Alvorecer Rúnico escrita por Maria Gabriella


Capítulo 2
Quanta Redenção Há em um Barco?


Notas iniciais do capítulo

Voltei! Agora trago um pouco de Yasuo para vocês, apesar de ele ser quase 100% de ban :P



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YASUO

 Alguns trocados se derramaram das mãos do Imperdoável diretamente para o bolso do vendedor de bebidas. O homem mordiscou cada tostão antes de efetivamente guarda-los e depois entregou meia garrafa de algo amargo. Yasuo franziu a testa, mas não disse nada, apenas bebeu. Ainda assim, o homem sentiu-se na obrigação de explicar.

— É o que dá pra pagar com esse valor. — Seu timbre era esganiçado e tinha um arrastar na voz característico dos charlatões de Águas de Sentina. O grande barco atracado logo atrás é dele, soube imediatamente. Aquele homem não era de Ionia.

— Preciso beber algo mais decente.

— E eu preciso que me pague melhor, se quiser comprar outra coisa. — O espadachim engoliu em seco, soltando um amargo suspiro antes de responder.

— Quero que me leve para onde estiver indo. Não vou achar o que busco em Ionia. — É provável que não ache em lugar nenhum, pensou com tristeza, porém não deixou que as palavras saltassem de seus lábios. — Não posso pagar agora, mas assim que puder...

— Assim que puder me pagar, terei prazer em levá-lo, sim. — Mostrou-se firme em sua posição. — Vá embora caso não tenha nada a oferecer fora suas palavras traiçoeiras.

 Não há cura para os tolos, concluiu. Mas, apesar de sentir-se tentado a xingar aquele pirata que chamava a si mesmo de mercador, não podia culpa-lo pela desconfiança. Se eu não posso exigir confiança de meu próprio povo, como esperaria isso de um tipo como ele? Girou os calcanhares com o intuito de afastar-se do porto. Não sabia por que tinha ido parar em Qaelin, não encontrara lá mais redenção do que em Navori, quando os anciãos admitiram o erro que cometeram ao culpa-lo pela morte de Souma, seu antigo mestre. Não o matei, todos sabem, e fui perdoado pela deserção. Mas ainda não tenho honra e assassinei um filho de minha mãe.

— Espere. — Era a voz arrastada do dono do barco, Yasuo parou para escutar. Ele podia ver algumas folhas vermelhas pelo chão, ao lado de seus próprios pés. Haviam caído de uma árvore grandiosa, com mais de cinco metros de altura e tronco grandessíssimo, que ficava na vila. O vento as trouxe aqui, como também fez comigo e com todos os marinheiros. — Pensando bem... Eu não te darei a bebida, mas posso te levar, sim. Existem muitos perigos que rondam um mercador como eu. Piratas, feras do mar, corsários... — Yasuo virou-se para mirá-lo. Que tipo de homem justo teme um corsário? — Sim, sim, sim, você pode me dar proteção. Vejo que tem uma grande espada e alguma habilidade para usá-la... Se defender meu navio... Caso contrário, fique aí.

 Uma fungadela terminou o discurso irritante do homem e o espadachim do vento concordou com a cabeça. Preciso ir embora de Ionia e só retornarei quando minha honra for restaurada. Yasuo adentrou a embarcação lentamente, refletindo se era o melhor a se fazer. Alguns homens esvaziavam o navio, outros comercializavam ali no próprio porto, especialmente bebida. Sempre há marujos frustrados e homens como eu prontos para dar a vida em troca de um copo. O que surpreendeu, no entanto, foi que alguns caixotes eram trazidos e não deixados. Deve ser carga ilegal, concluiu de repente que toda aquela mercadoria era uma grande fachada. Não era nada honroso colaborar com tudo aquilo, porém as circunstâncias não lhe deixavam opções.

— Eu gostaria de estar em Zhyun. — A frase saltou de uma boca que não era a sua e lhe obrigou a procurar a pessoa. Uma moça baixa, franzina, com olhos profundos como uma castanha e cabelos quebrados da mesma cor, porém um pouco mais desbotados, encostou-se à amurada do navio em que o espadachim estava. — Quer alguma coisa para tomar?

— Não tenho dinheiro, me deixe em paz — respondeu secamente. Era provável que a garota tivesse entre treze e quinze anos, apesar disso andava descalça pelo convés e carregava uma taça de algum licor forte, o que dava a entender que era parte da tripulação há muito tempo.

— Não entendo porque há um porto aqui. O trajeto é mais difícil e sempre há muitos naufrágios por causa das rochas. Alguns chamam de Caminho da Serpente, porque é todo curvo e complicado... Mas a corrente leva para Basilich e se estivéssemos em Zhyun acabaríamos em Águas de Sentina ou Mudtwon.

— Basilich fica em Noxus. O que estão indo fazer lá?

— Já provou leite de ibik? — A menina mudou drasticamente o rumo da conversa e se afastou, apressadamente. Yasuo acompanhou-a com os olhos, vendo seu pisotear gracioso e pela madeira do convés em busca de alguma coisa. O jarro que antes segurava ficou parado ao lado de um caixote qualquer e ela desceu apressada as escadas do navio. Me lembra alguém... Taliyah. Conhecê-la me fez lembrar de quem eu posso ser, mas o destino nos separou, como o vento faz com cada monte de folhas no outono. Em um piscar de olhos, a garota retornou trazendo um recipiente com líquido dentro. — Aqui. — Entregou-lhe. — É uma pequena porção, mas é o suficiente para provar. Não podemos beber isso sempre. Na verdade, só quem bebe é o senhor Buuht, o homem que te chamou para o barco. Ele detesta que mexam nas coisas finas dele.

— Eu não vou tomar o que não é meu.

 E, mesmo assim, bebericou o leite. Era muito diferente de tudo que já havia tomado, tão doce quanto... Não há como comparar com nada, constatou. De repente um flashback invadiu sua mente, trazendo memórias da infância. Já havia bebido antes, mas faziam décadas e o gosto amargo do licor lhe fizera esquecer. Lembrou de seu irmão correndo pela grama e de lanchar abaixo de alguma grande árvore com a família e, então, o sabor da doçura lhe invadiu o paladar. Éramos pobres, mas minha mãe comprava sempre nos nossos aniversários. Isso é caro, mas era a bebida favorita de Yone. Tão nobre quanto ele. Devolveu-lhe o recipiente e, apesar do líquido, sua face estava ainda mais ácida do que antes.

— Azedou? — A moça cheirou para ter certeza que não e um olhar confuso saltou de seu rosto.

— Responda-me por que vão para Noxus ou me deixe em paz, criança.

— Negócios. Somos vendedores, o que mais faríamos? — Engoliu o leite todo de uma vez. — E eu não sou uma criança. Meu nome é Lyahnine. Ly-ah-ni-ne. Eu soletro para ficar mais fácil de entender, mas pode me chamar de Lyah ou de Nine.

 Lyahnine. Então é de Ionia? Mas fala como uma pirata e vive entre eles. Será que foi raptada?

— Onde estão seus pais?

— Minha mãe era uma sacerdotisa menor de Nagacáburos e meu pai um espadachim Wuju. Ou talvez fosse o contrário. Alguns dizem que minha mãe era uma Serpentina e meu pai um ninja que deserdou. Ele também pode ter sido um lutador bravo que morreu durante a Invasão Noxiana e ela uma jovem meretriz apaixonada pelas artes de Ionia. Eu não sei em qual história acreditar. — Yasuo se compadeceu de imediato. Ele poderia ser um indigno, mas ao menos tinha passado. Aquela criaturinha não tinha nada. Como vai ser alguém se não conhece sua própria origem? Às vezes era melhor vir da lama, como o lótus, do que não vir de lugar nenhum, como as criaturas do Vazio. — Escolhi quando tinha cinco anos e meio. Não sei ler, mas decorei as figuras e alguns marinheiros me explicaram o som que faz. — Encolheu os ombros. — Encontrei um livro caído e trouxe para o convés. Havia o desenho de uma donzela bonita e esse era seu nome. Agora é o meu. Sabe o que significa?

 Yasuo suspirou, cansado daquela conversa toda, e negou com a cabeça. Por um segundo pensou em se atirar da amurada para fugir das palavras da garota. Cairia na água e poderia nadar de volta para terra firme, talvez ficar em Qaelin não fosse algo tão ruim. Quando ia fazê-lo, porém, ouviu a voz de Buuht lhe avisando que poderia dormir em uma das camas do porão.

Twisted Fate

 Abrir os olhos foi a parte mais difícil, porque a claridade do lugar era digna de cegar alguém. Piscou várias vezes até conseguir e, com a vista embaçada por gotículas de água, observou ao redor. Ainda ouvia o barulho da chuva da noite anterior, mas não parecia possível que uma tempestade durasse tanto tempo e não inundasse a ilha.

 Seu braço direito estava completamente enfaixado com alguma coisa e ardia. Entre os curativos e a carne podia sentir algum medicamento, muito provável que tenha sido cuidadosamente despejado para evitar infecções. Ainda temia a morte, porém se havia acordado, estava mais seguro do que sonharia há algumas horas. Em suas pernas e coxas tateou pequenos pedaços de gaze centralizados. Não doía tanto.

— Ele acordou. — Era a voz de uma senhora idosa e trêmula. A princípio pareceu dizer para si mesma, mas logo o mago visualizou outra silhueta, de Graves. — Não tinha hora pior. Temos que limpar os ferimentos e trocar de curativos.

 Ninguém respondeu. Graves deu um meio sorriso quando encarou o companheiro, Twisted não saberia dizer o motivo. Observou-o se afastar quando a senhora se aproximou.

— É melhor que eu dê algum anestesiante... — Fate engoliu em seco. — Onde será que eu deixei?

— Não. — Sua voz soou tão rouca e tão improvável que nem ele acreditava no que havia dito. — Não... Quem... é você?

 A mulher não respondeu, apenas seguiu procurando por alguns minutos. Pareceu não encontrar nada, então pegou a gaze e se aproximou de Twisted. Ele segurou o gemido de dor o máximo que pôde — ou seja, por dois segundos. Enquanto o ferimento era limpo e os curativos trocados, sua expressão era de dar pena, totalmente frágil e dolorido. Recuperou a postura quando a senhora se afastou. O fato de suas mãos tremerem o irritou profundamente. Graves não podia ter encontrado pessoa mais capacitada.

 Pensou que iria dormir, mas não conseguiu. Sentia a agonia em todo o corpo e quando alguém lhe tocava era como ser mordido novamente. Nunca vou esquecer dos dentes afiados daqueles malditos ratos. Passou o tempo devaneando e com fome. Em dado momento tentou erguer-se, achou que conseguiria ficar sentado, mesmo que se apoiando em um único braço. No entanto, quando se dobrou para sentar, a dor das espinhadas nas costas foi tamanha que caiu fortemente. Se eu ficar nessa cama por mais um segundo, morro.

 Foi quando Malcolm apareceu. Um pigarro do comparsa chamou a atenção de Twisted.

— Finalmente você veio. — O Mestre das Cartas sentiu seu orgulho ferido por não conseguir sentar-se, porém decidiu fingir que apenas tinha vontade de ficar deitado.

— Finalmente você acordou — corrigiu. — Estive aqui três ou quatro vezes desde ontem e nada.

— Mas eu não estava dormindo... — A voz soou tão baixa que Graves sequer ouviu. Twisted tateou seu braço e notou, sem maiores complicações, que o curativo era novo. Provavelmente desmaiei sem perceber. Minha consciência deve ter oscilado. Aquilo lhe assustou um pouco, embora não quisesse transparecer. Talvez esteja morto e não saiba.

— E você estragou todo o nosso plano. Não tenho muito o que dizer, fora que salvei a sua vida.

— O quê? — Sobressaltou-se. Não sabia se lhe ofendia mais a ideia de ter fracassado ou de ter pensado em algo tão ruim quanto aquilo. — Não, o plano foi seu. Inteiramente seu, Graves. E eu agi conforme foi combinado. Foi o pior projeto que já vi na vida.

— O pior, não. — O Foragido segurava um cachimbo. De onde ele pegou isso? — E só deu errado porque você não cumpriu com a sua parte. Estou com a chave, falta o baú.

— Eu estava lá dentro, okay? — Twisted Fate bufou, claramente irritado pelas acusações do amigo. — Usei minha magia para entrar. Estava escuro e decidi destrancar a porta, deixa-la aberta porque tudo iria ser muito rápido... pegar a arca, sair... — eventualmente virar comida de rato, pensou, contudo não disse. — Mas quando eu me virei, não vi nada, absolutamente. Te passaram a perna, Graves, seja lá quem te disse que há um baú lá dentro, mentiu.

 — Não, não. Tem uma arca lá dentro. Não importa quem me disse.

— Eu estava lá e digo que não tem nada. Só ratos. — Estremeceu. — Caminhei no escuro, segurando nas paredes e, quando percebi, haviam centenas dessa criatura em volta de mim, roendo minha carne como se fossem você em busca de ouro. Repito: não há nada lá dentro, só ratos do cais. Ratos do cais, Graves! Você me mandou para a morte.

— Ah, coitadinho. — Twisted revirou os olhos ao perceber o deboche. — Essa é a sua primeira noite em Águas de Sentina, Fate? Tudo bem, me deixe anotar. Você não sabe nadar, não sabe o que são ratos do cais...

— Abaixa a bola, esquentadinho. — Alguns minutos se passaram sem que a conversa fosse retomada. Malcolm terminou seu charuto e jogou-o fora, por uma janela que havia no cômodo. Quando ele pisava, a madeira parecia estremecer e Twisted soube, de repente, que estavam na melhor parte de Águas de Sentina, no topo. — Para onde me levou?

— Estamos perto de um templo qualquer da Mãe Serpente. É o lugar mais próximo que eu conheço que iriam tratar de você, deveria me agradecer e não somente reclamar. — Aquilo não respondeu as dúvidas do feiticeiro, como Graves facilmente percebeu. Ele soltou o ar de seus pulmões antes de completar. — Fui criado alguns andares pra baixo, então quando ficava muito ferido em alguma briga... Essa mulher é velha e babona, mas boa no que faz. Sei que vai sobreviver.

 Twisted encolheu os ombros. Águas de Sentina era um amontoado de construções, uma por cima da outra e, enquanto mais alto você estivesse, mais importante era. Pontes de cordas que balançavam muito em dias de tempestade, andaimes e escadarias serviam de ligação entre um lugar e outro. Alguns estabelecimentos acabavam de repente, no mar. Twisted já era tão acostumado a viver ali que não reparava no barulho, nem estranhava a perigosa arquitetura. Mas, quando Graves citou ter vivido alguns andares abaixo, provavelmente no convés de Águas de Sentina, ouviu vozes bêbadas e vestígios de confusão.


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Notas finais do capítulo

Quero agradecer todos os acompanhamentos e visualizações! Espero que estejam gostando! E sintam-se à vontade para comentar, prometo que sou um amor ♥



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