Antes do nascer do sol. escrita por calivillas


Capítulo 7
João — um chamado do passado




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Nova York, abril de 2018.

— Hey, Johnny! Você não quer ir tomar algo conosco, antes de ir para casa? Afinal é sexta-feira.

— Obrigado, Susan, mas, hoje não, quero ir para cama cedo.

— Ah, que pena! — a garota responde, visivelmente chateada.

Mas, realmente, eu não estava com muita vontade de beber demais, de conversas banais e joguinhos de sedução, não pretendia me envolver com mais ninguém, principalmente, não com uma colega de trabalho, sabia como uma situação dessas poderia me trazer complicações, e eu só queria um pouco de paz na minha vida, sem grandes conturbações, não depois de tudo que passei.

O frio intenso do inverno já se foi, mas a primavera era bastante fresca e uma fina e incomoda chuva caía incessante, sendo assim, sabia que seria quase impossível conseguir um táxi em Manhattan e, se ocorresse um milagre ficaria muito tempo preso em um daqueles terríveis engarrafamentos, por isso, resolvi ir andando para casa, levantei a gola do casaco, para me proteger um pouco mais e comecei a caminhar, meu apartamento que ficava a umas 6 quadras dali. Gosto de andar pela cidade, observar sua gente, sua vida, suas paredes imensas de concretos e vidro, porém, hoje, caminho bem rápido, envolto pela fina chuva, deixando tudo lamacento e cinzento, e pelos sons das buzinas insistentes, me desvencilho de pedestres apressados e mau humorados.

Por fim, cheguei a paz do meu apartamento conjugado, quarto e sala e uma minúscula cozinha, mas estava tudo bem, já me bastava, pois os alugueis na ilha eram estratosféricos. Tirei o casaco e os sapatos, coloquei tudo para secar, queria apenas um banho, mas antes, pedi o jantar do restaurante indiano da esquina. Teria uma noite de sossego, tomando uma cerveja e assistindo um jogo de basquete na TV, antes de dormir.

A partida terminou e eu ainda estava sem sono, comecei a mudar de canal, na esperança de encontrar algo interessante, mas nada. Meu telefone tocou, vi o nome na tela, tive vontade de recusar, porém, não sei se por hábito ou por burrice, atendi.

— Johnny? — Escutei a voz chorosa, quase infantil, do outro lado.

— O que foi Sofie? — respondo, sem paciência.

— Eu preciso de ajuda.

— Não me venha com essa, outra vez. Você não me engana mais, não vou cair nessa e sair correndo para resolver as suas encrencas.

— Por favor, me ajude, eu não sei mais o que fazer — ela implora e chora, como sempre acontece, balanço, me preocupo se acontecer algo de muito ruim, que se machuque ainda mais.

— Sofie, não posso ser sempre o seu salvador, não temos mais nada.

— Eu só tenho você, Johnny, mais ninguém.

Solto o ar com força, passo a mão pela testa, estou dividido.

— Está bem! Onde você está? Qual é endereço? Eu vou aí pegá-la.

Sofie me dá o endereço de uma maneira confusa, explica como é a portaria e a rua, sei que é um lugar meio barra pesada em uma área pouco segura da cidade, nem imagino o que estaria fazendo lá, contudo ela deve estar correndo risco, sempre está por um fio.

Coloco meu tênis e um casaco quente está muito frio lá fora, a essa hora da noite. Torço para consegui um táxi rapidamente, é sexta-feira e, apesar da chuva, parece que toda cidade está na rua. Por fim, consigo um carro e chego ao meu distante destino, um prédio decrepito e escuro, onde moram principalmente imigrantes ilegais e trabalhadores braçais, em pequenos apartamentos, como uma imensa colmeia. Subo com cautela, há alguns rapazes sentados nos degraus da entrada, fumando e ouvindo música alta, que me fitam desconfiados, quando entro direto pela portaria, subo os cinco andares pelas escadas, não tenho coragem de usar o velho e malconservado elevador, os corredores são estreitos e escuros, cheiram a sujeira e a urina, tem as paredes pichadas e lixo acumulado nos cantos, por trás das paredes finas, ouço a vida do lugar, crianças chorando, casais brigando, TV com som alto. Paro na frente da porta do apartamento 52B, a campainha não funciona, então, eu bato, sem resposta.

— Sofie! Sofie! É Johnny!

Estou quase desistindo, morrendo de raiva por ela me fazer vir até aqui por nada, então a porta se abre em uma fresta, vejo a meia face dela, na penumbra.

— Sofie — minha voz é mais branda, ela não parece acreditar que estou ali, até que escancara a porta e pula no meu pescoço. Tão pequena, tão leve, a envolvo em um abraço, querendo acalmá-la, porque está chorando.

— Você veio! Você veio! — repete, soluçando.

— O que houve?

— Paul me deixou. Ele foi embora

— Ele já fez isso antes, infelizmente, ele vai voltar — falo, enquanto a levo para dentro e fecho a porta.

O apartamento minúsculo está escuro, tateio a parede procurando pelo interruptor, acendo a luz e fico chocado com a cena que se ilumina na minha frente, é o caos, roupas sujas espalhadas sobre o colchão sem cobertura, caixas de entrega de comidas e garrafas de bebida vazias jogadas pelo chão, o lugar cheira a podridão, sinto o curry do meu jantar chegar a minha garganta.

— O que é isso, Sofie? Que lugar é esse? — Estou pasmo, com tamanha degradação.

— É a casa de um amigo, ele me deixou ficar aqui, quando Paul me pôs para fora, disse que eu só atrapalho a vida dela — ela se lamenta, fechando o casaco, está frio ali, a calefação não funciona.

Foi quando olhei direto para ela, pela primeira vez desde que cheguei, está tão magra, a pele sem viço, os cabelos louros cortados curtos maltratados, círculos escuros sob os olhos.

— Você bebeu? E o que é isso? — Coloco a mão no seu queixo e ergo o rosto dela para ver melhor, o seu lábio inferior inchado e cortado. — Ele bateu em você? — pergunto, indignado.

— Não! — Sofie se livra da minha mão e tenta esconder o rosto — Eu caí, bati com a boca no chão.

— Você está mentindo, esse tal Paul bateu em você. Por que fica defendendo esse cretino? — falo, em um tom mais alto.

— Não fale assim. Ele me ama, só estamos passando por uma crise. Como qualquer casal. Sabe, ele está vivendo um momento difícil, sem emprego, sem dinheiro — Ela se encolhe ainda mais diante de mim. Há anos é a mesma história.

— Então, o que estou fazendo aqui, Sofie? Por que me chamou?

— Porque estava me sentindo tão sozinha.

— Só isso.

— Não, preciso de você, eu preciso de um amigo, Johnny.

— Por quê? Para voltar para o Paul logo depois?

— Não, Johnny. Eu não vou fazer mais isso — ela nega, sacudindo a cabeça, com se eu tivesse falando um absurdo.

Solto um grande suspiro, não tenho argumentos, sei que nada que eu fale vai mudar essa história.

— Você comeu alguma coisa?

— Não.

— Quanto foi a última vez que você comeu algo decente?

Ela passa a mão nos cabelos curtos e descolorido, com o olhar insano.

— Eu...eu não me lembro.

— Vamos para a minha casa. Deixa eu cuidar de você. Pode tomar um banho, comer algo quente, dormir um pouco, parece que não dorme há dias.

— Mas se Paul vier me procurar aqui? — quis saber de um modo inocente, tive que me segurar para não explodir e sair dali, batendo a porta.

— Sofie, pegue suas coisas e vamos sair daqui — Eu estava bem receoso que o dono daquela pocilga voltasse e criasse algum tipo de encrenca.

Ela me encarou com os olhos baços e perdidos, mas me obedeceu, eu a ajudei a juntar os seus poucos pertences, atirando dentro da pequena sacola de viagem, sem muito cuidado.

— Cadê o seu casaco?  — Sofia pegou um casaco verde garrafa comprido pendurado perto da porta e eu a ajudei a vesti-lo. — Vamos!

Segurando a pequena bagagem, abri a porta a deixei sair, peguei na sua mão e quase a puxando pelo corredor e escada abaixo até chegar à rua, com um certo alívio, os rapazes ainda continuavam no mesmo lugar e nos olharam com estranheza, enquanto arrastava Sofie para longe dali. No entanto, precisávamos sair daquele lugar, o mais rápido possível, caminhamos pelas calçadas, na tentativa de encontrar um táxi. Só conseguimos muitas quadras além, quando, finalmente, um carro vazio passou por nós e parou ao meu sinal, aí então pude relaxar completamente.

Sofie colocou a cabeça no meu ombro e segurou a minha mão, ficamos ali em silêncio até a minha casa.

— Está com fome, tenho um pouco de comida indiana na geladeira? — Ofereço, enquanto ela tira o casaco, olhando em volta.

No ambiente mais iluminado, ela parece mais frágil e abatida.

— Sim, obrigada — ela sacode a cabeça confirmando, sentando-se encolhida no sofá.

Penso em lhe oferecer uma cerveja, mas não achei apropriado. Esquento a comida no micro-onda, o cheiro de cardamomo impregna o meu apartamento, lhe entrego o prato e ela come com sofreguidão dos famintos.

— Quer tomar um banho?

— Obrigada.

Eu lhe entrego uma toalha limpa, mostrou-lhe o banheiro e vou cuidar da pouca louça suja, sento no sofá e tento ver TV, fingindo que é muito natural, Sofie estar na minha casa e de volta a minha vida. Então percebo que ela está demorando demais, vou até ao banheiro, mas não a encontro. No meu apartamento minúsculo não tem muito opção, e quando chego no quarto, vejo que Sofie está dormindo na minha cama, usando uma das minhas camisetas, eu a cubro melhor, arrumo o travesseiro e a observo, parece tão indefesa e bonita, quase a mulher por quem fui tão apaixonado. Pego a toalha molhada em cima da cama, apago a luz e fecho a porta.


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