Antes do nascer do sol. escrita por calivillas


Capítulo 16
Lídia - Elas não me entendem.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/765873/chapter/16

— Pois, eu acredito no amor, pelo menos, acreditava, só não era tão romântica quanto vocês duas. Depois do acidente, achava que foi um milagre estar viva e inteira, que era uma nova chance para reconstruir a minha vida e tentar ser feliz — eu revelo, corajosamente.

— E você não conseguiu o que queria, Lídia? — Teresa fala, eu não gosto do tom irônico dela.

— Sim, de certo modo, mas você não imagina como é manter essa imagem, como tenho que me esforçar para parecer assim — Dou um suspiro, e tomo um longo gole de vinho, percebo seus olhares incrédulos, o sorriso sarcástico de Teresa, sei que elas não me entenderiam.

— Não pode ser tão ruim assim. Olhe para você, suas roupas, seu corpo, seus cabelos são perfeitos! — Mariana rebate, sei que o vinho soltou sua língua.

Eu a encaro por um breve instante, reparo nas suas roupas sem graças, no seu ar de cansando.

— Sim, e o que adianta tudo isso, se meu marido não transa mais comigo, se prefere as piranhas dele — revelo corajosamente e viro a taça de vinho até o final, pego a garrafa e derramo as últimas gotas no copo, sem me importar com a opinião delas. — Acabou! Você tem mais, Mari? — Sacudo a garrafa para ela, Mariana me olha, indecisa.

— Talvez — Por fim, levanta e vai até a cozinha.

— Como você pode ter tanta certeza que seu marido a trai, Lídia? — Teresa parecia muito interessada na minha ruína.

— Como? Ele não me toca há meses, chega em casa tarde, quase todo dia, cheirando a perfume barato. Eu tento chamar a atenção dele, academias, roupas, cabelos, mas ele nem nota — Tenho que lutar com as lágrimas, não quero parecer piegas. Felizmente, Mariana volta com uma outra garrafa na mão, já aberta.

— Esse não é tão bom — ela se desculpa.

— Não importa — Tiro da mão dela e encho meu copo. — A bebida me ajuda a relaxar.

—Você já tentou conversar com seu marido – Mariana pondera, dou uma risada irônica.

— Vocês não conhecem Jonathas, ele faz o que quer. Sempre foi assim, desde o começo, quando eu me casei com 19 anos, ele tinha 35, já era um empresário bem-sucedido, sabia que ele me daria tudo, segurança, dinheiro, sem ilusões românticas, tivemos dois filhos lindos, moramos em uma casa maravilhosa. No entanto, com o tempo percebi, que ele não queria uma mulher, uma amante, uma companheira, e sim, uma esposa para exibir por aí. Assim, eu me acomodei, era mais fácil.

— Você está bebendo demais, Lídia — Mariana observa, com tom sério, não dei ouvidos e viro a taça.

— Acho que foi por isso que queria me reencontrar com Joaquim, pode ser puro egoísmo, mas ansiava relembrar do momento que me sentia amada de verdade.

— Éramos só adolescentes, com todos os sentimentos à flor da pele, achando que sabíamos de tudo e nos julgando imortais, que o relógio não corria contra nós — Teresa reflete, de maneira triste.

— Você não vai encontrar mesmo Joaquim, vai? Aquele garoto gentil que a amou, não existe mais, só há um homem amargo e desesperançoso, remoído pela culpa da morte do amigo — Mariana reitera.

— Então, somos almas gêmeas, quem sabe, poderemos vagar pelo mundo, juntos, como assombrações.

— E os seus filhos? — Mariana pergunta, preocupada.

— Eu amo muito os meus filhos, só que não basta, pois daqui a alguns anos, eles partirão e eu estarei sozinha.

— Todas nós estaremos sozinhas, no final — completou Teresa, de modo sombrio.

— Estamos sendo muito egoístas, morrendo de pena de nós mesmas, afinal, somos sobreviventes e o que fizemos das nossas vidas, ficamos nos queixando e lamentando, dispersando cada momento, sem nos importarmos com nada — Mariana se rebela. — O que teria acontecido se todos nós chegássemos àquela praia, são e salvos, teria mudado todo o nosso futuro? Seriamos diferentes?

— Nunca saberemos — Teresa respondeu, dando de ombros.

— Pois, eu acho que não seria diferente para nós, talvez, apenas para Joaquim que não carregaria toda essa culpa pela morte de Renato.

— Então, me dê o telefone dele, Mariana. Queria muito revê-lo, conversar com ele — insisto.

 — É melhor não — Mariana responde de modo firme.

— Por que não? Quem lhe deu o direito de decidir isso, de ser a guardiã dele? — replico, exaltada.

— Não é nada disso!

— Você sempre teve ciúmes, Mariana. Porque era de mim que Joaquim gostava! — Fico de pé diante dela, desafiadora, Mariana se levanta e me olha direto nos olhos, de modo duro.

— Joaquim tentou se matar e quase conseguiu, ele sobreviveu por pura sorte — ela esbraveja na minha cara, tonta, dou um passo cambaleante para trás e caio sentada no sofá, minha cabeça gira.

— Não pode ser, como ele pode querer acabar com a própria vida? — murmuro.

— Porque ele não aguentava mais a dor e o sentimento de culpa, que o sufocava, ele só queria terminar com tudo aquilo, ter paz — Mariana responde.

— Mas a culpa não foi dele, nem de ninguém — Teresa conclui, exacerbada.

— Eu sei, foi o que disse para ele. Mas, agora, ele está melhor, em tratamento contra a depressão — Mariana comunica, desconfio que não é só isso, imagino se ela está com ciúmes, se ainda gosta de Joaquim, mesmo depois de tanto tempo.

Não sei o que pensar, não quero pensar, abaixo os olhos para meu lindo relógio Cartier, presente do meu amantíssimo marido, já é hora de ir, não quero que as crianças cheguem em casa e encontre a mãe bêbada, então, preciso me recompor. Normalmente, só bebo à noite, quando já estão na cama.

— Não pode dirigir nesse estado, você bebeu demais — Teresa me alerta.

— Não vou dirigir, pedirei um carro, preciso ir para casa, voltar para os meus filhos. Foi bom falar com vocês, temos que fazer isso mais vezes.  E se quiser marcar um encontro com a tal garota, eu topo.

Trocamos beijos nos rostos e eu saio, voltando para a minha vida real, deixando o meu passado para trás.

Naquela noite, eu espero pelo meu marido sentada no sofá da sala, envolvida na penumbra, espantada por minha repentina coragem. Pensando na garota que se encantou por aquele homem mais velho e confiante, imaginando que ele poderia lhe dar toda a segurança que ela desejava tanto ter, só querendo se sentir protegida e cuidada.

 Já passa da meia-noite, quando ouço a porta se abrir e se fechar, seus passos vão em direção da escada.

— Jonathas — eu o chamo, ele não disfarça o espanto ao me encontrar ali.

— Anda acordada?

— Estava esperando por você — digo, levantando e indo na direção dele.

— Algum problema?

— Só queria conversar – Ele me encara como se não entendesse as minhas palavras.

— Sobre o quê?

— Sobre nós dois — Sua expressão desaba.

— Hoje não, Lídia. Estou muito cansado — Ele me dá um beijo na testa e começa a subir a escada, enquanto eu o observo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Antes do nascer do sol." morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.