How to be an Archeron. escrita por Renata


Capítulo 1
nesta — the eldest sister.




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Tudo tem um limite, disso eu bem sei. E sei também que acabei o ultrapassando no dia do solstício de inverno. Claro que, no momento, eu nem acabei me dando conta, só fui de fato perceber isso seis meses depois. Eu sabia que minhas irmãs não estavam sendo mais as mesmas comigo, até Amren – Amren! – impôs uma fria distância.

Eu me sentia caindo em um buraco, a borda bem acima de mim. Via as coisas acontecendo, mas uma parede me impedia de senti-las. Eu estava vazia. E sozinha, como fizeram questão de deixar claro.

— Uh! – eu gemi e minhas pernas não sustentaram mais o peso do meu corpo. Colaia, uma ilyriana, tinha batido na minha têmpora com a lateral de sua lança, tirando-me de meus pensamentos e me trazendo imediatamente para o presente.

— Acho que por hoje já chega – ela falou me olhando de cima. Estendeu a mão enluvada para mim, agarrou meu braço e me içou para cima, antes que eu pudesse dizer que não precisava de sua ajuda. – Se não fosse a protegida de Cassian, eu mesma te expulsaria daqui. Já treinamos há semanas e você nem mesmo se esforça!

Eu queria tacar fogo nela. E em Cassian, por ter me obrigado a treinar enquanto estivesse aqui nas montanhas. E em Cassian novamente por ter feito todos pensarem que eu era sua protegida.

Me desvencilhei da mão dela, empinei meu nariz e lhe dei as costas. Queria dizer para ela tomar cuidado, porque eu era a irmã da Grã-Senhora. Mas simplesmente sai sem abrir minha boca.

Pensar em Feyre doía, mas bem menos do que olhar para ela. Minha irmã, minha irmãzinha, roubou meu lugar de irmã mais velha. Quando éramos pequenas e ainda morávamos na mansão, Feyre corria atrás de mim o dia todo, quando se machucava era a mim que chamava, quando fazia um desenho queria mostrar para mim primeiro. Era até meio irritante naquela época, mas sinto falta. Fazem bem mais que dez anos desde a última vez que ela me procurou para alguma coisa.

A primeira vez que ela saiu para a floresta, eu sai de casa atrás dela, mas virei para o outro lado. E chorei. Chorei porque minha irmãzinha estava se colocando em perigo. E chorei porque era eu quem tinha que ir para a floresta. Ela voltou, completamente arranhada e sem nada nas mãos. Meu pai apenas perguntou se ela estava bem e eu não disse nada. Todos os dias ela acordava cedo e ia para a floresta, voltando só perto da noite. Duas semanas mais tarde, Feyre voltou com um coelho. Ela estava sangrando. E meu pai soltou um suspiro de alívio ao ver o animal, não a filha. Feyre desabou num banquinho, a respiração pesada. Elain ficou pálida ao encarar o sangue, mas umedeceu um pano e foi logo ver onde Feyre estava ferida. O coelho jazia sobre a mesa de madeira, imóvel, recebendo o olhar de quatro pessoas. “Você trouxe o coelho” eu disse. Minha irmã me olhou e os olhos dela nunca se pareceram tanto com os meus, olhos cheios de raiva. “Sim,” ela respondeu “como pode ver. Não espera que eu cace e ainda por cima tire a pele, não é?”. Eu a encarei, me perguntando onde minha irmãzinha tinha ido parar. “Eu faria isso,” Elain murmurou ajoelhada ao lado de Feyre “mas não sei como.” Meu pai se arrastou até a mesa. “Traga a faca, Nesta, eu tiro a pele.” Ele lançou um olhar de aviso para mim, mas desviou os olhos rapidamente para Feyre. “Bom trabalho, querida.” O rosto dela se iluminou por um momento e ela abaixou a cabeça. Naquela noite, eu me certifiquei de que as duas estavam dormindo e fui para o quarto de meu pai. “Você é um inútil!” eu sussurrei, deixando transparecer todo o nojo que eu sentia. “Estava só esperando uma de nós fazer o seu trabalho de sustentar a casa, não é?”. Os olhos dele faiscaram. “Não se atreva a falar assim comigo” ele resmungou. “Você a parabenizou! Por se arriscar!” Eu precisava colocar toda a raiva que sentia para fora, senão seria capaz de explodir. “Ela podia não ter voltado, ela podia ter morrido!”. Ele levantou uma sobrancelha “Se está tão preocupada, por que não foi você mesma para a floresta?”. “Por que?” eu ri com escárnio “Porque eu estava esperando que você cuidasse das suas filhas!”. Ele suspirou, parecendo bem mais velho do que era. “Ao que parece, Feyre passou na frente de nós dois”.

Entrei na pequena cabana que não compartilhava com ninguém, o que fazia com que me olhassem torto no acampamento e me isolei do lado de fora. Eu podia estar na casa do rio nesse momento, vivendo com mordomia, tendo meu retrato nas paredes e o amor de minhas irmãs, mas causei esse vazio a mim mesma.

Feyre escapou de minhas mãos muitos anos atrás, então foquei toda minha atenção em Elain. Ela nunca falou nada na frente dos outros, mas sempre reclamava comigo em particular para deixa-la em paz. Antes, eu nunca tinha tido certeza se Feyre ainda gostava de mim, mas a forma como ela me acolheu na Corte Noturna, como me protegia sempre, deixou isso bem claro. Ela brilhava de felicidade e eu nunca tinha visto ela assim. Até Elain, que tinha ficado ao lado dela, adquiriu um pouco desse brilho.

Mas eu estraguei tudo ao aceitar ir para a festa somente pelo dinheiro.

Rhysand me odiava, qualquer um podia ver isso. Até eu me odiava.

 

— Você está decente? – eu podia escutar o sorriso na voz de Cassian.

Essa frase tinha virado a saudação dele desde o dia em que ele entrou – sem bater, como sempre – e me pegou completamente nua saindo do banho. Eu corei e ele corou, mas não coloquei a toalha em volta de mim. Ele caminhou em minha direção e eu pude ver pela expressão do rosto dele que foi um gesto involuntário. Cassian começou a balbuciar alguma coisa, mas eu o beijei, apenas – um grande APENAS – para calar sua boca. As mãos dele começaram a percorrer meu corpo e os calos delas arranhavam a minha pele. De alguma forma, fomos parar na cama. Foi puramente carnal, uma briga de dois corpos para aliviar a tensão.

Eu resmunguei em resposta, sentada a mesa da cozinha.

— Te trouxe comida, deve ser suficiente para uns três dias.

Ele fechou a porta e caminhou até a mesa em passadas largas, o sorriso malicioso ali no canto da boca.

— Você entra e sai daqui a hora que quer. Nunca bate. – Eu o encarei. – Todos acham que sou sua protegida. Ou coisa pior.

— E não é? – Ele largou a sacola de couro na mesa. Eu podia sentir o cheiro de pão e queijo. – A parte da protegida, não a outra. – Cassian ergueu as sobrancelhas de forma sugestiva. – A não ser que queira.

Levantei minha mão e fiz um gesto obsceno, o que gerou uma gargalhada em resposta.

— Por que eu seria?

— Posso te dar vários motivos para isso. – O sorriso malicioso estava novamente ali.

— Não estava perguntando sobre isso, seu imbecil! – Tentei, mas não consegui me impedir de corar.

Cassian fingiu não ter escutado o insulto.

— Minha Grã-Senhora pediu que eu ficasse de olho em você. – Ele deu de ombros, como se não fosse nada demais. – Não foi uma ordem, mas eu não faria nada para aborrecê-la de propósito.

Eu dei um aceno com a cabeça, porque não sabia o que dizer. Nem o que pensar.

 

A porta bateu na parede, mas não dei muita atenção. Era o meio do outono e ventava muito. A porta bateu novamente, desta vez no batente e escutei passos. Me levantei na hora. Mesmo que eu odiasse treinar, já sabia me defender.

— Quem está aí? – minha voz saiu afiada como uma navalha.

— Nesta – a voz de Cassian saiu meio engasgada. Quando ele chegou até a mesa eu vi que seu rosto correspondia ao som que saiu de sua boca.

— O que foi? – eu me levantei, espalmando as mãos na mesa.

Ele desabou em uma cadeira.

— Ainda há certa resistência em Hybern – ele começou. – Houve um ataque em Velaris. Az acabou de me contar. – Ele olhou para mim. – Elain está bem.

— E Feyre?

Cassian estremeceu, o que me fez enterrar as unhas na madeira da mesa.

— Feyre... – ele murmurou debilmente.

— Minha irmã mais nova, Cassian. Como ela está?

— Nunca perguntou dela antes. – Ele me olhou atentamente e qualquer coisa que tenha visto no meu rosto o fez continuar a falar. – Az disse que Rhys falou para eu não te contar nada dela, mas já que está perguntando... – Eu aguardei, sem paciência. – Ela foi atingida por uma flecha envenenada, próximo ao coração. – Ele engoliu em seco e eu fraquejei, caindo sentada na cadeira. – O ferimento fechou, mas...

— Pela mãe! – eu gritei. – Termine suas frases de uma vez por todas.

— O veneno ainda está circulando no corpo dela. Ela vai ficar bem. – Cassian falou baixo, como se estivesse afirmando isso para si mesmo. – Mas vai demorar mais do que o normal.

— Me leve para lá. – Me levantei e agarrei o braço dele. – Eu quero vê-la.

Ele se levantou também.

— Não foi expulsa de Velaris?

— Eu não me importo. Me leve para lá logo, porra!

 

Cassian nos atravessou para o píer em frente a casa. Eu saí correndo, minhas mãos segurando a saia do vestido na altura dos joelhos para não ter perigo de tropeçar. Passei em disparada pelas portas e segui para a escada, mal notando as pessoas que estavam no meu caminho naquele palácio que chamavam de casa.

Não fazia ideia de onde era o quarto de Feyre, nunca tinha estado lá, mas eu seguia correndo para onde meu coração mandava. Derrapei tentando parar, ao notar que Elain saia de uma porta no fim do corredor. Corri para lá.

— Feyre – foi tudo o que consegui dizer.

Ela assentiu e deu um passo para o lado, indicando a porta semiaberta.

Entrei rapidamente e segui para o lado da cama, empurrando alguém para obter mais espaço.

— O que está fazendo aqui? – uma voz com raiva sussurrou para as minhas costas. Rhysand.

Não respondi, ocupada demais observando Feyre. Ela estava mais pálida do que um dia um lembrava dela já ter estado. E a respiração era ruidosa. Me sentei na cama, abraçando os ombros dela.

— Como ela está? – eu perguntei, olhando para ela. Agora que estava aqui, que eu via que ela estava realmente viva, sentia vergonha pelo modo como me comportei. Não somente aqui na Corte Noturna, mas também durante todos os anos que vivi na aldeia. E não tinha coragem de encarar o Grão-Senhor.

— Eu... – ele suspirou. – Não sou a melhor pessoa para te responder isso. Consigo sentir a dor dela, principalmente agora que está dormindo e não tenta esconder tudo do laço. Está queimando como o inferno. – Me atrevi a levantar a cabeça minimamente. Ele estava com os olhos fechados, a expressão de sofrimento estampada no rosto. – Embora, se ela estivesse acordada, insistiria que estava bem. – Ele abriu os olhos. – Pedi que Cassian não te trouxesse.

— Eu sei – respondi e passei de leve meus dedos por entre os cabelos de Feyre.

— Por que está aqui então? – Rhysand não deixava nada transparecer na voz, mas eu sentia que ele estava a um passo de invadir a minha mente.

Eu o olhei diretamente nos olhos.

— Porque estava preocupada com a minha irmã mais nova – disse com firmeza.

Rhysand me olhou apenas por um momento.

— Se é por isso que está aqui, é bem-vinda para ficar o tempo que quiser. – O olhar dele se demorou em minha irmã. – Vou pedir uns relatórios para o Cassian. Volto mais tarde. – Ele voltou a olhar para mim. – Cuide dela.

Era uma ordem. Talvez a única ordem dele que eu ficasse feliz em obedecer. O Grão-Senhor saiu do quarto com as costas curvadas, como se se afastar da parceira fosse um esforço físico.

Cutuquei a barriga de Feyre para acordá-la, como fazia quando ela ainda era apenas um bebê. Ela piscou os olhos para mim lentamente, de um azul tão parecido com o meu, os mesmos olhos de nossa mãe. Mas enquanto os meus pareciam feitos de gelo, os dela pareciam a chama mais quente.

— Me desculpe – eu murmurei.

Ela franziu a testa e soltou um sorriso, achando graça.

— Não foi você que atirou a flecha.

— Não é por isso que estou me desculpando. – Eu parei. – Não que eu não sinta muito pelo que te aconteceu. Mas não estou dizendo somente por isso. – Ela me olhava sem entender. Eu suspirei. – Tenho sido uma irmã terrível.

— Tem mesmo – ela respondeu rapidamente.

Soltei uma risada pelo nariz.

— É justo. Mas eu não estava esperando que concordasse comigo tão rapidamente.

— Se eu não concordasse seria uma mentira. E não me lembro da última vez que menti para você, Nesta.

Apenas assenti. Era verdade.

Feyre soltou um resmungo de dor quando mudou de posição na cama e eu me deitei ao lado dela, nossos rostos frente a frente.

— Talvez você não saiba, Feyre – eu comecei. – Eu senti medo de você e nojo e raiva. Mas nunca, nunca, deixei de te amar. – Ela piscou e eu vi os olhos dela ficando mais brilhantes, lágrimas se acumulando nos cantos, como se fosse um reflexo dos meus. – Eu ainda te amo, do mesmo que amava quando você me perseguia pela casa com a chupeta na boca para me mostrar o desenho de uma flor que você tinha feito.

Minha voz estava embargada, mas eu segurava minhas lágrimas o máximo que conseguia.

— Você vive se colocando em perigo e isso me assusta tanto que eu não sei lidar com o sentimento. – Ergui minha mão e sequei uma lágrima que deslizava pelo nariz dela. – Tenho medo que você desapareça sempre que pisco. Transferi toda proteção e amor que tinha destinado a você para Elain, porque eu simplesmente não sabia o que fazer. E eu esperava... – engasguei, as lágrimas finalmente caindo. – Esperava, do meu jeito torto, que você percebesse que todo meu cuidado com a Elain era para você.

Feyre fungou e eu funguei em resposta, causando um sorriso nela.

— Eu senti como se você estivesse me renegando quando começou a tomar conta da casa. – Ela abriu a boca, mas a silenciei. – Fui burra, eu sei. Mas eu pensava que tivesse me afastado porque não queria que eu cuidasse mais de você.

Ela murmurou algo que soou como “idiota”, mas decidi ignorar.

— Eu cuido das pessoas que amo – continuei, como se ela nunca tivesse me interrompido. – Você permite que eu cuide de você?

Feyre me encarou, os olhos enormes e brilhantes.

— Está pedindo minha permissão? – ela perguntou, espantada.

— É minha Grã-Senhora – respondi simplesmente.

— Sou sua irmã!

— Tem razão. – Eu sorri e a abracei. – É minha irmãzinha. – Lhe dei um beijo na testa. Ela passou um braço em volta de mim. – Agora descanse.


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