Dez Anos escrita por The Queen Is Dead


Capítulo 1
Dez anos.


Notas iniciais do capítulo

Depois de muito tempo sem postar nada aqui, resolvi escrever essa história. Espero que comentem e gostem.



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Nathaniel está no carro, pensando.
   

Suas mãos estão úmidas. Suor. Ele chuta algum objeto no chão de seu carro, nervoso. Ele não sabe o que fazer. Ele pode voltar atrás, mas quando é que Nathaniel desiste de algo? E não disso. Se ele desistir, será como enfiar toda a sua honra no lixo. E ele está esperando por isso. Não consegue encontrar o motivo, mas sempre houve algo nele que...
     

Ele o vê. Está entrando no restaurante. Nathaniel o viu por fotos, mas... Como ele parece jovem. Mesmo depois de tantos anos, parece o mesmo. Agora já não tem a pele lisa, tudo bem, anos se passaram, mas os traços, o jeito que se veste... Ainda é o mesmo. O mesmo de dez anos atrás.
     

Nathaniel olha para as mãos e respira fundo. É a hora. Ele precisa resolver isso de uma vez, e então ir embora. Ele precisa saber a verdade. Ao seu lado, no banco de passageiro, um papel amarelado. O sol entra, pouco a pouco, em seu carro, e ele consegue enxergar as letras finas feitas por... Nathaniel balança a cabeça. Está atordoado. E com fome. Muita fome. Ele pega o papel e o enfia em um dos bolsos de sua calça de alta costura.
     

 — Eu preciso vê-lo... — diz em volta alta, e em um impulso, sai do carro.
   

Quando ele entra no restaurante, uma onda de nostalgia o invade. Nathaniel teve a certeza de que seria rápido cinco minutos antes, mas agora, por Deus, é tão difícil, ele só consegue pensar. Só consegue pensar nele. Nathaniel não consegue controlar. Seu coração está prestes a sair do peito.
       

 Na mesa, ele está com os braços cruzados. Seu olhar cinzento (único, dissimulado) está atento. O garçom serve algo, mas ele não o agradece e muito menos deixa de encará-lo. Nathaniel para de andar. Está com medo. Não medo dele, mas das sensações.
     

Ele sussurra algo de onde está. Nathaniel não consegue ouvir. Mas ele volta a andar, e está cada vez mais perto. Seus braços estão dormentes. Ele pode ouvir muito bem tudo o que está acontecendo no restaurante — o zumbido das outras pessoas, taças de vidro sendo arrastadas, o chefe de cozinha gritando alguém. Ele está ali, alguma parte.
             

— Nathaniel? — ele o chama. Talvez ele tenha o chamado minutos antes.
               

— Oi. Eu estou aqui.
           

Nathaniel se sente idiota. Está tremendo como um garotinho assustado.
               

— Sente-se, por favor.
        

Desde quando você é assim, tão educado?, Nathaniel quase o diz, mas morde a língua.
           

— Oi.
       

— Você já disse oi, Nathaniel. — Ele lança um sorriso de lado. O mesmo sorriso de dez anos atrás. — Como você está?
         

— Bem. E você?
       

— Estou bem. Com fome, na verdade. Você quer pedir algo? Bem, eu não gosto muito da comida daqui, mas...
         

— Você nunca gostou.
         

— É verdade. Eu admito.
       

Nathaniel então sorri. Não um sorriso aberto, mas um sorriso tímido. Ele percebe o olhar curioso do outro. Nathaniel não está usando roupa social, mas ainda sim parece arrumado demais para o local, é o que todos devem pensar — e o que ele deve estar pensando também.
           

— Eu não estou com fome — finalmente responde — Para ser sincero, eu não pretendo demorar. Eu volto para casa ainda hoje.
             

O outro lhe sorri mais um vez, mas fracamente.
             

— Sua irmã me disse que você está morando no Brasil. Quando ela me contou, eu não acreditei. O Brasil parece...
       

— Legal demais para mim? — Nathaniel o interrompe. As pessoas sempre se surpreendem. Ele não é o primeiro a fazer isso.
       

Dez anos. Dez anos se passaram. Dez anos em que Nathaniel mora no Brasil. Dez anos em que ele abriu mão de tudo para viver a maior aventura da sua vida. Dez anos em que recebeu a proposta que mudaria tudo. Dez anos em que viveu de tudo, intensamente.
           

— Não. Eu ia dizer quente demais para você.
           

— Quente?
           

— É. Você sempre adorou o frio.
       

 — Algumas coisas mudam... — Nathaniel é rápido, e o encara, procurando vestígios de alguma maldade em seu olhar e não é capaz de detectar nada. É incômodo. 
     

— Muita coisa mudou desde que você se foi, Nathaniel.
         

— Eu sei... Mas engraçado que... Você continua o mesmo. Com algumas rugas, mas continua o mesmo. O tempo não passou para você, Castiel.
         

Castiel de repente parece surpreso. Seus olhos se abrem e Nathaniel nota um sorriso se formando em seus lábios.
         

— Achei que nunca fosse dizer o meu nome em voz alta.
         

Dez anos.
         

Nathaniel agora sabe que dez anos passam rápido. Não sabia antes. Nos primeiro ano, o tempo se arrastou. Ele pensou muitas vezes em arrumar as malas e voltar, mas agora ele sabe que foi necessário mudar, respirar novos ares, se arriscar. Ele o vê, bem ali, olhando-o de volta, e só consegue pensar em como tudo parece igual. Não tudo, porque há algo de diferente em Castiel, mas ele ainda parece o cara de 20 anos de dez anos atrás. E isso está sendo perturbador.
       

— Não sinto raiva de você, Castiel. Eu... — respirou fundo — A Ambre me enviou isso — ele tira o papel amarelado do bolso e entrega a Castiel — Ela me disse que você me escreveu dias depois que eu fui embora.
     

Castiel não parece afetado. Ele concorda com a cabeça.
   

— Nunca tive coragem de enviar. Eu entreguei a Ambre porque eu tinha certeza que ela jogaria fora.
     

— Ela não jogou. Ela me enviou no mês passado com o seu endereço e telefone. Eu achei que fosse uma das suas armações, mas você confirmou, então...
       

— Você leu?
       

— Não.
       

Por um instante, todo o restaurante fica em silêncio. Nathaniel sabe que Castiel está desapontado — os olhos dele não mentem. Frente a frente, tudo o que Nathaniel deseja é ir embora. Dez anos. Dez anos se passaram desde que Felipe apareceu em sua vida. Dez anos desde que recebeu a proposta de ir para Brasil sem olhar para trás, de largar tudo. Dez anos desde que se despediu do Sweet Amoris e encarou Castiel pelo que imaginou ser a última vez. Dez anos em que, nos primeiros anos, esperou um telefonema. Uma única ligação. Dez anos em que ficou tentado a voltar. Dez anos em que abandonou tudo por ter sido ferido pela pessoa que mais amou na vida.

Dez anos.

Ele então sente as bochechas ficarem vermelhas. Agora não só suas mãos que estão úmidas — os seus olhos também. Ele se sente envergonhado, mas é frustrante. Tudo é frustrante. Esperou voltar ali e encontrá-lo diferente — danificado, destruído, fracassado. Mas Castiel continua o mesmo. O mesmo ar superior. A mesma arrogância no andar. Os mesmos olhos dissimulados. A mesma alma rebelde. Jovem. Castiel está igual, talvez com algo de diferente, mas Nathaniel consegue ver além da aparência dele, e ainda sente a essência indomável de dez anos atrás. Consegue ver que ele está bem. Consegue sentir que nada mudou.
         

E Nathaniel?
         

Nathaniel fracassou. Quando recebeu a carta, teve a brilhante (e tola) ideia de procurá-lo. De entregar a carta pessoalmente para prová-lo que a sua vida está seguindo e que aquela carta é só uma carta velha, sem importância. Nathaniel nunca a leu e ele consegue entender o motivo agora. Nathaniel não quis ler porque tem medo das sensações. Medo de sentir tudo o que sentiu dez anos atrás. Medo de se arrepender de ter ido embora. Medo de jogar as memórias de Felipe fora. Ele fracassou porque Castiel está ali com o mesmo sorriso, com os mesmos olhos cinzentos, esperando um deslize.

Um único deslize para tê-lo de volta. 
         

Nathaniel fracassou. Por dez anos.
         

— Foi por isso que eu não enviei. Não por medo de você saber o que eu sentia, mas por medo do que você faria quando soubesse. Eu tinha 20 anos e uma imaginação fértil. Achei que você não fosse aguentar tanto tempo. Eu fui egoísta. Eu fui medíocre. Eu fracassei com você, Nathaniel.
         

Eu fracassei com você, Nathaniel.
     

Tudo está em silêncio. Eles estão a sós, é o que imaginam. Castiel segura a folha amarelada e lê, baixinho:
         

— Oi. Eu não sei como começar isso, mas eu senti que devia te escrever. Eu acho que eu nunca vou te enviar isso. Não sei. Mas se isso chegar até você, bem, se você ler isso, por favor, volte imediamente...
     

"Quando você se foi, para ser sincero, eu não acreditei. Eu achei você fosse ficar aí por alguns dias, mas que não demoraria muito até se arrepender e voltar. Confesso que eu espero por uma ligação sua, todas as noites. Eu não consigo pensar em outra coisa. Tudo o que eu quero é te trazer de volta, eu juro. Mas como eu posso fazer isso? Eu destruí tudo. Eu fui egocêntrico. Mas eu não menti sobre ela. Eu nunca menti. Quando você chegou e me viu com ela, com a Debrah, eu não menti. Ela estava bêbadada, drogada, e eu a acolhi. Eu não menti. Porra, isso me consumiu muito, sabia? E quando te vi, te escutei, quando te ouvi dizer que tinha encontrado uma pessoa melhor... eu menti. Aí sim eu menti. Disse a mentira que arruinou a minha vida. Nós transamos, eu disse. Na verdade, eu gritei isso na sua cara. Eu fui estúpido. Eu fui imaturo. Eu estava com raiva, com raiva porque eu sabia que você merecia alguém melhor que eu. Então, eu menti. Naquele momento. Quando eu disse essas malditas palavras.
       

E você foi embora. Ele te propôs isso, não é? Quando eu o vi pela primeira vez, o Felipe, eu senti a semelhança entre vocês. Eu me senti um idiota, ameaçado. Foi insensato, mas foi o que eu senti. E agora eu sei que o que você viu nele. Você viu nele tudo o que procurou em mim e não encontrou. O Felipe te assumiu. O Felipe te fez viver. O Felipe te arrastou para longe de mim. E você o amou. E você o ama. Mas eu te amo também. Eu te amo muito antes de você perceber o que sentia por mim. Desde quando eu nem sabia o que era amor, enquanto Ambre chorava pela boneca que nós destruímos, enquanto você era a criança perfeita, e eu, uma criança sem futuro. Então, Nathaniel, você volta para mim se ler esta carta? Você ainda consegue acreditar em mim?
   

Nathaniel, se você ler isso, por favor, volte imediamente. Fazem 7 dias desde que você se foi. Fazem 7 dias desde que eu não durmo e não como, só penso em você. Fazem 7 dias desde que Ambre me contou que você e o Felipe decidiram se casar. Fazem 7 dias que eu entendi que você e sempre será o grande amor da minha vida.
       

Por favor, volte.
       

Com amor,
       

Castiel."
     

A agitação que Nathaniel sente neste momento é indescritível. Dez anos. Ele pensa em Felipe. Pensa que está deixando para trás tudo o que Felipe ensinou. Tudo o que eles viveram. Ele pensa em sua casa no Brasil, de frente a uma praia, crianças ao redor. Ele pensa em Ambre — ela tinha armado tudo. Ela enviou a carta para fazê-lo voltar. A maldita carta que Castiel segura com os dedos pálidos.
     

Ele quer tocá-lo, mas não pode. Não pode arruinar dez anos assim, tão fácil. Castiel está mentindo, a sua mente grita. Nathaniel confere se Castiel está prestes a rir, se ele está brincando com os seus sentimentos, se é alguma de suas brincadeiras maldosas. Mas os olhos de Castiel estão úmidos, como as suas mãos, como os seus minutos atrás. Castiel está com o rosto vermelho e mordendo os lábios, esperando uma resposta, uma reação melhor que a que está tendo.
     

O garçom serve algo na mesa, mas eles não param de se encarar. A barriga de Nathaniel está roncando, mas, puta merda, ele está prestes a ter um ataque de histeria. Ele não consegue pensar em dizer nada coerente. Os seus pensamentos estão confusos e o seu corpo está tremendo.
     

Então, Castiel quebra o silêncio:
     

— Eu te amo. Eu nunca deixei de te amar. — E uma parte de Nathaniel está alegre por saber disso, mas a outra está tremendo de medo. Está insegura. Felipe. Dez anos. — Mas eu sei o que você veio fazer aqui. Você veio me entregar a carta, não é? E agora você vai embora, mais uma vez. Eu quero muito te pedir para ficar, mas eu sei que você ama o Felipe e que você está bem com ele.
     

— Nós precisamos terminar isso, Castiel. Encerrar este assunto. — Nathaniel diz, mas agora não tem certeza se é isso o que quer.
     

— Eu sei. E obrigado por trazer a carta. — Castiel sorri, mas não está feliz — Nos últimos dez anos, só estive com pessoas por sexo, porque eu precisava de um ponto final verdadeiro, um em que você me dissesse que não me ama mais. Eu não podia me amar alguém sem ter a certeza disso.
   

— E agora você tem.
 

Nathaniel não quer ser grosseiro, mas não consegue evitar.
     

— Eu espero que você e o Felipe sejam felizes. Espero que ele continue te fazendo feliz. Você merece e ele também. 
     

Então Castiel se prepara para levantar. Está encerrado. Dez anos. Nathaniel o vê arrumar a jaqueta de couro preta que usa e bater em sua calça jeans. A estampa da camisa que deve ser de uma banda de banda de rock, é provável. Nathaniel o vê olhar para os lados, perdido, talvez envergonhado. Castiel ainda está com os olhos úmidos, com o nariz vermelho. Ele está desabando, bem ali, na frente de Nathaniel. Está indo embora.
     

Agora é a vez de Castiel ir.
     

Dez anos.
   

— O Felipe sofreu um acidente de carro dois anos atrás e não sobreviveu — Castiel encara Nathaniel, parece desistir de ir embora — Ficamos casados por três anos até ele perceber que eu não o amava. Eu o amei, mas era um amor diferente do que ele esperava. Era uma gratidão e uma amizade eterna. Ele se casou com outra pessoa e eles adotaram quatro lindas crianças. Nós formamos uma família depois disso. O George é o meu vizinho e eu sou padrinho das crianças. 

   

"Quando eu disse a você que o Felipe era melhor que você em tudo, eu disse apenas para te provocar, para causar em você a mesma dor que eu senti ao ver você com a Debrah. Eu vivi momentos incríveis com o Felipe. Ele me ensinou tudo o que eu sei e me ajudou quando eu mais precisei. Eu sempre vou amá-lo. Mas nunca como eu amei e como amo você.
   

Eu achei que se trouxesse essa carta, eu poderia te olhar nos olhos e dizer que acabou, que a nossa história terminou a dez anos atrás. Mas quando eu te vi chegar, e você não mudou nada Castiel, eu percebi que eu só estava procurando uma razão para te ver de novo. Eu não quis ceder a isso porque o Felipe me disse que se por algum acaso eu voltasse para você, eu teria que esquecer toda a gratidão que eu sentia por ele e viver com você o que eu devia ter vivido até agora, porque ele entendia o que eu sentia e que me apoiaria, ainda sim.
   

Quando eu te vi, foi exatamente o que senti. Senti que estava traindo as memórias do Felipe, voltando para uma pessoa que eu jurei esquecer, e eu não esqueci, mesmo estando com alguém que me ofereceu o mundo. E isso me matou por dentro por muitos anos até vê-lo feliz com outra pessoa.

Eu te amo, Castiel. Eu não consigo encerrar isso."
   

 

— Fica, Nathaniel. Por dez anos.
       

— Não, dez anos passam rápido demais.

 


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Notas finais do capítulo

:)



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