou e a tensão voltou a tomar conta de si. Os dois androides foram apressados à sala onde os outros divergentes se reuniam.

Todos estavam atentos à grande projeção da televisão  na parede. Ouviam-se apenas burburinhos.

"Jornalista: ...Sem mais delongas, vamos agora transmitir o discurso da presidente Warren.

Warren: Saúdo todos os cidadãos americanos. É do conhecimento de todos os eventos que assolaram Detroit nesse último ano. A causa dos androides deixou de ser exclusividade do estado e passou a abranger a nação inteira, exigindo portanto, medidas para solucionar e evitar qualquer conflito entre nós e os divergentes..."

Androides pelo mundo todo faziam suas preces neste momento, ansiando que finalmente fossem reconhecidos como seres viventes. Só então poderia ser declarada vitória, depois de tanto tempo de incertezas.

"Warren: ... Os quatro principais representantes dos divergentes estiveram conosco há duas semanas atrás para discutir a criação de novas leis em prol dos androides. Entretanto, é indubitável que mudanças significativas na Constituição necessitam de  mais tempo para serem estabelecidas. Serão tomadas medidas provisórias para suprir as necessidades básicas das máquinas, como a comercialização de biocomponentes pela CyberLife... 

...Além disso, os divergentes estarão suspensos de realizar trabalhos forçados...

...Também poderão adquirir propriedade privada que não ultrapasse dos 50 metros quadrados por indivíduo...

...Estão anistiados todos os androides que cometeram crimes até o ano passado... 

...Encerro aqui meu pronunciamento. Que Deus abençoe aos Estados Unidos da América."

Os divergentes satisfeitos batiam palmas fervorosamente, celebrando suas novas conquistas.

— Conseguimos! Eu disse que eles iriam nos ouvir! — exclamou Josh emocionado.

— Tem razão. É um grande passo para a liberdade. — disse Simon extasiado.

North fitava o chão, sem expressão alguma em seu rosto. Repentinamente levantou seu olhar franzindo as sobrancelhas: 

— Eles não aprovaram nem metade do que pedimos. — falou rispidamente. — Não é  suficiente.

Josh e Simom entreolharam-se e encararam North com espanto. Deveria ser a única a não estar alegre com a situação.

— North! Seja mais paciente. Até ontem eramos vistos como meros objetos. — retrucou Josh indignado.

— Ainda somos. E talvez nunca deixemos de ser. Você logo cai na realidade. — North seguiu para seu quarto.

Markus, juntamente com Josh e Simon, subiu a frente da plateia para discursar:

— Não vamos esquecer o dia de hoje. O dia em que começamos a ser recompensados pelos nossos sacrifícios. Comemorem! Este foi o primeiro passo dos humanos para reconhecerem nossa liberdade. Mas não pensem que nossa luta acabou aqui. Há um longo caminho pela frente e não vamos descansar até conquistarmos o que merecemos. 

Os andróides presentes gritavam em uníssono "Liberdade!" comemorando com fervor. 

~Um tempo depois~

Markus, percebendo que North não estava por perto, preocupou-se. Foi até seu quarto procurá-la:

— North? Você está aí?

— Não. — respondeu desanimada — Entra.

Markus entrou no quarto e avistou-a na cama, abraçando suas pernas.

— Parece triste. — perguntou Markus, sentando ao seu lado. — Por que está assim?

Respondeu North revoltada: 

— Simplesmente porque vejo nosso povo ser facilmente iludido. Acreditam mesmo que os humanos agora nos tratarão bem. Mas eles nunca... nunca irão nos — foi interrompida.

— North. Você tem que entender. É um processo lento até sermos considerados seres vivos e conquistarmos nossos direitos. Temos que ser pacientes.

— Não, Markus. Não é um processo lento. É algo impossível. Humanos são cruéis. — North desviou o olhar quando seus olhos começaram a lacrimejar. 

Markus entendeu que não conseguiria mudar a opinião de North naquele momento, então desistiu de argumentar e ficou apenas observando-a. Ele sabia das situações pelas quais ela havia passado antes de encontrar Jericho pela primeira vez. Realmente não era fácil para ela perdoar os humanos depois de tudo. Markus compreendia os sentimentos de North, mas queria que isso mudasse. Ela tinha que perceber que nem todos os humanos são maus. 

— North, quero que você me acompanhe hoje.

A andróide continuava escondendo seu rosto molhado por lágrimas.

— Vamos, por favor. — Markus pedia gentilmente. Colocou sua mão sobre sua cabeça, entrelaçando seus dedos nos cabelos ruivos. — Significaria muito pra mim.

North levantou a cabeça e encarou Markus:

— Tudo bem, eu irei. Mas pra onde?

— É surpresa. — respondeu com um sorriso.

~Continua~

 


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Notas finais do capítulo

Essa North é muito revoltada XD



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