Viva la Vida escrita por whatsername


Capítulo 8
Best of you


Notas iniciais do capítulo

Oi berinas, turu bom?
Então, berinas, hoje vamos fazer um tutorial de como não virar um elfo doméstico com a escola e...
Ok, parei.
Oooiii
Xegei
Eu demorei uma semana pra postar, eu sei, mas é que minhas provas recomeçaram e eu me transformei de novo num espírito anti-social que só estuda. Chorem por mim, obrigada.
Quero agradecer muuuuuito a Cor das Pavras e a Beezus que está comentando e interagindo nos comentários, eu morro de rir lendo as teorias e os comentários de vocês! Obrigada mesmo!
Bom, pelo mesmo eu acho que o tempo compensa, porque esse cap tá maior do que esperança de pobre. Vocês verão.
Acho que é isso. Comentem e deixem reviews (eu amo) e espero que gostem! Até depois pessoas.



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"I've got another confession to make

I'm your fool

Everyone's got their chains to break

Holding you

Were you born to resist 

Or to be abused?

 

Maya

Ok. Agora tudo faz sentido.

Aya ainda está no chão, observando eu e Nico.

—Ah, tá - fala ele, que parece meio em transe.

Não falo nada, porque não sei o que dizer. Belo momento para ser lerda, Maya.

—Que merda hein - continua Nico, catatônico.

Aya revira os olhos, levanta e dá um tapinha na cabeça dele. Percebo que seu curto período de autopiedade acabou.

—Hã, e o que você vai fazer? - pergunto, incerta.

—Não faço ideia. Minha mãe obviamente já sabe que ele está vindo atrás de mim, até porque ele já foi atrás dela. A única coisa que posso fazer é continuar vivendo normalmente. Nós não chamamos a polícia ainda porque nunca o vimos mesmo, ele nunca nos ameaçou diretamente, mas deixa algumas mensagens. Por isso eu demorei tanto pra falar com vocês. Não queria que estivessem envolvidos nisso. Não sei o que ele pode fazer com as pessoas que eu gosto para chegar até mim.

—Ai meu pai - fala Nico, passando as mãos pro cabelo. Percebe-se que ele não é exatamente o tipo de gente que fala as coisas certas em momentos de crise. - Mas, sei lá, vocês não podem ligar pra polícia ou algo assim, avisando que ele está aqui?

—Justamente. Eles acreditam que meu pai tá morto. Vão achar que é trote se eu ligar. Acredite, eu já tentei. Eu também achava que ele tava morto, até uns seis meses atrás. Pra não ser preso, meu pai forjou a própria morte há cerca de oito anos. 

—Porquê você nunca me falou isso? - Nico fala contrariado.

—Não queria envolver mais ninguém que não tivesse nada a ver com meu pai. Já é bem ruim ficar me preocupando com minha mãe o tempo todo, e ela se preocupando comigo.

De repente, tenho um estalo.

—O Walker!

—O que tem o Walker? - pedem Aya e Nico ao mesmo tempo.

—Ele tava vendo o noticiário ontem, lembra? Aya, foi teu pai que assaltou a confeitaria perto do colégio? - pergunto, os pontos se encaixando.

—Bom, eu não tenho como ter certeza de nada, mas acredito que sim. Ele vem fazendo ações mais pequenas e isoladas há cerca de quatro meses, e eu anoto tudo ali - explica ela, apontando para o quadro negro.

—O Walker falou alguma coisa estranha ontem, quando estava indo embora - digo, olhando para ela em expectativa.

—Ele está me ajudando. Ele não tinha nada a perder, e como eu não tenho nenhum laço afetivo com ele, Walker ficaria seguro.

As saídas furtivas dele da aula sem motivo aparente e as ligações misteriosas da Aya fazem sentido agora.

—Tá, agora tudo faz sentido - constata Nico, que ainda anda sem parar pela sala.

—Nicholas, se você continuar sendo hiperativo, vou te dar um pescotapa - Aya declara, vendo o nervosismo dele.

—Tenho certeza que se tem uma coisa que eu não sou é hiperativo - murmura Nico, parando de andar. É verdade, do jeito que esse menino dorme que nem uma preguiça, hiperatividade ele não tem.

 O sinal bate, indicando o final do horário de almoço. Aya suspira, e fala:

—Vamos pra aula, cambada.
                                 •••

O resto da semana passa voando.

Fico atolada no meio dos cadernos de tanto tema que eu tenho, e decido que já é melhor eu ir adiantando matéria para as provas, por isso sempre tenho um livro ou caderno na mão.

Henrique, enquanto estamos sentados na mesa uma tarde, ele com quatro livros de trezentas páginas cada um equilibrados nas pernas e o notebook aberto num simulado e eu copiando a matéria de química do caderno de Aaron, me diz, com cara de ofendido:

—Você só estuda, tá muito sem graça.

O sujo falando do mau lavado.

—E você tá fazendo o quê, plantando batata? - peço, revirando os olhos, sem parar de escrever.

Ouço o som ultrajado que ele faz e rio com satisfação.

Henrique então levanta, pega um achocolatado na geladeira e se senta novamente, tomando.

Levanto os olhos.

—Até tu? - pergunto, e ele dá de ombros.

Dou de ombros também, indo na geladeira e pegando outro achocolatado do arsenal que eles guardam por causa da Charlie. Acho que isso deve ser alguma doença contagiosa só pode. Achocolatadus Obsessius.

Ok, agora eu já fui longe demais.

E então, eu e Henrique voltamos a estudar.
                                    •••

Mais tarde, Aya aparece lá em casa quando eu e Nico estamos numa batalha acirrada para ver quem ganha no videogame.

 Na verdade, acho que não podemos considerar que a batalha está "acirrada", já que Nico ganha de lavada.

Aya se senta no sofá ao nosso lado, se espichado, enquanto come um chocolate e fica assistindo minha fenomenal derrota.

Agora que ela compartilhou a situação delicada da família, Aya parece mais leve, e, às vezes, parece realmente estar livre dos maus pensamentos, vivendo unicamente o momento em que está.

Henrique então desce as escadas, de calça jeans e camiseta azul, com os cabelos ainda úmidos do banho.

Ele para no último degrau da escada, assistindo o videogame por uns segundos, e então constata:

—Maya, você é muito ruim.

O olho com cara de indignação. 

—É verdade - fala Aya ao meu lado, com o olhar solidário.

Reviro os olhos, vendo minha derrota chegar de vez quando Nico se aproxima da linha de chegada.

3, 2, 1...

—AEEEE!

Nico comemora como louco e ele e Henrique fazem um soquinho da vitória.

O olho ultrajada, e Henrique só dá de ombros.

Aya então se levanta, suspirando, e se aproxima de Henrique. Pega cinco libras do bolso e entrega para ele, que pega outras cinco libras de seu próprio bolso e entrega para ela, e eles fazem um cumprimento solene.

Eu e Nico os encaramos confusos, então eles olham para nós e Aya explica:

—Nós dois apostamos em quem iria ganhar.

—Tá, isso deu pra sacar, mas porque os dois deram cinco reais pro outro? - pede Nico.

—Ah, é que tanto eu como Aya apostamos que o Nico ganharia - explica Henrique.

Olho indignada para os dois, que dão de ombros, concordando que tinha sido uma decisão sensata.

—Então qual é a graça de apostar? - pede Nico, franzindo a testa.

—É que, sem querer ofender, sabíamos que o jogo seria tão previsível, então decidimos fazer algo mais inusitado.

—E eu só valho cinvo libras? - pergunto, me fazendo de magoada, mas acho cômico.

—Não, maninha, você sabe que eu te amo, mas acho que fomos bem generosos, porque a sua habilidade no videogame não vale nem um tostão - Henrique fala, se aproximando de mim e me abraçando.

Caímos todos na gargalhada.

                        •••

No dia seguinte, acordo com Henrique me chacoalhando.

—Maya, vamos, você precisa ir para a escola - ele fica repetindo, com a voz rouca e fraca de sono.

O sertanejo modão velho depravado toca ao fundo.

—Vá desligar essa bosta - consigo murmurar, e ele vai para o próprio quarto, resmungando algo sobre minha boca suja.

Me levanto morrendo de sono e pego meu uniforme, indo pro banheiro.

Já é minha segunda semana de aulas, mas não conseguimos sair muito para o centro de Londres no fim de semana, porque eu, Nico e Henrique estávamos atolados em tema e matéria pra estudar e Adam teve de viajar a trabalho, então acabamos ficando por aqui mesmo e eu quase nem saí de casa por causa de tudo o que eu tinha de fazer.

Depois de me trocar, desço pro andar de baixo e vejo que eu não sou a única acabada.

Nico, por incrível que pareça, está pior do que eu.

Ele está se apoiando com as mãos na mesa da cozinha enquanto tenta tomar café.

Enquanto tenta tomar um gole de café, ele erra a boca algumas vezes antes de acertar, e pisca a cada segundo.

—Oi - gemo, me sentando na cadeira ao lado da dele.

—Oi - resmunga ele de volta, tentando me dar um sorriso confiante, mas mais parecendo que está passando por uma cirurgia dentária.

Henrique desce e, como sempre, ostenta o visual de uma capa de revista.

Eu hein, não conseguiria me arrumar bem essas hora da manhã nunca.

Ele pega uma maçã da fruteira enquanto mexe no celular.

—Bom dia, flores do dia - fala ele e eu e Nico reviramos os olhos para ele, que sorri para nós, se divertindo com nosso mau-humor.

 A faculdade de Henrique é do lado oposto da cidade, então ele tem que pegar o trem mais cedo do que nós, e para o outro lado da cidade.

Eu e Nico conversamos pouco através de resmungos e sinais enquanto Henrique, à todo vapor, come a maçã e arruma seus materiais.

Quando estamos terminando de tomar café, ele, que tinha ido fazer alguma coisa na sala, entra na cozinha de novo, colocando a mochila nos ombros.

—Eu vou indo. Tchau, Maya - Henrique me abraça pelos ombros e me dá um beijo carinhoso na testa. - Tchau Nico - ele e Nico fazem um daqueles toquinhos estranhos de garotos.

E então, o furacão Henrique sai pela porta da cozinha, indo agitar algum outro lugar.

Eu e Nico terminamos de tomar café e vamos para a escola, percorrendo o trajeto que já está se tornando familiar para mim.
                                   •••

 Eu e Aya estamos indo para a aula de Física quando Aaron aparece no final do corredor, vindo em nossa direção.

—Oi - ele chega na nossa frente, passando as mãos no cabelo loiro distraidamente e observando o arredor com seus olhos muito verdes.

—O que foi, Aaron? - pergunta Aya tranquilamente. Ele então olha de solsaio para mim, e me dou conta de que ele ainda não sabe que eu sei (?) da situação de Aya.

Aya revira os olhos e diz:

—Ela já sabe, pode desembuchar.

 

Aaron então parece relaxar, se encosta nos armários ao lado displicentemente, como ele normalmente age.

—Você deve ter percebido que... Bem, o seu pai não tem dado as caras ultimamente - ele diz por fim, e Aya assente.

—Não sei por que, mas se ele quiser manter a situação assim, seria ótimo - ela fala com um tom irônico, sabendo que tem algo por trás.

—Você sabe que não é assim, tem algo mais.

Aya assente e Aaron olha para mim.

Abro minha mochila rapidamente e tiro de lá o caderno de química que ele me emprestou semana passada.

—Seu caderno. Obrigada por me emprestar - falo, entregando para ele, que o pega.

—Por nada. Espero que tenha ajudado  - ele responde, olhando adiante no corredor e depois nos encarando de novo. - Bom, é só isso mesmo. Só vim dizer que acho melhor ficar alerta, seu pai não sumiu do nada. Ele deve aparecer nos próximos dias. Preste atenção nos jornais e tal, vai te ajudar a identifica-lo.

Aya assente e Aaron vai embora, seguindo pelo corredor como se nunca tivesse parado

 

Ainda não sei qual é a dele, mas ok.

Eu e Aya entramos na sala de Física e a professora começa a aula, falando de Trabalho, potência, etc. A professora é legal e eu consigo entender o que ela fala, então gosto da aula, que corre sem maiores incidentes.
                                    •••

Num dos intervalos entre as aulas da tarde, eu e Aya estamos sentadas nos bancos do lado de fora do colégio, embaixo da sombra de uma árvore jogando "Quem eu sou?" como duas loucas, quando avistamos Nico.

E ele não está sozinho.

A punk ruiva com um bom gosto musical (dê um crédito, ela ouve Paramore) anda ao lado dele, e eles parecem estar numa discussão acalorada.

—Aiai, mais do mesmo - murmura Aya ao meu lado, chacoalhando a cabeça em reprovação.

—Você é um estúpido - fala a ruiva, parecendo impaciente. Nico tem a mesma expressão no rosto, mas percebo que ele é muito cavalheiro para xingar uma mulher.

Eles vêm até nossa direção, e Aya se senta de pernas cruzadas, como se fosse uma anciã muito sábia.

—O que lhes aflige o coração agora, crianças? - pede ela com voz de cigana Catita.

Ué, memórias brasileiras.

A menina ruiva se afasta e senta a uns metros de nós, e Nico bufa um milhão de vezes.

—Ela é insuportável, sério, não tem...

Aya o interrompe, colocando os dedos sobre as duas pálpebra do Nico, fechando os olhos dele.

—Respira - fala Aya, fechando os olhos com uma expressão plena. - Seus olhos estão pesados, muito pesados. Você...

Nico tira as mãos dela de seu rosto, rindo.

—Cigana Aya.

—Só nas horas vagas - brinca ela.

Uma coisa que aprendi a admirar em Aya: a vida dela pode estar uma grande bosta, mas ela nunca vai deixar os outros para baixo. Ela se esforça o máximo para esquecer os problemas e se divertir.

Rio junto com eles enquanto a menina ruiva põe os fones de ouvido, tira um caderno da mochila e começa a escrever.

—Mas então, o que foi dessa vez? - pede Aya para Nico.

Ele só chacoalha a cabeça.

—O de sempre. Estamos na mesma turma de Geografia, e a Ericson é insuportável. Não tem como.

—Porque você vive chamando ela pelo sobrenome? - pergunto, mas percebo que é meio hipócrita, já que eu também vivo chamando o Walker de Walker.

Nico dá de ombros.

—O nome dela é Genevieve, mas nunca achei que combinasse como ela. É muito delicado.— ao falar isso, ele lança um olhar irritado para Genevieve.

Eu e Aya seguramos a risada.

—Bom, já que você aguenta maisEriscson, vamos vazar - fala Aya se levantando da grama.

Fazemos o mesmo, saindo da sombra da árvore e indo para dentro da escola mais uma vez para morrermos de tédio durante as aulas.

 Quando a aula de Filosofia (sim, isso mesmo) acaba, eu e Nico demoramos arrumando os materiais e conversando, então quando saímos da sala, o colégio já está praticante vazio.

Vamos caminhando pelos corredores para encontrar Aya, que tinha uma reunião com o diretor agora na última aula, provavelmente pra falarem sobre sua posição na escola como auxiliar e tal.

É realmente impressionante como uma aluna tão jovem ganha tamanha confiança da coordenação a ponto de passar a ser parte do corpo interno do colégio. Mas sendo Aya acho que foi muito merecido, porque ela está sempre ajudando a todos, além de ser uma das melhores alunas da escola. Literalmente todo mundo conhece e fala com ela, sério.

Viramos a esquina para o corredor principal e lá está ela, meio assustada, vendo o noticiário com, adivinha, Walker.

Ele ainda usa as calça jeans e o moletom, mas os cabelod loiros continuam bagunçados como sempre.

Olho para a TV (como eu já expliquei, o diretor Fisher instalou uma TV no corredor central, que ele usa para se informar e tal).Começo a prestar atenção e a apreensão de Aya começa a fazer sentido.

O noticiário mostra uma zona na área metropolitana de Londres, e o mesmo homem encapuzado da semana passada arromba uma farmácia.

Os olhos cinza líquidos que me dão arrepios dele encaram novamente uma câmera de segurança antes de ele desligá-la e a filmagem ser cortada.

Os olhos dele. Agora percebo, são os mesmo olhos da Aya. Tão cinza que parece derretido.

Percebo que Aya se esforça para se conter, mas ainda assim ela treme.

Aaron a observa com um olhar ao mesmo tempo solidário e cúmplice.

Nico vai até ela e a abraça, e vejo o quanto eles são importantes uma para o outro. Aya me olha por cima do ombro dele, e há um acordo mútuo. Não podemos mais ficar parados.

Eles logo se soltam, e percebo que todos aqui sabemos que não temos tempo para lamentar, temos que fazer alguma coisa. A situação está ficando fora de controle.

—Eu vou falar com a polícia - anuncia Aya, e Aaron grunhe, concordando.

—Já não era sem tempo. Se a polícia insistir em acreditar que seu pai ainda está morto, o problema é deles. Você já fez a sua parte avisando - ele declara, seguro.

Por incrível que pareça, concordo com ele. Nós não vamos conseguir lidar com isso sozinhos. Não é só mais um joguinho, como Aya falou que era até alguns meses atrás. Ele está claramente ameaçando a Aya e a mãe dela e, no processo, pondo outras vidas em perigo.

Nico e eu assentimos em apoio quando Aya nos olha.

Ela então se afasta, pegando o celular e ligando para a mãe dela.

Aaron passa a mão no cabelo, bagunçando-o ainda mais. Seus olhos verdes vão de um lado para o outro, agitados, intercalando entre o noticiário e a garagem da escola, lá embaixo.

Ele então se abaixa e pega a mochila do chão.

Não sei o porquê, mas ele parece ter uma mania estranha de largá-la pelos cantos sempre.

Vai andando pelo corredor, se afastando, enquanto a coloca nos ombros, mas então para e se vira, me encarando diretamente.

Eu hein.

—Amanhã na aula não esqueça de trazer as coisas para o trabalho de química. Não quero perder nota.

Lembro-me do trabalho que Louis passou hoje mais cedo, e me desanimo.

Acho que quando eu crescer vou escrever um livro. Vai se chamar Escola: a escravidão nos tempos modernos.

Eu também não, então estamos quites - falo alto para ele escutar enquanto dobra o corredor. Por um breve segundo, tenho a impressão de que Aaron sorri. Ele entende o recado. 


                                    •••

Depois de alguns minutos falando com a mãe, Aya volta e anuncia:

—Minha mãe só vai poder ir pra delegacia às seis. Agora são... - ela olha para o relógio da parede. - Quatro e meia. O problema é que o trabalho dela é do outro lado da cidade e...

Então Aya para e pensa, mas eu tenho um estalo:

—Henrique já saiu da faculdade. Ele pode nos dar carona até a delegacia. Aí a tua mãe sai do trabalho e vai direto pra lá. O que acha?

—É uma boa ideia - fala Aya, se animando.

—Tem aquela delegacia na parte metropolitana de Londres, fica a uma meia hora daqui, mas é mais ou menos no meio do caminho entre aqui é o trabalho da sua mãe, então fica mais fácil pra todo mundo - diz Nico, e Aya assente.

É um momento inoportuno, mas não consigo deixar de ficar feliz por poder ver mais um pouco do centro londrino.

Ligo pro Henrique, que me atende com uma voz entediada.

—Oi, Maya - ele fala do outro lado da linha. - Você por acaso se perdeu dentro do trem que não chegou em casa até agora?

Reviro os olhos pela dramaticidade de Henrique e digo:

—Não foi hoje que eu me livrei de você, Henrique, calma.

Ele ri do outro lado da linha e eu
continuo:

—Sabe aquela história do pai da Aya e tal, que ele é meio que um bandidão? - pergunto.

Henrique grunge em concordância.

—Então, Aya chegou à conclusão que, apesar de tudo, é melhor denunciaramos. Ele deu as caras de novo e fica ameaçando... Enfim, será que você podia nos levar até a delegacia do centro da cidade? A mãe da Aya vai nos encontrar lá às seis.

—Ok - Henrique diz apenas, mas percebo que ele fica preocupado. Essa vida pode ser totalmente nova para nós, mas conhecemos pessoas aqui que vão ficar para a vida inteira. - Eu chego aí no colégio em uns vinte minutos.

Desligamos e então falo para Nico e Aya:

—Ele vai nos levar.

Aya relaxa, grata.

Tem toda uma burocracia para conseguir carro aqui na Inglaterra já que Henrique não mora aqui, mas ele, bem-resolvido do jeito que é, acertou esses detalhes antes mesmo de virmos para cá. Agradeço mentalmente o cuidado dele.

Descemos até o térreo, saímos do prédio e sentamos nas escadas amplas na frente da escola, esperando.
                       

                         •••

Henrique chega dentro de uns quinze minutos e me pergunto quantos sinais vermelhos ele furou.

Entramos no carro, eu no banco do passageiro e Aya e Nico atrás.

—Eu tenho o GPS, mas se eu fizer alguma besteira, me avisem para nós não nos perdermos - diz Henrique, olhando os dois no banco de trás. Eles assentem.

—Ok. Aya, se você se sentir confortável, pode me explicar direito a história? A Maya até me falou, mas ela é pior que um jumento tentando explicar as coisas - Henrique diz em seguida e eu lanço-lhe um olhar mortal. Ele só dá de ombros, como que dizendo "A verdade dói".

Aya encara Henrique pelo retrovisor, rindo.

—Meu pai abandonou eu e minha mãe quando eu ainda era muito pequena. Quase não me lembro dele. Achei que ele tinha morrido, assim como todo mundo, mas então, há uns seis meses, coisas estranhas começaram a acontecer, e eu e minha mãe sabíamos que era ele. Queria ter falado tudo para os policiais antes, mas eles não iriam acreditar. Mas eu não vou mais ficar parada, ele já foi longe demais

 

 Henrique assente com um olhar de admiração par ela, e diz que é a coisa certa.

O caminho até a delegacia é de uma meia hora, então chegamos lá umas vinte pras seis, logo antes da mãe de Aya chegar.

Katherine é incrivelmente diferente da filha. Seus cabelos são marrons, os olhos são azuis e a pele é branca. Ela deve ter uns quarenta anos, e rugas de trabalho e cansaço se alojaram ao redor de seus olhos com o tempo, mas posso ver que ela já foi muito bonita, ainda é, apesar da vida dura.

 A única coisa que ela tem igual a Aya são os olhos bondosos e determinados.

Ela entra na delegacia, na qual já estamos sentados nos bancos de espera.

Aya se levanta e elas se abraçam. Ela abraça Nico também e então olha para mim e para Henrique.

—Maya e Henrique! É um prazer conhecer vocês!

Ela me abraça calorosamente e percebo que já gosto dela.

Katherine então observa Henrique.

—Olá, senhora Shatterwood - Henrique fala estendendo a mão, todo educado. Seguro a risada.

—Ah, o que é isso! Um abraço é melhor - ela então o puxa para um abraço, e Henrique sorri. Percebo que ele também gosta dela.

Aya olha para eles feliz, e então as duas, mãe e filha, vão falar com um policial.

Eu, Nico e Henrique ficamos sentados nos banquinhos de espera da delegacia, enquanto Aya e a mãe acompanham o policial para uma sala.
                                   •••

Enquanto esperamos, eu percebo que o tédio é uma coisa poderosa.

Nico, eu e Henrique estamos jogando "Stop" com papel e canetas que pedimos aos policiais, que agora nos olham como se fôssemos loucos.

Menos Dave.

Dave é um amigo policial que fizemos. Ele nos viu jogando, ficou curioso, e agora está jogando com a gente.

 

Ele pode ser demitido, é claro, mas não liga muito. Aparentemente tem uns cinquenta anos, mas é mais ativo que eu.

Quando Robert ganha outra partida, Henrique bate com a mão na cara.

Rio, já acostumada em perder nos jogos.

—Maninho, aceita que dói menos - cutuco Henrique, acostumado a ganhar em jogos, e ele me olha de solsaio.

Tenta fazer uma cara de irritação, mas falha e solta uma risadinha.

Outra qualidade que admiro em Henrique é que, mesmo acostumado a ganhar, quando perde ele não leva para o lado pessoal. A principal lição que ele vem me ensinando é que a vida pode estar uma grande merda, mas sempre temos algo a que nos agarrar, algo que ainda vale a pena.

—Aprenda com o papai aqui - Dave fala, e rimos.

Nico é o segundo que mais ganhou, Henrique o terceiro e eu, a última.

Sou um desastre mesmo.

Então, Aya e Katherine saem da sala com o policial. Aya não tem uma cara muito boa.

Elas se despedem do policial, mas Aya mais parece querer dar uma voadora nele.

Elas vem até nós, mas então Katherine olha para Robert e Robert olha para Katherine.

—Katherine, quanto tempo! - fala Robert, se levantando da cadeira. Ele pega a mão de Katherine a beija.

Troco um olhar com Henrique.

—Robert! Tudo bem?

—Tudo ótimo. Algum problema? - pede ele para Katherine. Ela fala que está tudo bem, mas o olhar que lança para ele diz que tem algo mais. Ele assente quase imperceptivelmente.

Aya também o cumprimenta, sorrindo, e vejo que já se conhecem. Seus olhos brilham quando ela o olha, com admiração.

Depois de nos despedirmos de Robert, vamos para fora da delegacia.

A calma de Aya perto de Robert desaparece e ela só falta chutar a calçada de frustração. Vejo que se segura muito pra não xingar horrivelmente alguém.

—O que foi? Eles não concordaram em investigar o caso? - Nico pergunta, ansioso.

—Aquele filho da mãe. Contamos tudo a ele, e a criatura só faltou revirar os olhos na nossa cara. Disse que vai investifar o caso, o meu punho é que vai investigar a cara dele. Dava pra ver que ele não acreditou.

Katherine assente, mas diz:

—Vou falar com o Robert, ele vai nos ajudar.

Aya concorda, parecendo ficar mais aliviada.

—Já fizemos nossa parte, agora vamos relaxar.

Katherine e Aya se abraçam, e a mãe sussurra algo no ouvido dela. Percebo que a relação delas vai muito além de mãe e filha. Elas são mãe, filha, irmãs, companheiras, melhores amigas.

Acho que Henrique está certo. Toda história tem seus pontos positivos.

—Bom, chega de desânimo - diz Katherine - Vamos comer alguma coisa.

Olho no relógio. São sete horas.

Escolhemos uma confeitaria do outro lado da rua. No fim da noite, acho que estou diabética, mas, sério, nada nunca valeu tanto a pena. Misericórdia. Não tenho mais sangue, minhas veias são preenchidas por cubos de açúcar.

Uma coisa que eu não entendo: o Henrique come que nem um porco e não engorda. Tá certo que durante a semana ele se cuida, mas no final de semana, esqueça. Parece um desesperado. Queria ter o poder mágico de comer até morrer e não engordar, mas a vida nem sempre é justa.

Fazer o que, né.

Depois de rirmos e o ar ficar leve, os problemas magicamente evaporando, saímos para o ar frio da noite.

Acho que tremo um pouco, porque Henrique tira a jaqueta e a põe sobre meus ombros, me abraçando de lado.

Sorrio para ele. Ele retribui o sorriso.

Nico boceja e se encosta num poste da rua.

Tenho uma ótima teoria de que, se dermos ao Nico duas opções: ou ele vive rico e poderoso a vida inteira mas tem que trabalhar muito e dormir pouco, ou ser um mendigo mas poder dormir o dia inteiro, ele vai escolher sem nem hesitar a segunda opção.

O sono daquela criatura não é algo normal sério.

O cutuco para ele não acabar dormindo encostado no poste, porque nunca se sabe.

Katherine passa os braços pelos ombros de Aya. Como Nico é o único que não está sendo abraçado, passo os braços por sua cintura, já que não alcançou seus ombros dele. A

Nico estende a mão para Aya ao mesmo tempo em que ela faz o mesmo.

Ele encosta a cabeça na minha, e, apesar do risco de ele acabar dormindo ali mesmo, tenho um sentimento forte e absoluto.

Eu nunca tive uma família tão grande.


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Notas finais do capítulo

Oiieee
O fim foi fofo, vai.
Ficou muuuito comprido, mas compensa pelo tempo que eu demorei, né? Kkkkk
Enfim, comentem e deixem reviews, eu fico muuuito feliz. Deixem elogios ou críticas construtivas, ou ainda teorias.
Beijooos, vou postar o próximo o mais rápido possível!



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