A Ascenção de um Servo das Trevas escrita por Juni CatMoun


Capítulo 1
Capítulo Único




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“Servo Bobo das Trevas. Modelo JESTER-3694. Missão: servir o Príncipe das Trevas a qualquer custo. Por favor, insira o DNA do atual Príncipe das Trevas para que eu possa fornecer o melhor acompanhamento o possível. ”

Minha visão não funciona corretamente. Meus sensores de odores detectam o fluído de óleo por tudo quanto é canto e o áudio de estática está extremamente alto. Qual é o meu propósito? “Servir o Príncipe das Trevas a qualquer custo”. Que tipo de pessoa é o príncipe? Serei bem cuidado? Há outros servos como eu neste lugar?

Lentamente minha visão parece ir melhorando o foco. Lentamente posso enxergar um alto ser de cabelos roxos. Analisando espécie. Analisando espécie. Analisando espécie. Espécie identificada. É um rato. Sua pelagem é branca com detalhes laranjas. Algo é diferente nele. Seu olhar. Ele usa um jaleco de laboratório e uma prancheta. Ao seu lado está um jovem e assustado gato preto. Será que minha aparência o assusta?

“Servo Bobo das Trevas. Modelo JESTER-3694. Missão: servir o Príncipe das Trevas a qualquer custo. Por favor, insira o DNA do atual Príncipe das Trevas para que eu possa fornecer o melhor acompanhamento o possível. ”

Eu não controlo isso. Eu fico repetindo essas palavras. Lentamente a estática em meu sistema de áudio começa a diminuir e ouço o estranho rato gigante falando com o gato. Mas não consigo reconhecer suas palavras. Ouço o áudio de forma abafada. O gato parece ficar um pouco mais apreensivo enquanto o rato agarra seu braço esquerdo. Ele fica se debatendo, amedrontado. Eu não posso fazer nada. O rato pega uma adaga extremamente afiada de seu bolso e calmamente corta a pata do gato. Ele aparentemente está chorando e gritando por ajuda. O que eu posso fazer para impedir? O rato coloca a mão ensanguentada do jovem gato negro e a coloca sobre minha caixa torácica.

“DNA inserido. Por favor aguarde. Servo Bobo das Trevas está se ajustando à personalidade do atual Príncipe das Trevas. ”

Meu sistema de áudio se ajusta. Muitas informações circulam em minha cabeça. Sinto algo dentro de mim. O que é isso? Um certo arrepio, como se fosse... medo. Eu sinto medo? Do que eu tenho medo, afinal...? O choro do gato está mais distinto das estáticas. É um choro um pouco triste e amedrontado.

— Bobo das Trevas, cuide do ferimento do príncipe. – O rato tira de seu outro bolso uma gaze e um frasco de água oxigenada. Ele os aperta contra minha caixa torácica. Aparentemente eu posso me mover agora. Uso meus braços e seguro a gaze e o frasco.

Me aproximo do gato e ele começa a correr. Olho ao meu redor pela primeira vez e identifico que estou em uma sala privada onde só se encontra eu, outros robôs diferentes, alguns computadores gigantes e azulados. O chão é ladrilhado na cor branca. O gato passa pela porta. Eu deveria acompanha-lo? Retorno meu olhar para o rato de jaleco.

— O que está esperando? Vai atrás dele. Se vira. – O rato pega um maço de cigarros de seu bolso e se põe a fumar um bem ali. Segundo minhas informações isso não parece muito seguro ou apropriado.

Provavelmente é mais seguro eu não me pronunciar e apenas obedecer. Acho que eu deveria estar seguindo ordens do príncipe e não do rato. Mas não recebi nenhuma ordem do mesmo. Desço meu olhar e dou alguns passos lentamente para ter certeza de que tenho equilíbrio. Apresso então o meu passo para ir ao encontro do gato fugitivo.

Atravessando a porta passo por um grande corredor com algumas tochas acesas. A luz emitida pelas tochas é roxa. Isso é meio assustador. Acho que sinto essas... sensações... desde que tive contato com o DNA do príncipe. Se eu me sinto dessa forma quanto a decoração deste lugar, é assim que o príncipe se sente também? Eu não tenho certeza disso. Abro a porta e encontro um quarto. Analisando. Analisando. Aparentemente é o quarto do príncipe.

Tem uma cama extremamente nova. Algumas roupas jogadas no chão, acima do tapete um tanto arranhado. Não existe muita coisa nesse quarto, o que é diferente de um quarto que se imagina de um príncipe. Vejo um enorme espelho que dá para ver meu corpo inteiro. Me aproximo dele e visualizo meu corpo.

Ele é azul metálico, com anatomia humanoide. Meus braços e pernas são como mangueiras metálicas. Isso é, de fato, um tanto assustador. Será que posso mudar minha aparência para ser do agrade do príncipe? Acesso uma localização de meus arquivos e revisto meu corpo com uma pele sintética humana. Meu corpo ganha uma aparência humana. E se eu imitasse o penteado daquele rato?

Cabelo roxo e liso começa a crescer em minha cabeça em formato Chanel. Mas ainda não acho que estaria do agrado do príncipe. Pesquiso em meu catálogo sobre penteados diferentes e chego a um penteado não muito diferente do meu atual. Levemente mais longo e ondulado. Acho que está perfeito agora. Imagino várias vezes a reação do gato quanto a minha nova aparência. Será que ele vai gostar?

Olho novamente ao meu redor e decido analisar a varanda que o quarto possui. Me aproximo da varanda pois é bem possível que o príncipe possa ter ido por esse caminho. Que lindo, a varanda deste quarto dá de cara com o reino. Não há um céu de verdade. Só um monte de terra cobrindo o céu. É correto afirmar que este é um reino subterrâneo, acredito.

A terra é coberta por alguns diamantes que ficam refletindo luz para o reino. Isso é extremamente belo de se ver. O reino não é extremamente extenso. Mas é bonito. Enquanto analiso o reino, de repente, ouço as portas da varanda se baterem atrás de mim. Olho para elas e me aproximo. As pressiono usando minhas mãos. Parece ter algo impedindo a passagem.

— Por favor... só vai embora... por favor... – Ouço essa voz do outro lado da porta. Seria essa a voz do príncipe?

Abro lentamente minha boca. Preciso responder. Mas até desde o momento que fui ativado, não tive a chance de dizer alguma coisa. Não sei como minha voz vai soar.

— Por.… quê...? – Isso é tudo o que posso dizer afinal? A voz do outro lado aparentemente se assusta com minha resposta.

— Você fala?! Eu... só quero que vá. Eu não quero isso. Eu não quero... ser um príncipe. – A voz do gato começa a ficar levemente pesada.

— Para onde eu poderia ir, príncipe? Não há outra passagem aqui na varanda. – Pressiono minhas mãos contra a porta.

— Não sei, não sei... servos podem voar, não podem? Eu já vi um voando.

— Posso? – Começo a olhar para o meu corpo. Eu não pareço ser aerodinâmico. Como eu poderia voar? O príncipe fica quieto por uns instantes e dá uma leve risada.

— Como você não sabe? Você é um servo, não deveria saber de tudo sobre servos?

— Eu literalmente fui ativado hoje. Eu mal sei qual é o meu propósito. Por que eu devo cuidar do príncipe? Como são os outros servos? E por que eu não me sinto como um? – Me viro de costas para a porta da varanda e me apoio no apoio da varanda.

— Eu acho que entendo... mas eu não sabia que servos tinham... acho que... Consciência? – Indaga o gato, muito claramente pelo seu tom de voz estava pensando muito a fundo nisso.

— Você está vivo há muito mais tempo do que eu, não deveria saber disso? – Olho para baixo do enorme edifício em que nos encontramos. Aparentemente esse é realmente um castelo medieval.

— Eu não sei... vivi esse tempo todo lá embaixo com os outros. Todos os parentes próximos do Rei não estão mais vivos. Mas ele quer seguir a tradição de apenas manter na linhagem o “sangue real”. Então encomendou uma árvore genealógica. E seguindo essa árvore genealógica, eu sou o príncipe... mas eu não quero isso para mim.

— E.… como me impedir de cuidar de sua pata ferida vai mudar o seu destino? – O príncipe não responde minha pergunta. Passo um tempo esperando sua resposta. Então volto minha atenção para a porta e pressiono suavemente minhas mãos contra a porta. Aparentemente, o príncipe continua bloqueando a passagem com o seu corpo. – Você está bem? – Pergunto, preocupado.

De repente a porta se abre e vejo o gato com a pata ainda sangrando um pouco. O sangue sujou o chão. Seu semblante demonstro que ele esteve chorando. E está prestes a chorar novamente. Abro minha boca para perguntar porque ele está chorando, mas sou impedido pelo mesmo.

— Desculpa... – O jovem gato preto coloca as duas patas sobre seu rosto. A pata ferida treme um pouco.

Me aproximo dele e seguro cuidadosamente sua pata e me ajoelho perante ao príncipe. Começo a desinfetar a ferida com água oxigenada. O gato reclama um pouquinho mas deixa eu desinfetar. Começo a enfaixar a pata cuidadosamente com a gaze.

— Eu não sei o que fazer. Amanhã haverá uma cerimônia que vai me oficializar como o príncipe das trevas. Eu estou com medo... – Ele olha para o outro lado, com um olhar preocupado.

— Você precisa fazer isso. – Digo enquanto termino de apertar a gaze na pata dele.

— Mas eu...

— É seu dever. – O interrompo. – Eu não pedi para ser ativado. Mas fui ativado e não posso fugir do meu dever de cuidar de você. Você é o príncipe e não pode fugir disso. Talvez seja para bem ou para mal. Só que precisa ser feito. Eu sei que você pode. E irá achar uma forma de manter-se como a si mesmo, sem perder sua essência. Fazer coisas que você gosta. Mas por agora, você tem esse dever. E não pode abandoná-lo. – O gato fica olhando para mim, assustado. Logo, se aproxima e me abraça bem forte.

— Você tem razão... obrigado... – A respiração dele enquanto agradece levemente vai se acalmando. – Você tem um nome?

— O que é um... nome? – Fico confuso. Talvez eu devesse pesquisar sobre isso, mas prefiro esperar para saber o que é isso pelo príncipe.

— Um nome é... – O gato fica um pouco pensativo. – A forma como amigos te chamam.

— Eu sou o servo Bobo das Trevas. Meu modelo é JESTER-3694.

— Eu sei, eu sei. Eu quero dizer, nome. Nome. Sabe? – O gato fica gesticulando. Logo desiste. – Meu nome é Flavy.

— Nome memorizado com sucesso. – Eu disse isso meio que automaticamente.

— Hmmm... Se você é um JESTER... quem sabe Jest? – Ele ri um pouco.

— O que está fazendo? – Pergunto sem entender o que o gato pretende fazer.

— Não, não... Jest é um nome meio ridículo. Que tal Nest? – Ele parece extremamente animado com isso.

— Nest? O que é Nest?

— Você... não gostou? – As orelhas do Flavy abaixam, meio tristes.

— Eu. Gostei. – Não sei exatamente o que dizer. Talvez ele deseja me chamar dessa forma. Eu não tenho “opinião” formada sobre um nome para mim. Mas a ideia de ter um nome, assim como outros seres não-servos, me anima.

Flavy sorri e me abraça novamente. Um abraço ainda mais quente. Aperto de volta. Abraços. Eles são bons. Nunca pensei muito nisso. Talvez porque nunca pensei de verdade. Essas coisas que sinto como sentimento me confundem. Mas sou grato por não ser tratado exatamente como um servo qualquer.

Destino. Isso é um bem precioso. Sou apenas um servo Bobo das Trevas. Meu modelo é JESTER-3694. E minha missão é servir o príncipe das trevas a qualquer custo. Eu devo fazer isso. Mas isso não me traz mais medo. Eu não sei o que o futuro pode estar guardando para mim. O futuro é incerto. Porém precioso. E eu acho que eu realmente quero, de verdade, passar esse futuro junto de Flavy. Talvez eu não seja apenas um servo. Sou também Nest. E Flavy não é apenas o príncipe. Também é meu... amigo.


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