Mu e Shaka em: Um dia de sorte escrita por Athenas de Aries


Capítulo 1
Shaka




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O dia de Shaka

Eu sou Shaka. Não sou muito bom com as palavras, mas tantas coisas aconteceram comigo que resolvi escrever como uma espécie de terapia, antes que surtasse de vez. Vou falar um pouco de mim, para que possam entender como as pequenas coisas imprevistas são capazes de me tirar do sério.

Sou relativamente novo, tenho 32 anos, virginiano, médico, casado – apesar de ser casado com um homem, sou casado sim – bem sucedido em minha profissão, metódico e feliz. Sim, sou feliz. Não posso reclamar da minha vida.

Este sábado era para ser como qualquer outro. Um dia de folga para descansar ao lado de meu amor. Relaxar, arrumar o que ficou pendente durante a semana. Esperava que nenhum bebê resolvesse nascer. Eles muitas vezes tem horas inconvenientes para vir ao mundo, apesar de, no meu caso, eu não ter muito desses problemas pois a maioria das minhas pacientes prefere confortáveis partos programados. Não posso mentir, eu também.

Me levantei, o dia mal tinha acabado de nascer. Mu ainda estava adormecido como um bebê. Dirigi-me a cozinha. Água na chaleira para ferver. Uma boa xícara de chá é sempre uma boa maneira de despertar. Fui para a varanda apreciar a aurora e acabei me esquecendo da chaleira. Até que um barulho surdo e um cheiro de metal queimando me lembrou que tinha esquecido algo no fogo. Logicamente perdi minha chaleira, e a cozinha estava com um cheiro insuportável. Abri todas as janelas para ventilar o ambiente, descartei a chaleira e peguei outra panela para ferver a água. Mu continuava a dormir. Como aquele ariano tem sono pesado! O incidente não me aborreceu. Essas coisas fazem parte do cotidiano. Fiz uma anotação mental: comprar uma chaleira nova.

Bebi meu chá. Ou melhor, tentei beber, mas fui com muita sede a xícara e acabei por queimar a língua, não sentindo o gosto da beberagem. Nesse momento comecei a me irritar um pouco. Respirei fundo. Não me irrito com facilidade, então não havia razão para aborrecimentos. Eu apenas estava um pouco mais displicente que o normal. Apenas isso.

Resolvi voltar para cama. Não tinha que ir ao consultório hoje, Mu não tinha processos para revisar, iríamos passar o dia juntos. Abracei-o, encostei minha cabeça em seu ombro e fechei meus olhos na esperança vã de adormecer. Tolo, fui eu. O vizinho da casa ao lado de meu prédio deve ter tido insônia e resolveu que ninguém mais tinha o direito de dormir. Ligou o som em um volume tão obscenamente alto que até mesmo Mu acordou assustado.

Nos olhamos sem falar nada. Ele levantou, fechou a janela, ligou o ar-condicionado, pegou um edredom e se deitou novamente. Nos abraçamos. Um sono gostoso veio, logo interrompido pelo som estridente do telefone.

— Dr. Shaka.

— Um instante, vou chamá-lo.

— Shaka, meu amor, é para você.

Mu me passou o telefone sonolento. Eu já estava completamente desperto a essa altura.

— Shaka, pois não?

— Doutor, estou sentindo muitas dores, acho que meu bebê quer nascer agora.

— Desculpe-me, quem está falando?

— É Saori Kido...

Me esforcei um pouco para lembrar da paciente em questão, até que um estalo veio. Era uma paciente de risco, que me fora mandada por um colega que não se sentiu confortável em cuidar do caso. Fiz algumas perguntas de praxe para tomar ciência da situação e a encaminhei para o hospital, me encontraria com ela lá. Levantei correndo, nem mesmo banho tomei, vesti a primeira roupa branca que encontrei, o que não foi difícil, e corri para o hospital. Ia explicando a situação para um assustado Mu durante meus preparativos. Estava descendo as escadas de meu prédio, escorreguei no piso recém-encerado e quase que precisei de hospital. Cheguei com a traseira das calças suja, mas não havia tempo para troca de roupas e um humor de cão. Minha folga! Eu estava indignado com aquele bebê apressado. O parto foi difícil. Tive que operar as pressas. A mãe quase teve uma eclampsia – eu bem que a avisara para controlar a pressão – o bebê nasceu com pouco peso, mas no fim todos se salvaram e estavam bem. Transferi a criança para a UTI neonatal aos cuidados do pediatra, fiz recomendações ao médico de plantão acerca da mãe e voltei para casa.

Mu preparara um almoço, já tinha comido e jogava videogame.

— Estou faminto.

— Vá tomar um banho enquanto esquento a comida para você.

Fui tomar uma ducha. Sai do banheiro apenas com a toalha enrolada na cintura, peguei o prato e na segunda garfada me engasguei com um pedaço de comida quase colocando tudo pra fora. Desisti de comer. Massageei as têmporas.

— O que está acontecendo com você hoje, Shaka?

— Não sei... não sei...

A campainha tocou.

— Quem será agora?

— Vá se trocar deixe que atendo.

Fui para o quarto, coloquei um roupão por cima da pele nua. Ouvi a voz de Mu se exaltando.

— Isso é um absurdo! Shakaaaa!

Me dirigi a sala com passos desanimados para ver o que acontecia.

— O que está acontecendo aqui?

— Eu não queria te incomodar, mas sei que você tem paixão por seu carro.

— Dá pra vocês falarem logo!

O porteiro viera nos avisar que estourara um cano de esgoto no subsolo e minha BMW novinha em folha estava soterrada em entulho e merda.

— Nachi, hoje não estou para brincadeiras sem graça.

— Mas é verdade, doutor, vim chamá-lo para me dizer que providências tomar.

Olhei para os céus. Buda me ilumine. Desci até a garagem e pude constatar com meus próprios olhos o desastre. Mu, o advogado, incorporou neste momento. Tomou todas as providências e ameaçou uma meia dúzia de arrogantes com processos escabrosos. O condomínio pagaria meu prejuízo – conseqüentemente, eu também – mas o pior era ficar sem o meu precioso carro por dias.

Voltei para meu lar.

— Vamos caminhar um pouco. Desanuviar a cabeça.

Concordei prontamente. Fomos para o clube. O pessoal de sempre estava por lá.

— Mu, Shaka! Que bom vê-los. Estamos arrumando uma partida de society, estavam faltando dois, não querem participar?

— Não Milo. Não estou em um bom dia hoje.

— Vamos Shaka, vai ser bom colocar o estresse pra fora...

Acabei cedendo. Times escolhidos. A partida começou. Até que não tinha sido uma ideia de todo ruim. Esta até mesmo me divertindo quando Saga me agarrou pela camisa no momento que me preparava para chutar a gol. Foi um tombo digno das maiores gargalhadas, voei com as pernas pro alto e cai como uma jaca podre. Minha camisa ficou em frangalhos. Só não ficou pior que meu orgulho.

Levantei em silêncio, arranquei o que sobrou da camisa e sai da quadra. Ouvia os outros me chamando, mas eu não queria olhar pra ninguém. Estava furioso. Mu veio correndo atrás de mim.

— Shaka...

— Me deixe. Não estou bem hoje.

Mu saiu de perto de mim, magoado. Pensei um pouco melhor na besteira que tinha feito e fui correndo atrás dele. Trombo com uma menina que vinha andando de patins. Cai um pra cada lado. Acho que nunca tomei tantos tombos em um único dia. Bufei. Perguntei a menina se ela estava bem e pude perceber que ela sentia dor no pulso. Meus instintos médicos sempre falam mais alto, peguei delicadamente o pulso da menina. Parecia fraturado.

— Creio que precisa de um ortopedista.

— Estou bem.

— Infelizmente, acho que não está tão bem assim.

— Você é médico, por acaso? – ela me perguntou de maneira desdenhosa.

— Por acaso, sim.

— Ops...

Procurei pela mãe da menina, levei-as ao hospital onde trabalhava. Chapas tiradas, gesso colocado. Tinha agora outro problema para resolver: Mu.

Cheguei em casa e ele não se encontrava. Onde estaria Mu? Seu carro também não estava na garagem. Liguei para seu celular. Desligado.

— Ariano cabeça dura!

Lembrei-me de Camus e Milo. Liguei para os dois. Milo atendeu no segundo toque.

— Milo, sou eu, Shaka. Me responda com um sim ou não, depois diga que é engano e desligue. Mu está ai com vocês?

— Sim. O número é esse senhor, mas esta pessoa não mora aqui. Desculpe. Boa noite.

— Obrigado Milo, não o deixe sair daí até eu chegar.

— Pode deixar senhor, sem problemas.

Milo me dera a dica. Peguei as chaves do carro para ir até a casa deles quando me lembrei que estava sem carro. Peguei a carteira, contei os trocados e fui para a rua em busca de um táxi, que parecia ter sumido das ruas da cidade.

Desisti de esperar e peguei um ônibus. O ônibus estava lotado. Parava de ponto em ponto, parecia que não  ia chegar nunca. Quando estava quase para saltar um moleque mete a mão na minha carteira. Não teve conversa. Parti pra cima do moleque e o enchi de porrada.

Eu estava completamente fora de mim. Depois de tudo que tinha me ocorrido, ainda ser assaltado! Eu extravasava todo o meu estresse socando a cara do garoto. Os outros passageiros já estavam até ficando com pena do meliante.

Uma patrulha que passava pelo coletivo naquele momento parou o ônibus e apartou a confusão. Para minha suprema sorte, o moleque era menor de idade, apesar de infrator.

— Desculpe senhor. Sabe que é proibido bater em menores. Ele deveria apenas ser imobilizado e entregue a uma autoridade policial.

— Mas foi o que eu fiz. – apontei pro moleque imóvel, gemendo no chão do coletivo.

— Mas não com violência! O senhor terá que nos acompanhar até a delagacia!

O que fazer? Fui levado para a delegacia. Carona de patrulhinha. Era tudo que eu precisava para fechar meu dia com chave de ouro. Mais uma vez liguei para Milo e Camus.

— Milo, por favor avisa a Mu que estou na delegacia e preciso de um advogado.

Preciso falar mais alguma coisa?


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