Munaqadh escrita por Lily


Capítulo 1
Guerra


Notas iniciais do capítulo

Depois de uma cacetada de tempo bicho, resolvi postar uma história.

Uma one, por que minha criatividade é muito instável para uma história contínua.

Quero saber o que acharam. :)



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Guerras são sempre difíceis. Quanto mais tempo passamos nelas, mais temos a certeza de que a dificuldade aumenta.

Vemos cenas que não queremos, que nos embrulham o estômago e constantemente nos questionamos se devemos estar ali, se tudo aquilo vale a pena, se o que levou aquela guerra acontecer é, de fato, algo moral e não apenas alguns velhos que não concordam entre eles e nos colocam lá para morrer.

Sou um soldado dos Estados Unidos, nasci no Japão, mas desde os dois anos de idade eu e meus pais moramos na América do Norte. Aos 18 anos me alistei ao exército dos EUA e participei em algumas situações críticas.

No primeiro ano como soldado, aos 19, estive no Afeganistão em 2009, no Iraque em 2010 , na Líbia em 2011, no Paquistão de 2012 a 2014, no Iémen de 2015 a 2016 e em 2017 estava na Síria tentando segurar um pouco a violência civil.

Estávamos em um pequeno vilarejo que fora destruído pelo ISIS, sob a desconfiança de que rebeldes poderiam estar se escondendo lá uma vez que havia sido evacuada toda a região. Era um local mais afastado dos grandes centros, predominavam algumas pequenas fazendas e sítios.

Enquanto Naruto, meu amigo de infância e parceiro de exército, investigava destroços de uma casa próxima, eu investigava outra casa. Nos comunicávamos via rádio. Era final de tarde e as temperaturas, sempre tão intensas durante o dia, diminuíam.

— Sabe, Sasuke... Estive pensando que quando isso tudo terminasse e pudéssemos ir para casa. Eu gostaria de visitar o Japão, saca? Conhecer a nossa terrinha. Gostaria que fosse antes do Natal... – Ouvi o estalo do rádio de que ele havia encerrado a mensagem.

— Hm... Eu tenho um pouco de vontade também.

— Nós passamos tanto tempo no país dos outros como estrangeiros que quando voltamos para casa essa sensação continua. – Completou.

— Eu entendo. Achou algo? – Questionei.

— Não vejo nada por aqui além de casas e vidas destruídas...

Ele sempre parecia meio chateado em ver os pertences perdidos de pessoas afetadas pela guerra. Sinceramente? Por mais apático que eu pareça ser, sempre era uma sensação estranha de que tudo estava errado. Principalmente quando envolvia crianças.

— Alguns caras me dizem que uma hora nos acostumamos com destruição e morte. Mas eu carrego um fuzil a quase dez anos e para mim é sempre uma droga. Você já acostumou, Sasuke? – Encerrou a comunicação.

— Não...

Eu estava no lado de fora de uma casa quase inteira, apenas a parede do que parecia ser a sala estava caída. Os móveis dentro, bastante simples estavam cheios de pó. Haviam muitas fotos nas paredes que eu tentei não olhar, sempre que eu olhava ficava me questionando se aquelas pessoas estariam vivas e seguras.

Até que eu ouvi o barulho de um cavalo. Já na minha costumeira postura de assalto, circundei a casa e tentei me comunicar com o Naruto o mais baixo que pude.

— Naruto... Tem alguém aqui. Vou investigar. – Encerrei o comunicado.

Pé por pé, fui até a parte traseira da casa e pude ver dois cavalos amarrados. Tinham bolsas penduradas neles, uma arma em um deles e garrafas de água. A porta de trás estava fechada. Me posicionei, aguçando os ouvidos para tentar ouvir algo. Naruto estava demorando e eu não poderia mais esperar, pois caso se tratasse de um rebelde seria ele ou eu.

Invadi a casa com um ponta pé na porta, passei rápido pela cozinha, pela sala da parede quebrada e entrei no quarto em um só movimento. A cena que eu vi foi a de uma criança sentada encostada na parede enquanto segurava um pequeno urso de pelúcia bastante surrado e sujo, ela chorava.

Mais rápido do que eu pude perceber, um vulto passou por mim e tomou a forma de uma mulher de curiosos cabelos cor de rosa que se posicionou em frente a criança. Aqueles olhos tinham uma determinação quase palpável, era uma determinação tão forte que mesmo ela não estando, aparentemente, armada eu vacilei.

Estava aí diante de mim, uma das decisões difíceis de quando se é um soldado. Uma mulher e uma criança. Matar ou não matar? Rebeldes que irão fugir e me matar hoje ou amanhã ou apenas refugiados? Quando se está na guerra, com a sua vida em jogo, não existe diálogo ou questionamento. Existem instintos de sobrevivência e intuição. Sempre 50% de chance dar merda e 50% de ficar tudo bem e você salvar algumas vidas inocentes para dormir melhor a noite.

Resolvi abaixar minha arma e vi, mesmo que pouco, ela relaxar a musculatura dos ombros, indicando que ela entendeu aquilo como um tratado de paz entre nós e que eu não a machucaria.

Naruto entrou no quarto como um trovão, ele tinha esse hábito. Alguns caras diziam que ele era o Trovão Dourado, uma alusão ao apelido do seu pai que era Relâmpago Dourado, o Major mais foda do exército.

Eu vi a garota ficar tensa na mesma velocidade em que o Naruto entrou. Rapidamente estendi minha mão na frente do babaca do meu lado, silenciosamente avisando que estava tudo bem. Naruto era um cara não muito esperto, nem muito inteligente e bastante impulsivo, mas eu o confiava minha vida de olhos fechados. Ele entendeu e pareceu relaxar, assim como abaixar o fuzil quando percebeu que era uma mulher e uma criança.

Vejam bem... Não que em uma guerra possamos confiar em mulheres e crianças, são tão ou mais perigosos que os homens, pois baixamos a guarda perto deles já que não esperamos que façam nada. Eu tenho uma cicatriz de um tiro que tomei de um moleque que deveria ter uns 12 anos na época por que vacilei perto dele. Ela poderia ter me dado um tiro pelas costas e conseguiria escapar antes do Naruto chegar, mas a primeira reação dela foi se jogar na frente daquela criança. Estaria tudo bem naquele momento, se não fossem aqueles olhos verdes ardendo de algo que eu não soube identificar no primeiro momento, mas soube depois que se tratava de justiça.

— Não vamos te machucar. Você é uma refugiada? – Naruto falou em inglês, já que a mulher tinha a aparência de uma ocidental, com traços leves de asiáticos.

— Eu só quero ir embora, estávamos apenas procurando um lugar para passar a noite. Nos deixem ir!

Ela não estava calma e soava um pouco hostil, mas na situação dela quem não estaria?

— Você pode ir. – E puxei o Naruto do caminho, abrindo espaço na porta.

— Como vou saber que não vão atirar em mim pelas costas enquanto eu estiver indo? – Ela me observava desconfiada.

— Mas que porra... – Interrompi o Naruto que começava a ficar nervoso. Ele e seu grande defeito de ficar puto quando duvidavam dele.

— Você só tem uma escolha. – Concluí.

— Qual? – Ela perguntou.

— Acreditar no que falamos.

Demorou um pouco para ela se mover, os olhos dela brilhavam mesmo na baixa luminosidade do quarto. Ela levantou, sem nunca tirar a criança da proteção das suas costas e passou por nós, passo por passo nos encarando.

Assim que saiu do nosso campo de visão na sala, ouvimos passos dela correndo pela cozinha e seguimos, não muito rápido para não que não ficasse assustada. Então como um flash, lembrei da arma no cavalo. Olhei rápido para o Naruto.

— Eu descarreguei a arma. – Me entregando o punhado de munição.

Ela colocou a criança em um dos cavalos a prendendo e dando um tapa nas ancas do animal quando constatou que estava tudo bem.

Assim que se dirigiu ao outro cavalo, pegou a arma para a conferir e nos olhou irritada.

— Onde estão? – Sacudiu a arma indicando que se referia a munição. Percebi Naruto retesar no lugar com o movimento das mãos dela balançando a arma. Força do hábito por estar sempre em perigo.

— Estão comigo, por precaução.

— Eu não tenho dinheiro para comprar mais, preciso das balas de volta. – Parecia aflita.

— Devolvo, mas desde que você só recarregue quando estiver longe. – Sentenciei.

Ela parecia derrotada, mas anuiu. Devolvi e ela colocou a munição na bolsa, montou no cavalo e antes de partir me olhou longamente, de novo.

— Qual seu nome? – Perguntei.

— Não interessa, já que não nos encontraremos novamente.

Mesmo declarando aquilo, ela não partiu.

— Mas qual o seu nome? – Perguntou e eu tive vontade de rir.

— Primeiro-tenente Uchiha.

— Eu sou o primeiro-tenente Uzumaki, caso se interesse.

Ela olhou para o Naruto e percebi uma fagulha de divertimento.

— Obrigada.

Com um grito, tocou o cavalo e ganhou distância em uma estrada de terra que fazia uma curva contornando um pequeno barranco. A perdi de vista rapidamente.

— Essa mulher é faca na bota, rapaz. Eu queria uma dessas pra mim. – Naruto comentou.

Eu continuei, por vários segundos olhando a estrada por onde ela partiu.

— Vamos embora, já está tarde e estou com fome.

Voltamos para o acampamento, tomei um banho nas condições oferecidas, comi e fui caminhar pelo acampamento. Naruto estava sentado perto do fogareiro com um palito de dente no canto da boca e limpando sua arma.

— Você vai deixar gasto o metal de tanto que limpa.

— Preciso cuidar bem do que salva minha vida todos os dias. – Então me olhou, achando graça e esperando minha reação.

— Eu deveria deixar que você tome um tiro no rabo... Eu deveria te dar um tiro no rabo.

Ele riu. Naruto era filho de pais asiáticos também, mas nunca esteve no Japão. Ele nasceu nos EUA mesmo. Era meu melhor amigo desde que posso me lembrar e nossos pais se davam muito bem. Nossas mães se conheceram durante o ensino médio e depois que se formou, a mãe do Naruto foi embora para a América, mas nunca perderam o contato. Então um dia meus pais foram também.

Nos vimos crescer, perder os dentes, o Naruto quebrar o dedo do pé no futebol e eu quebrar um braço no taekwondo. Superamos nossas desilusões amorosas bebendo juntos. Nos alistamos juntos e crescemos dentro do exército juntos. Eu não seria o cara que sou hoje se não fosse o idiota cabeça de ovo do Naruto.

Conversamos um pouco e fomos dormir. Acordamos no meio da madrugada com um comunicado de um atentado na cidade vizinha. Rapidamente nos vestimos e fomos com alguns outros soldados lá.

Estava tudo uma bagunça. Muitos sons de tiros. Como sempre, éramos Naruto e eu. Foram divididas as equipes e todos se separaram em busca dos rebeldes. O capitão então gritou:

— Eles ainda estão aqui, vocês têm permissão de atirar para matar!

Nos afastamos e fomos vasculhar os prédios menores.

— Esse filho da puta fica na segurança, ele não atira para matar ninguém mesmo. – Naruto reclamava para mim. – Eu quero salvar as pessoas, porra. Não matar elas.

— Algumas vezes são eles ou nós. Não podemos salvar todos...

— Um dia eu vou sentar minha bunda naquela cadeira da ONU e liderar o mundo, vai ta proibido fazer guerra. Tenho dito! – Eu sorri atrás da máscara.

Não existe ninguém como ele.

Mas estava tudo silencioso demais, os barulhos pipocavam longe, mas o prédio em que entramos estava silencioso e deserto. Nem barulho de ratos e insetos.

— Isso aqui ta muito estranho... – Comentou o Capitão Óbvio.

Em uma fração de segundo, dezenas de armas estavam apontadas para nós. Não eram armas sofisticadas como as dos rebeldes, eram armas simples, pistolas, alguns empunhavam barras de ferro. Pareciam estar fugindo da guerra.

Soltei o fuzil que permaneceu comigo devido a bandoleira e levantei as mãos. Pela visão periférica percebi que Naruto fez o mesmo.

Novamente, numa atitude imprudente e ingênua, lá estava ela. Com seu cabelo cor de rosa, era a única coisa que eu podia ver já que ela estava na nossa frente agora, de costas para nós, os braços esticados nos protegendo.

Ouvi que ela gritou algo em árabe, como eu não falava o idioma não entendi. Então todos começaram a correr para o fundo do prédio, fugindo. Ela virou rapidamente e disse:

— Duas vidas por duas vidas. Estamos quites.

Correu para onde o grupo havia ido. Mais adiante ela virou e gritou:

— São só pessoas tentando sobreviver, tenente. Deixe que sobrevivam.

Entendi a mensagem. Não iria contar a ninguém sobre aquilo.

Sem que eu percebesse, os sons de tiro cessaram e voltamos em silêncio para perto do resto da tropa. Naruto e eu nos olhávamos cúmplices vez ou outra quando nos questionavam se havíamos visto alguém. Respondíamos que não.

Quando terminou, estava tudo destruído, muitas pessoas gritando, poeira, fumaça. Alguns civis passavam por nós chorando e ensanguentados. Eu não gostava dessas situações...

Vasculhamos os escombros atrás de sobreviventes, mas muitos haviam morrido. Eu me sentia enormemente frustrado sempre que levantava uma pedra ou um bloco de concreto e só encontrava corpos sem vida. Homens, mulheres, idosos e crianças.

Então eu ouvi o grito do Naruto e corri tão rápido quanto pude. Ele estava agachado e eu não podia enxergar o que ele via já que cobria minha visão, mas assim que ele virou o rosto em completo desespero na minha direção senti um arrepio tão fodido por todo meu corpo que desejei não estar ali.

— Sasuke... – Ele soluçou.

Percebi que choraria. Caminhei contando os passos, eu não queria ver, mas precisava estar lá por ele.

Quando me aproximei, embaixo dos escombros só pude ver o braço infantil esticado e a mão firmemente agarrada a um ursinho de pelúcia. Era a garotinha de ontem. Eu reconheci pelo ursinho. Eu realmente desejei não estar ali.

— Naruto, ela ta viva? – Vacilei.

— Não. – Ele enxugava as lágrimas com as luvas misturando com a sujeira e marcando a pele do rosto com rastros escurecidos.

Eu senti, como uma onda, o jantar de ontem voltando e vomitei tudo. Vomitei meu jantar, minhas frustrações, minha raiva, minha mágoa. Eu tentei me livrar de tudo aquilo, mas não me sentia melhor.

Tio Minato surgiu.

— Ta tudo bem por aqui?

— Não. Uma criança que salvamos ontem na missão de reconhecimento está morta sob nossos pés.

— A morte de uma criança é sempre muito difícil. – Tio Minato parecia triste por nós.

— Pai, o que estamos fazendo aqui? Por qual caralho de motivo isso tudo ta acontecendo? Você acha justo? Acha certo num dia salvar uma criança e no outro tirar os pedaços dela debaixo das pedras? Por que eu não acho. Eu acho isso tudo uma grande merda! – Ele gritava a plenos pulmões balançando as mãos e gesticulando muito.

— Naruto, faz meses que vocês estão aqui já. Sob tensão constante. Eu entendo que você esteja estressado...

— Não importa, pai! Eu sou um soldado de merda a oito fodendos anos e eu continuo sempre odiando ver pessoas morrerem. Pessoas que eu salvei morrerem! Nós estamos aqui para salvar ou para matar, afinal? – Ele batia o dedo indicador no peito do próprio pai.

Eu bebia a água que Minato havia me entregue. Tentava me recompor. Normalmente eu conteria o ataque histérico do Naruto, mas nesse momento eu me sentia da mesma forma que ele então eu deixei que desabafasse tudo o que eu não sabia colocar para fora.

O tio respirou fundo e deixou os ombros caírem.

— Você tem que decidir se quer continuar nisso. Eu não vou mentir, nunca melhora até que acabe. Na verdade, a cada ano parece ficar pior. Quando você nasceu eu precisei ser afastado, não para ficar com você, mas por ter constantes ataques de pânico ao ver corpos de crianças e pensar que poderia ser você ali. Não existe ninguém nesse mundo que tenha um caráter mais fantástico que o seu, eu vou entender se quiser ir embora ou somente tirar uma licença.

O babaca tirou o capacete e jogou com força no chão. Passava as mãos pelo cabelo de forma nervosa e ficava andando de um lado para o outro como um leão enjaulado. Até que pareceu se acalmar e sentou em uma pedra.

— Se eu for, você vai ficar bem? – Ele me questionou preocupado.

— Eu acho que... Também preciso de um tempo disso tudo.

Ele se tranquilizou. Ficou acordado que voltaríamos em dois meses, Minato nos afastou alegando estresse extremo. Assim que pousamos no aeroporto de Boston, pegamos um táxi e fomos no Burger King. Um hambúrguer no melhor estilo americano, cheio de colesterol para as boas-vindas.

Comemos em silêncio, acho que precisávamos organizar cada um a sua própria mente. Pagamos a conta e fomos para casa, na Allston St onde morávamos, a casa do idiota era de um lado da esquina e a minha do outro.

A semana que se passou foi bastante tranquila. Deixei que minha mãe me enchesse de mimos, meu irmão veio de Nova York passar o natal conosco, meu pai estava contente que a empresa estava dando certo. Tudo andando bem, quando em um cochilo a tarde, sonhei com a garota dos olhos verdes. No sonho ela estava em um lugar amplo e bem iluminado, com muitas coisas escritas em japonês nas paredes.

Remoí aquele sonho, tentando buscar na memória onde pudesse ser. Nada me vinha em mente. Começava a ficar irritado quando liguei meu notebook para me distrair. Uma notícia e uma foto me chamaram atenção.

“Rapper americano desembarca em Tóquio.”

E com um sino tilintando na minha cabeça eu deduzi que o lugar do sonho era o aeroporto de Tóquio. Depois disso, foi tudo muito rápido. Convenci Naruto a me acompanhar até o Japão, com o pretexto de conhecer nossa terra natal. Desembarcamos em Tóquio no dia de ano novo, em 2018. Por quatro dias comemos muito, caminhamos muito e eu prestava atenção em todas as pessoas que passavam por mim. Tinham mais pessoas de cabelo rosa naquele lugar do que eu esperava, mas nenhum par de olhos verdes.

Até que tudo aconteceu. No meio da noite, entre meia noite e uma do dia 5 de janeiro, um terremoto abalou tudo. Naruto e eu, que devido a guerra, temos sono bastante leve acordamos assim que os tremores iniciaram e corremos para evacuar o prédio do hotel. Alguns já estavam nos corredores e gritamos para que todos descessem para o porão, que era mais seguro. Os tremores duraram cerca de trinta minutos e destruíram bastante coisas. Como todo Japão, a ordem era que evacuassem os prédios e fossem para lugares planos, como escolas e ginásios, até que os bombeiros avaliassem tudo e determinassem que não havia risco de desabamentos.

Nos apresentamos como das forças armadas e fomos bem recebidos pelas equipes de resgate. Passamos a madrugada toda resgatando pessoas, dessa vez sem o risco de tomar um tiro na cabeça. Não precisaríamos matar, apenas salvar. Por pior que a situação estivesse, eu estava contente.

— Finalmente podemos salvar, Sasuke. Não temos que escolher quem vive e quem morre na mira do nosso fuzil. – Naruto sorria enquanto ajudávamos os enfermeiros a colocar uma senhora dentro da ambulância.

Pela manhã, nós que participávamos da primeira equipe de resgate, fomos levados ao ginásio de uma escola para descansarmos já que havíamos sido convocados para o turno da noite. Mesmo assim eu ajudava como era possível, pois entendia um pouco de japonês. Naruto só me seguia. Ajudamos na distribuição de alimentos e produtos de higiene. Auxiliei algumas pessoas que tinham dificuldade em se locomover e quando parei para descansar e beber um pouco de água, a enxerguei. Com um jaleco branco e os cabelos presos de qualquer jeito. Tinha várias crianças ao redor dela que ela olhava atentamente. Sentia que a qualquer momento meus olhos saltariam do meu rosto.

Depois de algum tempo, ela me viu. No primeiro instante achei que correria, parecia muito assustada até que decidiu caminhar até onde eu estava. Eu tinha me sentado em uma mesa escolar e bebia água. Ela parou de braços cruzados olhando ao redor e fixou os olhos em mim.

— O que faz aqui?

— Ganhei uma licença e resolvi visitar meu país de origem. – Falei calmo e coloquei a garrafa do lado do meu quadril na mesa.

— Achei que pudesse estar assustando mulheres indefesas. – Sorriu.

Maldita seja essa desgraça dessa mulher porque eu não consegui segurar e sorri de volta.

— Você é professora ou algo assim?

Ela riu com a garganta.

— Eu sou médica, senhor Uchiha.

Eu fiquei surpreso.

— O que você estava...

— Missão de paz. Eu não sou médica por prestígio ou dinheiro, eu sou médica para salvar vidas. – Colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha de um jeito incrivelmente gracioso. – Eu sou médica pediatra. Eu salvo crianças.

— Mesmo que corra o risco de tomar um tiro?

— Mesmo. – Ela sorriu gentil.

O momento estava bastante descontraído, até que lembrei da cena. O braço esticado e a pequena mãozinha segurando o urso de pelúcia.

— Sobre aquela menininha... – Eu comecei olhando para o chão.

— Eu sei... Eu vi você partindo com sua tropa após a remoção dos sobreviventes dos escombros. Eu vi que você a encontrou. - Os olhos estavam marejados.

— Sinto muito por isso. Chegamos tarde.

— Eu também sinto. – Ela olhou novamente ao redor um pouco triste, como se esperasse que alguém precisasse dela. – A propósito... Meu nome é Sakura. Sakura Haruno.

— Meu nome é Sasuke, Sasuke Uchiha.

Ao longe um grupo acenava para ela a chamando.

— Preciso ir. – Deu alguns passos caminhando de costas, enquanto sorria. – Muito obrigada, Uchiha.

Foram dias tensos, mas extremamente gratificantes. Avisei meus pais de que eu estava bem, Naruto avisou os dele. Tio Minato ficou muito orgulhoso de estarmos ajudando.

Durante uma semana, até liberarem o aeroporto, auxiliei a Sakura com as crianças. Já que, aparentemente, mesmo com minha cara de poucos amigos, elas gostavam de mim.

A senhora imprudente, pareceu se afeiçoar a mim também. Sempre muito gentil e sorridente, trazia comidas e bebidas. Nunca tentei nada, a situação não parecia propícia. Estávamos ali com um único propósito, ajudar e isso me bastava.

Nos tornamos, os três, ótimos amigos mesmo que Naruto pouco ficasse conosco, já que parecia fazer bastante sucesso entre as senhoras de mais idade. O que eu, obviamente, usava contra ele sempre que podia. Tínhamos uma sinergia muito forte, um trabalho de equipe intrínseco.

Nossa viagem acabou mais rápido do que esperávamos, não foi como queríamos, mas nos descobrimos e descobrimos o que gostamos de fazer. Nós dois, mesmo sem palavras, combinamos que faríamos missões de paz, assim como a Sakura.

Ela foi conosco até o aeroporto se despedir.

— Eu vou sentir saudade de vocês dois.

— Eu também vou, Sakurinha. – Naruto falou jogando uma mochila por cima do ombro.

— Cuidem-se, alimentem-se bem e nos vemos em um mês.

Nós voltaríamos para a Síria, mas em uma equipe de médicos. Faríamos a proteção do grupo do qual Sakura fazia parte.

— Até daqui um mês, então. – Falei.

Ela deu um abraço apertado no Naruto e um beijo no meu rosto.

Viramos e caminhamos para o avião. Até que eu ouvi o Naruto estalar a língua em desagrado e falar resmungando.

— Eu disse que eu que queria uma dessas e ela ficou com você...

Eu sorri com a hipótese.

Nós faríamos o que nascemos para fazer. Eu, Naruto e Sakura... Salvaremos todas as pessoas que pudermos!


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Notas finais do capítulo

* Munaqadh é "salvador" em árabe.
* Mulher faca na bota é uma gíria gaúcha pra uma mulher determinada e forte, porreta mesmo

Aguardo comentários.