Valsa para Lua. escrita por Wanderlust


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

Músicas: (*) http://www.youtube.com/watch?v=jJqYjL4kia8
(**): http://www.youtube.com/watch?v=zJx_4BEY1-M



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As notas ecoavam pela casa vazia. Meus dedos brancos e finos caminhavam calmamente sobre as teclas de marfim. O piano de calda branco foi um presente de meu pai. Com detalhes em preto e alguns desenhos em alto relevo de flores e pássaros, meu nome se entrelaçava em uma letra delicada e elegante ao lado do teclado.

As primeiras notas eram calmas, delicadas – dei uma pausa e suspirei. -, a próxima parte da musica era mais rápida, com mais notas, porém tão delicadas como o começo. A composição se estendia assim por grande parte da musica, para que na hora certa ficasse mais pesada e rápida, e logo depois voltasse à calmaria. Uma calmaria sombria, entretanto doce.

Sur Le Fil era uma musica linda. Yann Tiersen era sem duvida um compositor maravilho. (*)

E era assim que eu me sentia. Calma, serena; Mas uma calmaria perigosa, misteriosa. Uma calmaria que estava na espreita, esperando para atacar.

Suspirando profundamente eu me levantei do banco negro com um estofado em cetim vermelho e caminhei lentamente para a varanda. Era verão e Londres se encontrava mais abafada, permitindo eu usar um vestido soltinho em cor verde escuro e sapatilhas. A lua cheia enchia o céu com toda a sua grandeza e brilho, as estrelas eram meras súditas que enfeitavam o céu mais ainda.

Um vento fresco veio do norte e com ele o cheiro suave de chocolate, vindo da loja de trufas que tinha ao norte do quarteirão. Meus cabelos loiros médios se agitavam com a brisa fresca e suave. Permitir-me fechar os olhos e aproveitar a sensação de liberdade.

Há tempos que eu não me permitia relaxar.

Liam estava completamente distante, longe o bastante para não perceber que o dia do meu recital na London Royal Academy Of Music estava se aproximando, que eu precisava de seu apoio agora mais que tudo. Meu sonho estava preste a ser realizado. Era meu ultimo teste para me formar em musica na University of London. Seria uma honra me formar aonde as maiorias dos músicos influentes do Reino Unido estudavam.

Mas ele estava ocupado demais com o trabalho. Seria egoísta o bastante para que eu pedisse que ele largasse seus compromissos para ele me dar apoio. Isso eu teria que fazer sozinha.

E eu era auto-suficiente o bastante para não precisar do apoio dele.

Ouvi o barulho da porta se abrindo e eu abri os olhos. Voltei para a sala e encontrei Liam jogado no sofá, seu cabelo curto estava bagunçado, a camisa preta estampada amarrotada e seu pescoço com marquinhas roxas.

Prendi o ar em meus pulmões e ignorei a ardência que começou a irritar meus olhos e nariz. Fecheis os olhos com força e soltei o ar calmamente.

“Ele tem uma explicação decente para isso. Claro que tem”.

— Liam? – para meu grande desespero minha voz saiu tremula e com uma dose de magoa evidente.

O moreno dos olhos castanhos mais doces que existiam no planeta se virou para mim. Porém os olhos castanhos estavam opacos e frios, vermelhos. Assim que seus globos oculares pousaram em minhas pernas um sorriso malicioso cresceu em seu rosto.

— Dianna. – sua voz naturalmente rouca estava mais grossa. Ele se levantou e veio lentamente em minha direção. A cada passo que ele dava seu sorriso crescia, se tornando algo medonho até mesmo para ele.

Minha consciência mandava avisos urgentes para meus membros inferiores. “Saia daí! Vamos. Corra!”, mas minhas pernas continuavam no mesmo lugar.  Eu continuava no mesmo local paralisada com uma mão segurando meu pingente de duas estrelas pratas entrelaçadas e a outra agarrando o tecido do meu vestido na altura da coxa.

— Minha doce e inocente Dianna. – um arrepio subiu pela minha espinha e eriçou todos os pelos dos meus braços, pernas e pescoço. De alguma forma eu consegui ter o controle de minhas pernas e dei um passo para trás. – Com medo, Dianna?

Eu apenas balancei a cabeça negando.

Liam piscou e no segundo seguinte ele me pressionava contra a porta da varanda. Suas mãos passaram lentamente dos meus ombros até as minhas coxas, onde deu um aperto forte. Forte o bastante para eu soltar um gemido de dor, que obviamente não foi interpretado da forma certa pela sua mente bagunçada. Liam deu um sorriso sádico e me encarou nos olhos. Os castanhos que antes eram tão doces e amáveis estavam secos e opacos. Com uma das mãos ele agarrou meus cabelos pela nuca e os puxou agressivamente para o lado, deixando meu pescoço exposto. Senti a vibração de seu riso fraco em meu corpo, por conta da pressão que ele fazia de seu corpo contra o meu; Logo depois eu senti seus lábios molhados em meu pescoço, o senti sugando minha pele sensível com força. Uma dor aguda vibrou em meu pescoço com o seu centro na recente marca que Liam tinha feito e agora mordia com força.

Minha mente foi desperta pelo choque que a dor me fez passar. Levei minhas mãos para seu peito musculoso e usei toda a minha força para empurrá-lo.

— Para! – choraminguei. – Por favor, Liam.

Ele me encarou sério. Seus olhos escuros mais que o normal.

— Você é minha. – ele pontuou. Passou seu polegar embaixo dos meus olhos enxugando as lagrimas que eu nem percebia que tinham transbordado. – Não chore, Dianna. Não seja fraca.

— O que aconteceu com você?

— Nada. – e ele saiu para o quarto de hospedes.

[...]

— Você está linda, Dianna. – Samantha disse assim que deu uma ultima pincelada de blush em minhas bochechas. Ela sorriu e amarrou os cabelos castanhos claros em um coque bagunçado. – Minha pequena bonequinha de porcelana.

Hoje era o dia do meu recital. Eu estava uma pilha de nervos. O acontecido com Liam estava quase esquecido. Depois que ele foi se deitar eu não o vi mais. Ele saia enquanto eu dormia e voltava quando eu já estava dormindo. Isso fazia três semanas. Eu soube por Perrie que os ensaios e compromissos da banda tinham acabado naquela noite. Os meninos tinham ido com suas namoradas passar alguns dias em suas cidades natais.

Os meus convidados para o recital consistiam em Samantha, Julieta e Johnny; Liam estava na lista, mas eu sabia que ele não viria. Hoje de manhã recebi flores e mensagens dos meninos me desejando boa sorte.

— Você está tão linda. – eu me encarei no espelho e sorri com o resultado. Meus cabelos estavam com a metade solta e metade presa em uma trança trabalhada. Meu vestido era branco todo em renda, com uma faixa dourada entrelaçada desde a minha cintura até o pescoço, formando a alça. Eu calçava uma sapatilha bege clarinha com um laço discreto em rosa choque. Meus lábios estavam pintados em vermelho e meus olhos azuis eram destacados por uma camada generosa de rímel e delineador, minha franja caia por cima dos olhos, fazendo sombra, me deixando com os olhos misteriosos.

Samantha amarrava o laço do vestido e jogou meus cabelos ao longo de minhas costas.

— Eu vou indo para a platéia. – me deu um aperto de mão e um beijo na testa. – Boa sorte, princesa.

E ela saiu do camarim improvisado.

Sozinha eu me deixei ficar desesperada. Eu precisava do meu namorado ali comigo. Eu sempre soube que precisava dele para me sentir segura, eu sempre soube que ele era meu porto seguro. Mas eu ignorei esse sentimento e o deixei ir.

Procurei meu celular no meio da montanha de roupas encima do sofá preto. Assim que eu o encontrei eu desbloqueei a tela e, respirando o mais fundo eu podia, digitei uma mensagem rápida.

“Eu preciso de você aqui. Pensei que viria para o recital. Te amo. Xx – Dianna”

Fechei os olhos e fiz uma prece mentalmente. Pedindo ajuda e apoio divino.

— Dianna. É agora. – um garoto da minha idade mais ou menos, totalmente de preto, abriu a porta e sorriu. Sai do camarim tremendo e encontrei um piano preto de calda no meio do palco. As cortinas vermelhas fechadas. – Boa sorte.

Sentei-me no banquinho e respirei fundo. Escutei me anunciarem e a luz do refletor me cegou por alguns segundos, piscando rapidamente consegui olhar o sinal do produtor do evento para que eu começasse a tocar. Passei minhas mãos lentamente sobre o teclado e toque a primeira nota. E a imagem de minha tia se projetou em minha mente. (**)

A imagem de uma garotinha loira, com medo dos gritos dos pais no andar de baixo. Que fugia todas as noites de brigas pela janela e corria cinco quarteirões para se refugiar na casa da tia. E essa tia a segurava no colo e a levava para o quarto de hospedes, a deitava doce e delicadamente na cama e lhe afagava os cabelos, cantarolando musicas da época até a garotinha dormir.

Certa vez, essa tia fez algo diferente. Ela pegou a garotinha no colo, deitou-a na cama e se sentou ao seu lado, mas ela não lhe afagou os cabelos, muito menos cantarolou alguma musica. A mulher lhe abraçou pelos ombros e contou uma historia.

“Certa vez, não sei se foi há dez minutos, dez dias, dez anos ou dez séculos atrás. Mas eu caminhava pelas nuvens. E assim como quando eu era tão pequenininha como você, as nuvens realmente são feitas de algodão doce, e, que algumas pessoas depois de mortas viram nuvens também. E eu fiquei maravilhada com isso, querida. Conheci varias pessoas legais, pessoas que valem a pena conhecer. E o fato de eu caminhar pelas nuvens, nada mais se devia porque eu estava precisando de um tipo de proteção. Todos precisam de proteção, meu amor; Você pode não acreditar, mas existem muitos anjos ai a solta, ao redor do mundo; E eu sai procurando eles, pois assim como na minha infância eu achava que os anjos estariam nas nuvens, tocando harpas. Depois de conhecer varias pessoas eu parei na frente de uma pessoa. Ela se chamava Charles Chaplin. E eu perguntei para ele: “Hei, Carlitos, como eu faço para achar um anjo por aqui? Estou a procura dele tanto tempo” e o Charles disse que eu não acharia anjos pelas nuvens, ele disse que eu acharia um anjo lá na lua. Então, eu dei um salto enorme e fui parar na lua. E quando eu cheguei lá eu reparei que os anjos eram realmente como eu imaginava, com cabelos cacheados e olhos claros. E sempre que eles se aproximavam ou falavam comigo uma melodia era ouvida. A valsa para a lua.”

E a mulher começou a cantarolar para a menina.

A menina era eu. E a mulher era minha tia Luna.

Naquela noite meus pais discutiram realmente. Minha mãe foi embora, me deixando sozinha com um pai autoritário demais. Minha tia sempre cuidou de mim, desde meu seis anos, quando mamãe foi embora. Quando eu fiz dez anos ela descobriu que tinha um tumor cerebral em fase terminal e seis meses depois faleceu. No dia de seu enterro eu prometi que tocaria a Valsa para a Lua. A canção que ela cantarolou para mim nos meus momentos mais difíceis.

 Enquanto meus dedos corriam pelas teclas de marfim eu enfim entendi que eu tinha encontrado a minha lua. Que eu tinha encontrado o meu anjo. Liam era meu anjo da lua. Eu me sentia protegida ao seu lado, como se nada pudesse acontecer comigo. Eu o amava com cada fibra, célula do meu corpo. Eu o amava como a minha vida.

Não importava que ele estivesse ausente no momento, não importava que ele não estivesse comigo ali. Eu o amo.

Com os olhos fechados e canalizando todos os meus sentimentos para as pontas dos dedos. Eu me sentia brilhar. Eu sabia que em algum lugar acima das nuvens, tia Luna me olhava sorrindo com seus olhos mel suaves. Eu sentia as lagrimas escorrendo pelo meu rosto, eu sentia meu sorriso crescendo sincero.

E eu toquei a ultima nota.

Olhei para cima e encontrei os olhos negros de meu professor, brilhando de lagrimas contidas e um sorriso tão sincero quanto suas feições. O barulho das palmas me despertou para o publico e eu me levantei, olhando sorrindo para as pessoas de rostos diferentes, mas com um sentimento em comum. Fiz uma pequena reverencia e as cortinas se fecharam.

Eu estava realizada. Nada poderia me deixar triste.

[...]

Goethe disse que às vezes há erros na vida que são mais nobres que muitos acertos, pois eles nos levam à aprendizados que nenhum acerto poderia nos levar.

Eu nunca tinha concordado com isso. Como erros podem sem mais nobres que acertos? Mas, mais uma vez a vida me surpreende.

Era sete da noite quando eu cheguei ao apartamento em que eu morava com o Liam. Depois do recital eu procurei o Liam por todos os lugares, mandei mensagens e fiz ligações. Nenhuma delas era retornada. Samantha me fez esquecer um pouco tudo aquilo e me distraiu, me levando para um pub que ficava perto do teatro onde eu me apresentei.

Assim que eu abri a porta do apartamento eu reparei que a mesa de centro estava bagunçada e que sofá estava fora do lugar. Primeiramente eu pensei que eu tinha sido assaltada, mas depois eu pensei o pior quando ouvi barulhos que viam do meu quarto.

Com meu celular na mão e uma frigideira na outra eu caminhei em passos lentos e cautelosos para a porta branca. Eu a abri.

Não era um ladrão. Não, não era. Era algo pior, devastador.

Foi tão forte a pontada que me atingiu no peito que eu cambaleei para trás, encostando na porta e fazendo ela se fechar com um clique surdo. Eu estava completamente anestesiada. A dor que me fez perder os sentidos por alguns segundos se foi e a única coisa que eu sentia era o vazio. Eu podia ouvir meu coração se quebrando como se fosse de porcelana, podia ouvir o barulho os cacos caindo sobre o chão. Os dois não me notaram ali. Eu continuava com o celular e a panela na mão.

Um som sombrio ecoou pelo quarto, abafando os sons que viam dos dois.

Eles se viraram para mim assustados. A garota morena de cabelos cacheados e olhos negros sorriu. E Liam me olhou assustado. E foi ali então que eu percebi que o som sombrio veio de mim. Um soluço preso na garganta.

Soltei a frigideira no chão e sai do quarto, já estava com minha bolsa em mãos e quase alcançando a porta quando me puxaram pelo braço.

— Dianna, eu... Desculpe-me. – eu não conseguia lhe encarar os olhos. – Eu realmente sinto muito.

E foi ali então que eu percebi que Goethe estava certo. Às vezes os erros são mais nobres que os acertos.

— Por quê?

Liam me olhou surpreendido.

— Eu não te amo mais. – suspirou. E por incrível que pareça aquilo não doeu tanto quanto eu imaginava que doeria. – Eu tentei me convencer que eu ainda te amava, mas eu não consegui. Conheci Danielle há alguns meses e eu me apaixonei por ela. Perdidamente.

Meus olhos fixos no carpete bege se ergueram e encontraram o chocolate atormentado dos olhos de Liam.

— Você poderia ter contado tudo isso no começo. Evitaria muitos problemas. – e dessa vez eu me surpreendi. Minha voz não saiu chorosa, ela saiu calma, serena.

— Você é boa demais para mim, Dianna. E foi pensando nisso que eu não lhe contei nada. - pegou minhas mãos entre as suas e as apertou carinhosamente. – Eu acho que não tive muito êxito nisso.

Eu sorri e lhe dei um beijo na testa e sai pela porta. Sem dizer uma palavra. Sem dizer adeus.

Agora eu me vejo encarando o teto de um hotel em Paris. Feliz, incrivelmente.

Hoje eu acordei sem ter quem amar, mas aí eu olhei no espelho e vi, pela primeira vez na vida, a única pessoa que pode realmente me fazer feliz, me proteger e ser meu porto seguro. A única pessoa que poderia ser meu anjo da lua.

Eu.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Comentários são bem vindos.
Mick.



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