Glory and Gore escrita por Iulia


Capítulo 11
I've tried goodbye a hundred times, not one of them true.


Notas iniciais do capítulo

Oi oi! Voltei com outro capítulo dessa historinha aqui, apesar de alguns babados relativos à situ do País quase terem me feito largar de mão. Mas voltei pois é importante também ficar bem, né. E eu AMEI escrever esse capítulo aqui, pois cheio de Nuances e Sentimentos e Mistérios. O título vem de uma música pesada das Rainhas do UK, Little Mix. O nome da música é Nobody Like You. Boa leituraaa e até lá embaixo ♥



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Cato não voltou a ver Clove em pessoa até que meras duas semanas ficassem entre a Colheita.

A ocasião foi especial. Um desabamento no Gladiador tinha deixado quatro pedreiros presos. Relutantemente caminhando para a Academia para ver os resultados da votação, Cato encontrou uma pequena plateia parada na praça da Patrus.

Como a força divina que era, sua mera presença abriu espaço na multidão e ele encontrou dois pedreiros sendo amparados para dentro de uma casa. Tudo com direito ao drama, aos gritos, ao sangue escorrendo do braço de um deles, às famílias horrorizadas.

— O que aconteceu? – ele latiu, para ninguém em particular.

— O Gladiador – um rapaz respondeu, dando de ombros, anestesiado pela frequência com a qual acontecimentos como aquele tendiam a perturbar os habitantes da vila.

— Não acontece deslizamento nesse tempo – um outro homem se intrometeu, quase cuspindo.

Cato se virou para ele, em busca de desvendar a razão do seu tom audacioso, se não acusador. O homem em questão era a personificação do que poderia ser entendido como um pedreiro da Patrus. Seu físico era monstruosamente construído, como se tudo tivesse sido montado à pedra por um escultor raivoso, impaciente. Seu rosto, suas palavras, seus olhos; tudo transbordava ira, força.

Ele era vagamente familiar. Cato, ainda que não houvesse entendido bem o motivo da aparente raiva do homem, o encarou de volta, porque afronta ele conseguia entender.

Apesar da troca de olhares intensa e dos dentes cerrados dos dois, a cena continuou a se desenrolar. Alguns Pacificadores surgiram, parados no limite da floresta que dava acesso ao Gladiador. Os cidadãos entenderam como bem queriam; estariam eles proibindo outros de voltarem para a montanha em busca de sobreviventes?

— Dispersar – um deles gritou, naquele tom semi-humano que as vozes deles tinham uma vez que os capacetes eram postos (e talvez não só as vozes deles pudessem receber essa descrição).

Um embate revoltado foi começando a ser tecido, conforme a população compreendia as ordens absurdas, mas que costumavam ser comuns no 2. O que havia de incomum, claro, era a população encará-las como absurdo. Foi quando a pequena multidão começou a levantar as vozes e Cato se virou para mandá-los calarem a boca que ele viu Clove avançando pelas ruas sempre cinzentas da vila em que costumava morar.

Ele sentiu sua boca secar à mera visão dela, ignorando seu olhar ali no presente e batendo a porta da sua casa há semanas atrás para só aparecer de novo na televisão, acompanhando o homem em eventos de prestígio e causando estragos na mente dele. Mesmo quando estava no 2, Clove havia se organizado magistralmente para que Cato de fato não pudesse vê-la. Ela não abria a porta de casa ou aparecia na Academia ou atendia chamadas que não fossem de seu namorado. Era quase como se eles tivessem realmente terminado (o que quer que fosse).

Quase. 

(Se ao menos terminar fosse mesmo possível).

Ele ainda tinha assuntos a tratar com ela. Não era como se um dia ele fosse deixar de ter.

Cato estava prestes a alcançá-la quando um grupo emergiu da floresta carregando um jovem que havia acabado de perder um pé. Sangue pingou por todo o caminho.

Ele sentiu sua respiração ser cortada por uns segundos. Sangue sempre seria sangue; a mesma cor, o mesmo cheiro, o mesmo véu embaçando sua visão e confundindo seus pensamentos.

Cato então focou sua atenção no rosto do garoto cujo sangue pingava. Cabelo escuro, pele clara, vinte anos, no máximo. Nada na sua juventude surpreendeu ninguém. Todos no distrito eram acostumados. Crianças como aquela, de olhos muito suaves e calorosos, nunca passavam dos primeiros níveis na Academia. Algumas se empurravam à força, no entanto, esperando que ao menos Pacificadores pudessem virar e, quando finalmente eram expulsos, tinham mais hematomas que veias, mais marcas nas costas do que dentes. Os pais que se importavam, então, iriam examiná-los culposamente e esperar que eles pudessem esquecer os horrores que viram quando fossem exercer alguma outra profissão, se doando pra Capital até a morte. 

E essa outra profissão era quase sempre exercida nas montanhas pedreiras.

Enquanto acomodavam o garoto ferido e uma movimentação frenética de pessoas correndo para ajudá-lo teve início, Cato sentiu um olhar em sua nuca. Na confusão, é muito fácil perceber se alguém fica parado te mirando. Ele se virou para encontrar o mesmo homem de antes. Dessa vez, contudo, ao serem confrontados pelo olhar desafiador de Cato, seus olhos foram atraídos para outra coisa. Eles passaram a mirar outra pessoa, uma que passava exatamente atrás de Cato como se sequer estivesse o vendo.

— Clove. 

Se o garoto não estivesse olhando diretamente para o homem da Patrus, ele não acreditaria que ele realmente havia falado com Clove. Clove, cujo nome só se falava se você estivesse preparado para encarar o demônio em pessoa, com voz acetinada, sorrisos frios e tudo. Clove, que sequer olhava duas vezes para sua vila, ignorando completamente os laços de lealdade exigidos no 2.

Mas tudo havia sido bem real. O tom severo, quase de ordem, na voz do homem era real. Sua audácia era real. Clove, soltando o ar pela boca como uma adolescente emburrada era real.

Ela girando nos calcanhares e marchando até o homem, reconhecendo sua existência, era real.

— Anda rápido – ela latiu, parada na frente dele, impressivamente pequena perto daquele que parecia tanto um gigante de conto de fadas. Um Cato atônito assistiu tudo, fixado, há muito esquecido do garoto berrando excruciantemente há alguns metros de distância.

— Você viu que é o Attico ali? – o pedreiro grunhiu. Seus olhos, olhando para Clove, mostravam outra coisa além de raiva; decepção. Desesperança.

— Ele é aleijado, mas eu não sou cega – Clove respondeu entredentes.

— Pelo amor de Deus, Clove – era um lamento desesperado (ou irado). Muito familiarmente, o homem passou as mãos pela cabeça até amassar seu cabelo contra o rosto. Como se estivesse com muita dor, com muita confusão. Com muita cólera. – Você está me dizendo que está pouco se fodendo pro Attico sangrando bem ali? Você viu ele? Você tem alguma noção de que...

— Dom – Clove interrompeu sua iminente crise, dessa vez sem sua expressão de desprezo. Havia uma espécie de urgência em sua voz, uma urgência que parecia estrangeira nela. – Eu vi.

Algum acordo silencioso foi selado entre eles. Cato não pôde afirmar com certeza o que tinha sido, mas conseguiu notar com clareza os olhos do homem – que agora tinha um nome, Dom – se suavizarem, a postura de Clove mudar como se ela estivesse constrangida.

— Você fez alguma coisa? – ele balbuciou, mais calmo, ainda trajando uma expressão de dor.

— Não dá para eu ficar – Clove falou, muito baixo, aparentemente ignorando sua pergunta. – Eu vou dar um jeito de mandar alguma coisa. Se alguma coisa muito ruim acontecer, manda me avisar.

E, com isso, Clove deu as costas para Dom e, sem um segundo olhar para aquele que se chamava Attico sangrando no concreto cinzento da vila, continuou seu caminho para a Academia.

(Ela parou por um par de segundos, contudo, inspirando pesadamente, sua expressão muito perturbada para alguém como ela).

Cato ficou parado, em choque. Dom o viu olhando e sustentou seu olhar com uma expressão vazia até se lembrar do garoto no chão e correr em direção a ele, esbarrando de leve em seu ombro.

Se ele não estivesse tão perto, se ele não houvesse ouvido tudo tão bem, visto tão bem, ele iria creditar aquela cena a mais uma das criações extravagantes de sua mente danificada.

Cato a seguiu como se estivesse saindo de um sonho, pisando no chão gelado de algum lugar, tentando caminhar às cegas para a realidade. Tudo ainda parecia confuso, desconexo. Clove agora não era uma pária clássica mais. Ela tinha feito contato – não hostil – com um habitante de sua vila. Prometendo ajudar um outro. Com quem aparentemente se importava. 

Quem era a Clove, de verdade? 

Cato, mais uma vez, como sempre fazia nos tempo de treinamento, tentou imaginar que tipo de vida Clove levava na Patrus. Aquela era a pior vila. As crianças que vinham de lá nunca duravam muito e sempre acabavam nas pedreiras. Elas eram estranhas, revoltadas com as pessoas erradas, mas muito gentis (para aqueles aos quais sua raiva não estava destinada), se essa era sequer a palavra certa. Muito bondosas entre si, como crianças das montanhas geralmente eram, como perfeitas párias no distrito.

Mas Clove não. Clove nunca tinha sido gentil, bondosa, nunca tinha sido boa pra ninguém. Não desde que tinha chegado na Academia, pelo menos. De algum modo, Cato não conseguia imaginar a garota sequer um dia mais nova do que era quando entrou lá. Ele não conseguia ver uma Clove dependente, infantil, inocente que nem os outros da Patrus costumavam ser. Ela era toda diferente; Cato puxou da sua mente a imagem do tal Dom, um perfeito exemplo do espécime, enorme e assombroso como os pedreiros geralmente eram. Clove, sempre a menor de sua classe, com seus ossos delicados e traços tão raros, quase aristocráticos, não se encaixava ali.

Ele ficava confuso. Ela não podia simplesmente abrir a porra da boca e falar, não, era impossível pra ela falar qualquer coisa pra ele. Ele precisava cutucar, fazer as perguntas certas porque ela nunca agia como se possuísse segredos, mas também só falava o que lhe era perguntado.

Como se não estivesse ouvindo suas passadas pesadas atrás de si, Clove não se virou em nenhum momento durante o caminho porque eles tinham terminado. Cato a deixou ser até a hora que eles viram a tão familiar e tão hedionda Academia se estender à suas frentes. Ele segurou seu braço com toda a delicadeza que conseguia e a virou para encará-lo.

— Pra quem você votou? – não era exatamente o que ele queria perguntar, mas era o que era necessário. Clove muito enfaticamente empurrou suas mãos para longe dela e usou todo o tempo do mundo antes de respondê-lo.

— Wade – ela sibilou friamente.

— E?

— Zenobia.

Cato não pôde evitar o brilho de desconfiança que iluminou seus olhos encarando a expressão casualmente aborrecida de Clove. Ela poderia perfeitamente estar mentindo, que nem quando falava que não passava tempo demais submersa em banheiras. Mas do que ia adiantar acusar ela de querer voltar para a arena, quando ela podia simplesmente sibilar venenosamente que sim, que estava morrendo de vontade de ir pra arena só para poder se livrar dele de vez? E, no fim, Cato meio que tinha sentido falta dela. Ele meio que não tinha conseguido dormir havia um tempo.

— Ok – ele suspirou, sustentando seu olhar entediado por só mais uns segundos antes de voltar a andar. – Eu votei pro Brutus. E pra Zenobia, também.

Clove deu de ombros e saiu andando na sua frente. Seus dedos quase se esticaram para tocá-la de novo, mas ele desistiu. Eventualmente, ela iria perceber que não dava realmente pra jogar a toalha agora, que essa história de estar terminado não passava de uma mentirinha antiga. Cato não estava realmente preocupado com os ultimatos afobados de Clove, porque em alguma hora, ela iria se dar conta, mais uma vez, que aquilo tudo infelizmente não funcionava assim.

(Não pra ele, pelo menos).

Ele ainda queria saber que diabos tinha acontecido na Capital e por que ela tinha aquele olhar estranho da última vez que tinha aparecido na televisão.

Cato tentou ignorar o que quer que fosse que começava a crescer em seu âmago toda vez que ele refletia sobre as interações entre o homem da Capital e Clove. Naquele momento, tudo que ele tinha era a confissão rosnada de Clove a respeito de seus votos, que inferiam que, exatamente como havia previsto, o Vitorioso escolhido provavelmente seria quem era menos gostado.

Zenobia Revenoell era uma das Vitoriosas mais antigas e mais... ruins. Ela havia sido designada para assistir Wade e mal tinha passado a avaliação psicológica que antecedia a escolha dos voluntários. Ela foi para os Jogos, matou oito pessoas, se casou e teve seu final feliz, andando pelo distrito basicamente sendo a pessoa mais estranha de todas. Como Brutus, Zenobia nunca havia aparentado nenhum problema com o sistema dos Jogos.

Ênfase em aparentado.

A sala de reunião estava cheia com os dez Vitoriosos, mas insuportavelmente silenciosa. O silêncio era grave, solene. Era hora de um sacrifício. De fazer o que devia ser feito para o distrito progredir, para Panem prosperar. Era de se esperar que quem quer que fosse ser escolhido lidasse com o fato de maneira digna, honrosa.

Era hora de se fazerem acreditar nas mentiras que se contavam.

Um leve tremor perpassou o corpo de Clove no momento que Wade se sentou em sua frente, carregando só um olho levemente roxo como lembrete físico do acontecimento de semanas atrás. Clove havia o visitado. Não porque ela se importava, mas porque ela pensou que um controle de danos precisava ser feito.

Contudo, ela não teve nenhum retorno. Wade, como ela conseguia ver perfeitamente agora que ele a encarava e transformava o tom castanho de seus olhos em um negro nunca antes visto, estava muito ressentido, com muita raiva.

Para de tentar ficar defendendo o fodido do Cato, caralho!

Como Clove era muito boa em fazer pessoas a saírem de sua zona de conforto, Wade se viu obrigado a reagir de outro jeito. Ele bufou e sorriu um sorriso que jamais chegou a seus olhos. Um arrepio desceu pelas costas da garota.

Se ela tivesse que voltar pros Jogos, ela tinha certeza que jamais conseguiria se forçar a olhar na cara de Cato de novo. Ela, diferente dele, não sabia perdoar ninguém além de si mesma.

Talvez, se ele fosse escolhido, iria ser ainda pior.

Clove estava considerando muito cuidadosamente as palavras de Naevio sobre casamentos. Ela conseguiria lidar com uma volta à arena. Mas se Cato fosse... Ela iria ser forçada a imaginar se sua volta teria alguma coisa a ver com ela e as suspeitas de Naevio e a história de rebelião. Logo, ela ia começar a odiar Cato de verdade. Naquele momento, ainda, ela não queria o fazer. Mesmo que Cato fosse o mesmo filho da puta idiota de sempre que tinha decidido bater em sua porta durante todos os dias de sua estadia no 2. Mesmo que ele fosse ridículo o bastante para ainda ficar acordado à noite inteira por todas aquelas noites só porque eles não estavam se falando.

Clove não queria realmente odiar Cato, mas tinha certeza que iria o fazer se ele acabasse morto simplesmente porque não conseguia ficar longe dela.

Brutus tinha o mesmo olhar insanamente brutal de sempre quando depositou a caixa em cima da mesa da sala de reuniões, como se não estivesse olhando para seus colegas Vitoriosos, mas para presas, para algum tipo de comida.

Ela ouviu a respiração pesada de Cato ao seu lado, a olhando de canto de olho como um perfeito perdedor, de certo esperando que ela se virasse para ele e com olhos marejados dissesse alguma coisa do tipo “eu estou com medo”. Clove sufocou a raiva que sentia daquele mero pensamento.

Se liga, Hadley.

— Os resultados foram interessantes – Brutus começou, deixando um sorriso esquisito tomar sua face. – Não surpreendentes. Acredito que todos nós sabíamos o que ia acontecer.

Lyme, sentada ao lado de Leonis, fixou um olhar impossível de ser lido em Cato. Depois, seguiu uma linha reta até Clove.

— Nosso distrito será bem representado com a Zenobia – ele disparou, enquanto ninguém esperava. Cato se recostou mais na cadeira, como se houvesse acabado de se livrar de um fardo impossivelmente pesado, soltando a respiração. Clove sentiu alívio correr por suas veias e quase anestesiar seu corpo. Zenobia, tão surpresa quanto todos os outros, ergueu suas sobrancelhas e seu queixo, aceitando com facilidade seu destino.

Facilidade demais. 

— Fico honrada – a mulher ronronou, sacudindo a mão de Brutus e de Leonis. Uma salva de palmas lenta e desanimada se seguiu, uma vez que todos hostilizavam secretamente a disposição de Zenobia.

Zenobia era um espécime pálido, com ossos da bochecha muito protuberantes e um toque leve de desalinho permanentemente banhando suas feições. No entanto, em algum lugar de seu corpo magro, ela escondia uma força quase sobrenatural, um instinto de sobrevivência que de alguma forma havia a impregnado dentro de sua casa na Vila dos Pacificadores. Ela representava a aristocracia do distrito.

Para Clove, sua escolha era perfeita. Ninguém ia sentir falta dela e de sua trama de Dona de Casa do Mal. Ninguém ia sentir falta de ninguém que representasse os ricos do distrito. Bom. Ela sabia que ela não iria sentir.

Zenobia fez contato visual com ela, e, apesar de suas reais disposições, Clove acenou com a cabeça respeitosamente, reconhecendo que seria sua mentora e que se esforçaria, por assim dizer, para trazê-la de volta. Ela observou cuidadosamente enquanto Zenobia se curvava e sussurrava alguma coisa contra o rosto de Wade, que sorria de leve. Clove deixou que eles notassem que ela estava prestando atenção no que quer que aquilo fosse.

— Com o nosso tributo masculino a situação foi diferente. Eu não estava esperando um empate – o tom maliciosamente vagaroso de Brutus levou todos à beira de seus assentos, esperando pelo resto de suas palavras. A respiração de Clove ficou entalada em sua garganta, a despeito dos olhares de Zenobia e Wade. Mesmo odiando ele, ela lançou um olhar na direção de Cato, cujos olhos escureceram. Enquanto ele retribuía o olhar odioso para Wade, Clove quase pôde ouvir o sangue quente correndo em suas veias.

Porra.

— O empate em questão, como creio que vocês tenham imaginado, se trata de um entre mim e nosso garoto de ouro: Cato.

Porra, porra, porra.

Clove começou a ofegar ainda mais intensamente, se isso era sequer possível. Ela não estava brincando quando havia dito que acabaria o matando se ele chegasse a ir para a arena. Sua mera presença lá enquanto Naevio existia e sabia da amizade entre eles iria ser o suficiente para assinar sua sentença de morte. Tudo que Cato havia tão cuidadosamente construído durante os anos após sua vitória sem dúvida culminariam em uma participação muito pouco apoiada pelo distrito e muito hostilizada pela Capital. Como mentora, enquanto Naevio estava lá, Clove não ia poder realmente fazer muito.

E se ele morresse? O que ia ser feito? Como ela iria vingá-lo se mil pessoas podiam ser culpadas pela sua morte? Ela não se importava muito, não se importava desse tanto com Cato, mas era diferente ver ele sendo mandado de novo para a arena. E se ele parasse de falar de novo? E se os olhos dele nunca mais voltassem ao normal?

Tudo porque ela tinha decidido ignorar tudo que sabia sobre Cato. Clove era muito inteligente pra não saber que pessoas como ele, que sentiam demais, não deviam ser envolver com pessoas como ela. E mesmo assim, ela havia decidido deixá-lo passar muito tempo com ela. Mesmo sabendo sobre aquela coisa esquisita e errada nos olhos de Cato ao falar com ela, Clove ainda tinha se trancado com ele todas as aquelas vezes nas salas abandonadas, cultivando toda aquela coisa que ia acabar matando um deles.

Eles tinham ignorado todas aquelas perfeitas oportunidades de colocar fim naquilo. Cato havia recusado convites luxuriosos; Clove não havia puxado o gatilho quando venceu sua edição mesmo sabendo que ele não ia se encaixar em sua vida como Vitoriosa.

Quando ela estava presa entre a parede de um prédio industrial e a espada do garoto do Distrito 1, tinha sido Cato – mostrando pra ela uma nova espada na sala abandonada da Academia – que havia aparecido em sua mente.

Por costume, ela se importava.  Só um pouquinho.

Sua vida, afinal, era inquestionavelmente mais valiosa que as outras. Clove sabia disso desde sempre, talvez desde quando ele havia quebrado o nariz pela primeira vez, bem ali, na Academia. Seu sangue era mais vermelho, seus gritos eram mais perturbadores, sua dor doía mais. Ele não devia voltar para arena nenhuma. Ele devia ficar ali no 2, sendo certo, sendo sagrado.

E agora Wade, graças aos esforços brilhantes dos dois, havia encontrado sua oportunidade perfeita para se vingar por não ser o parceiro oficial dela.

Clove ouviu Cato suspirar uma risada. Ela não se atreveu a olhar pra ele.

— E aí? O que será feito? – Lyme perguntou, suas mãos cruzadas no seu colo em uma perfeita demonstração de dignidade e calma.

— Vamos ouvir eles – Wade respondeu, veneno pingando de sua voz, raiva estremecendo o canto de seus olhos ao sustentar o olhar de Cato. – Ver o que eles querem fazer.

Todos os olhos estavam em Cato agora. Pensando que sua recusa em fitá-lo seria ainda pior, Clove relutantemente se virou para encará-lo, sua garganta apertada como se alguma coisa tivesse envolvido seus dedos ao redor dela.

Cato bufou e sorriu, espalmando suas mãos para cima.

— O que eu posso dizer? – ele começou, de dentes cerrados. Seus olhos escureceram mais e mais enquanto corriam pelos rostos impassíveis dos Vitoriosos.  – Já sei. “Vão se foder, seu bando de filho da puta”.

Clove prendeu suas bochechas em uma tentativa falha de segurar uma risada nervosa. Entretanto, Cato não estava brincando. Ninguém além dela e Enobaria expressaram nenhuma reação além de uma fria indiferença à sua desrespeitosa reação, como se nada sequer houvesse sido dito. Com expressões de pedra, eles observaram o rosto vermelho de Cato.

— É isso? É uma declaração válida – Enobaria quebrou o silêncio. – Brutus?

— Eu ficaria honrado de servir meu distrito mais uma vez. Eu vou fazer meu melhor para orgulhar vocês – Brutus declarou entredentes, olhando diretamente para Cato, tentando mostrá-lo como se reagia apropriadamente a uma notícia daquelas.

— Meia boca. Eu ainda voto pro Cato – Wade disparou. – Ele mostrou mais paixão.

O baque de uma cadeira despencando no chão foi ouvido enquanto Cato bruscamente se levantava dela e avançava na direção de Wade. Gritos vãos de “porra, não” se seguiram até Magnus e Enobaria o segurarem. Seus dentes, de tão cerrados, podiam se partir a qualquer segundo.

— Ei, ei! Calma! Volta pro seu lugar, Cato!

— Eu vou te matar – ele rosnou, ainda tentando se livrar e alcançar Wade. Como um animal, Cato se debateu e quase derrubou a mesa em sua sede de sangue. Wade, só levemente pego de surpresa, ergueu as mãos em uma falsa desistência e se levantou. – Lembra disso, seu filho da puta, você está morto.

Normalmente, reuniões de qualquer natureza no Distrito 2 acabavam assim.

Clove, como sempre, não se mexeu. Ela nem conseguia. Ela estava congelada, olhando para Cato e se lembrando de como sua expressão parecia exatamente a que ele usava na arena.

Ele pertencia lá?

Se ele matasse mesmo Wade, a resposta para essa pergunta seria um sim. Então ele não podia encostar um dedo nele. Ele tinha que pertencer ao Distrito 2, sendo o único toque ao qual ela reagia de verdade, a única pessoa que se prestava a cuidar de seus ferimentos depois de causá-los.

Quando conseguiram o sentar de novo, Clove sustentou seu olhar e gesticulou com a boca “segura as pontas”. Seus olhos, em alguns segundos, voltaram ao tom de azul normal.

Não.

Cato não pertencia em lugar nenhum que houvesse muita escuridão. Ele era o tributo perfeito para o Sol. Ele era feito para rir muito alto e para não precisar pensar direito em seus atos descuidados.

Clove quase sorriu para ele. Ela quase se esqueceu de que ele ia morrer se ela continuasse o olhando daquele jeito.

(E era exatamente por isso que ela não conseguia exatamente terminar as coisas).

— Isso tudo apenas ressalta a conclusão de que Brutus é o mais qualificado para ir nos representar no Massacre – Lyme tomou a palavra. – A melhor sugestão é encerrar essa reunião e nos darmos por satisfeitos com os resultados. Temos nosso tributo masculino e feminino. Estamos bem representados. 

Os outros Vitoriosos, pouco impressionados mas levemente dúbios com a demonstração de ira que havia acabado de acontecer, assentiram hesitantemente. Porque... eles deveriam deixar aquilo daquele jeito? Um garoto que tinha acabado de vencer tinha atacado um Vitorioso porque não queria honrar seu distrito? Não queria cumprir seu dever? Ele era um pária agora? Cato, o garoto de ouro deles? Eles deviam puni-lo?

Contudo, Lyme sabia ser incisiva. Ainda mantendo os olhos desgostosos na figura arquejante de Cato, Brutus se pronunciou:

— Está feito, então. Zenobia, espero você amanhã para darmos início ao treinamento.

E ninguém se importava que eles fossem ter que se matar lá dentro. Tudo estava bem.

— Reunião encerrada.

— Anda – Clove chamou Cato no instante em que Brutus fechou a boca. Não havia necessidade de outra tentativa dele de alcançar Wade. Também de nada serviria um sermão de Leonis sobre honra e dever. Ela agarrou o pulso de Cato e não soltou até que eles estivessem fazendo o caminho de volta para a Aldeia, quando ela o largou como se sua pele queimasse a dela.

Sem uma palavra, eles seguiram.

Cato ainda tinha a conversa dela com Dom e sua surpreendente clara tensão quando seu nome foi cogitado quando, quase com medo, alcançou sua mão e, entrelaçando seus dedos, a apertou por alguns longos segundos antes de soltá-la delicadamente.

Clove, jamais olhando em seus olhos, não se esquivou.


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Notas finais do capítulo

Tão bom eles ficarem "terminados" por um total de NEM UM capítulo, né? Kkkkkk ai gente mas é porque se não a história vai ficar muito comprida e de qualquer forma eles ainda não tão naquela ousadia de sempre. Esse cap aqui tem algumas dicas sobre rolos que virão e o próximo é com certeza um dos meus favs, então atenção.
Muito obrigada por terem lido e espero que esse ano seja muito incrível e cheio de realizações ♥ Espero também que todos tenham muita força pra passar pelo que quer que tenhamos que passar, lembrando sempre que toda lição é válida e que estamos aqui pra aprender. Então.... Beijão e até o próximo ♥



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