O sincero escrita por Meizo


Capítulo 1
Mentir pra si mesmo é incrivelmente fácil


Notas iniciais do capítulo

Aquele crossover bem ??? que a gente finge que é genial auhiuasd



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/765351/chapter/1

 

No meio do apartamento Volstagg e Fandral, meio alterados pelo álcool, cantavam Wannabe pela segunda vez enquanto se remexiam em uma dança que era no mínimo constrangedora. Inclusive, cada um segurava um controle para simular estarem com microfones e nem se esforçavam para ler a legenda que passava na televisão, pois já sabiam a música de cor. Já Hogun estava sentado no sofá, assistindo a tudo com um raro sorriso no rosto e segurando uma lata de cerveja já meio vazia. Ele era uma pessoa naturalmente taciturna, mas parecia ter se obrigado a uma folga pelo aniversário do querido amigo.

A música estava mais alta do que deveria estar naquela hora, mas sabiam que os vizinhos os perdoariam. Afinal, todos por ali gostavam ou tinham uma queda por Thor. Até a síndica do prédio — que usava sempre roupas de bolinhas e era mais ranzinza que gato quando não tinha suas exigências atendidas — o tolerava.

Thor, o aniversariante em questão, tentou espelhar a felicidade de seus amigos que tinham vindo especialmente para comemorar o dia de seu nascimento, mas ao olhar para mulher ao seu lado percebeu que ela tinha enxergado seu baixo ânimo. Sif chegou mais perto dele e lhe deu um meio abraço confortador. Depois ficou com a cabeça apoiada no ombro dele enquanto assistiam Fandral colocando Thriller para tocar.

— Ele disse que viria hoje. — disse Thor depois de algum tempo em silêncio.

Sif conteve, como muito esforço, um suspiro e a vontade de falar um “eu já te avisei”. Sabia de quem ele estava falando e já tinha tentado fazê-lo com que esquecesse o outro, mas Thor podia ser uma mula teimosa quando queria. Uma mula loira e de músculos trabalhados, por assim dizer.

— E por que você acreditaria no que ele diz? Ele só sabe mentir.

— Não fale assim dele. — resmungou Thor enchendo a boca de sorvete e depois procurando uma nova lata de cerveja já que a sua estava vazia. — Loki só não consegue ser sincero as vezes.

Sif rolou os olhos, afastando-se para que ele pudesse ver bem sua cara de incredulidade.

— Você quer dizer “o tempo inteiro”, né? Desde que vocês tiveram aquele jantar da casa dos seus pais que o lance de vocês não tem dado certo. Você estava disposto a aguentar o julgamento e as dificuldades por ele, mas a reciprocidade não aconteceu. E isso já faz mais de um ano! Não acha que já está na hora de superar e seguir adiante?

Recusando-se a encará-la, Thor olhou para os três — sim, até Hogun estava participando dessa vez — diante a tv que agora estavam tentando imitar alguma dancinha coreana. Volstagg surpreendentemente estava indo muito bem, ao contrário de Fandral que era o mais desajeitado e perdia o ritmo de tempo em tempo. Contudo, o que estava indo melhor na dança com certeza era Hogun, que estava conseguindo fazer tudo com uma sincronização quase sobrenatural. Se eles não o conhecessem até achariam que ele treinava em casa.

Bem, talvez Hogun fosse extremamente discreto quanto aos seus passatempos.

— Ele ainda me visita. — era bem raro isso, tinha que admitir, mas achou que comentar sobre a baixa frequência de visitas não iria ajudar a amiga a entender. — E eu sei que apesar de disfarçar bem, Loki ainda gosta de mim. Só... Tem medo de admitir isso.

— Sua esperança é admirável. — disse Sif suspirando e resolvendo não insistir mais do assunto. Não queria acabar com o ar animado da festinha. — Ah, desculpa não termos comprado um bolo decente. Só lembramos quando estávamos aqui na rua, aí só conseguimos achar esse numa padaria aqui perto.

Sobre a bancada americana da cozinha tinha um pequeno bolo de chocolate que mal aguentava a enorme vela branca no meio. Estava óbvio que os dois itens tinham sido comprados de última hora, mas o esforço de seus amigos em levar ao menos um bolinho fez o sorriso de Thor ficar 70% mais verdadeiro.

— Já está na hora do parabéns? — Fandral surgiu por trás de Thor, agarrando o pescoço dele com um braço suado.

E como que em resposta a sua pergunta a campainha tocou bem alto, indicando a provável chegada do entregador de pizza. Volstagg apressou-se para atender a porta e quando voltou trazendo quinze caixas de pizza para o lanchinho da noite, exibia um sorriso de orelha a orelha. Estava na hora de forrarem a barriga.

Comeram, beberam e conversaram banalidades por várias horas e quando estava perto da meia-noite, eles se despediram e deixaram o aniversariante sozinho com seus pensamentos, alguns presentes e a sujeira que fizeram.

Thor sentou-se no peitoril da janela do quarto com o bolinho numa das mãos e na outra a vela já acesa. Volstagg fizera questão de acendê-la um pouco antes de ir embora, dizendo que seria um desperdício não fazer um pedido já que tinham arranjado a vela — apesar dela claramente não ser do tipo usado em aniversários. Porém, agora encarando a vela que já tinha perdido um terço do tamanho original e que pingava no assoalho, nenhum pedido vinha a mente.

A única coisa que conseguia pensar era que Loki, mesmo tendo falado que iria, não tinha aparecido. Quantas vezes isso tinha acontecido no decorrer do último ano? O mais intrigante, no entanto, era que ele ainda insistia naquilo. Forçava-se a acreditar que ainda existia a chance deles voltarem ao que tinham sido antes. Mas será que Loki ainda o amava mesmo? Gostaria de ter realmente tanta confiança quanto aparentara ao falar com Sif, mas não tinha. Principalmente por Loki ser tão bom mentiroso e esconder seus verdadeiros sentimentos desde... Bem, desde sempre.

— Eu queria apenas um dia. Um dia que Loki fosse completamente sincero, só pra ter certeza de que não estou insistindo em algo infrutífero... — soprou rápido a pequena chama tremeluzente antes que se sentisse idiota demais para aquilo e comeu metade do bolinho numa única mordida.

Mas a quem ele queria enganar, não é mesmo? Já era um homem-feito e sabia que pedidos de aniversário não se realizavam como mágica. Podia ser loiro, mas não era idiota. Ao menos, não tanto assim.

Thor admirou o céu noturno enquanto terminava de engolir o restante do bolinho e depois foi pra cozinha atrás de mais cerveja. Precisava afogar a tristeza até o sono o dominar.

*

Loki demorou um pouco a perceber que tinha algo diferente, até porque o dia começou normal como qualquer outro. Acordou cedo como sempre, tomou um banho frio pra espantar a sonolência, fez seu alongamento matutino e ignorou as mensagens que tinha recebido de Thor durante a madrugada.

O primeiro sinal foi as escolhas das roupas. Geralmente ele escolhia tons que fossem harmoniosos e que passassem a impressão de ser tranquilo e moderado. Naquele dia, entretanto, vestiu-se inteiramente de preto, com direito até a cueca preta. A cor representava bem como se sentia: soturno e melancólico por não ter tido coragem de ir parabenizar Thor pessoalmente. Mas também sempre achou que preto combinava bem com seu tom de pele.

Saiu de casa sem comer, pois tinha desenvolvido o hábito ruim de ir num Starbucks perto, comprar café puro e preto com algum acompanhamento, enquanto deixava a atendente olhar de forma sonhadora para si. Suspeitava que a moça, ao vê-lo sempre arrumado, tivesse fantasias o imaginando como CEO e envolvendo BDSM — algo que parecia estar fazendo bastante sucesso entre os jovens. Mas naquela manhã ao invés de seguir em direção ao familiar Starbucks, Loki se viu dirigindo para uma pastelaria que tinha começado a funcionar há alguns meses, perto do seu trabalho, e comprou uma caixa cheia de rosquinhas caramelizadas. E esse foi o segundo sinal, que logicamente também não foi percebido.

Quando chegou no escritório já tinha se arrependido de sua compra que não condizia com a imagem de si mesmo que tinha pintado entre aquelas pessoas. Era uma pintura baseada em mentiras, mas quem ­— além dele, é claro — se importava? Gostava de ser admirado como perfeito e comer aquelas rosquinhas gordurosas e excessivamente açucaradas ia contra sua fama de “pessoa de alimentação mais do que ideal”. Por isso quando passou em frente a mesa de Jane, sua secretária, tentou abandonar a caixa com os doces ali. Mas quem disse que seus dedos conseguiam soltar a bendita caixa?

— Algum problema, senhor...? — disse Jane, pousando o telefone no gancho.

— Muitos na verdade e um deles é minha enorme vontade de comer essas rosquinhas que parecem muito com as que minha mãe fazia e estou com saudades dela. — arregalou os olhos quando se deu conta da resposta sincera que estava dando e agarrando a caixa, correu pra dentro da própria sala.

Foi nesse momento, no terceiro sinal, que ele começou a suspeitar de que algo estranho estava ocorrendo. Nunca que responderia de verdade uma pergunta que as pessoas faziam por mera educação, no máximo faria uma piada sobre o tanto de afazeres que o outro tinha ou simplesmente giraria os olhos e iria embora. Loki andava de um lado para o outro em frente a escrivaninha, devorando rosquinha atrás de rosquinha e procurando um motivo que justificasse sua súbita franqueza. Mas não tinha.

E também não tinha tempo para continuar se preocupando com isso, pois Jane logo apareceu informando que ele estava sendo chamado na sala da chefe. Então reuniu toda a papelada que passara a noite organizando e foi para o andar de cima.

Miranda já esperava em seu terninho cinzento e justo, sentada diante o provável futuro cliente da companhia caso o aceitasse como advogado. Loki sorriu convencido já sentindo o gosto da vitória, pois em questão de mentir ninguém na companhia se igualava a ele. Porém, quando encarou o homem bem vestido e o reconheceu como Laufey, o magnata de gelo, seu sorriso morreu. Aquele homem já tinha se envolvido em escândalos sobre maus tratos a animais numa de suas empresas de cosméticos e também sobre envolvimentos com tráfico de armas, entre outras coisas piores.

Ele se sentiu enganado, pois nos arquivos que tinham lhe passado não estavam com o nome do cliente, já que Miranda dissera que seria uma surpresa. E que péssima surpresa. Loki podia ser um mentiroso excepcional e ter defendido gente que não valia a pena no tribunal, mas aquele homem trajado num terno caríssimo lhe despertava uma verdadeira aversão sem tamanho.

— Que bom que resolveu nos encontrar, Loki. Estávamos conversando sobre suas incríveis habilidades como advogado e em como está prestes a se tornar um sócio. — comentou Miranda com sua maneira sutil de dizer que tinha demorado muito a aparecer. — Este aqui é Laufey Gantce.

Loki encarou o homem pela segunda vez. O outro sorria como se não tivesse um peso sequer na consciência e não estivesse prestes a armar um caso para se separar da esposa e ficar com a empresa dela.

“Desprezível.”

— O que disse? — Laufey estreitou os olhos, adotando uma postura rígida.

Loki ergueu a sobrancelha. Tinha dito em voz alta? Pela súbita mudança de expressão de Laufey e da cara pasma de sua chefe, ele percebeu que tinha falado mesmo. Apesar de menosprezar o magnata, precisava consertar a gafe. Era seu emprego em risco ali!

— Ah, o que eu quis dizer é que eu simplesmente te acho uma pessoa de índole asquerosa. — ele mesmo ficou boquiaberto, mal conseguindo acreditar no que tinha acabado de falar. Queria cavar a própria cova? — Digo, jamais desejaria precisar defender essa podridão que você representa.

A sua chefe bateu com a pasta na mesa fazendo um estalo alto, impedindo-o de continuar seu infeliz discurso (para a sorte de Loki).

— Agora chega, Loki! — Miranda apontava furiosa para a porta. — Acha que pode chegar aqui e ofender o nosso cliente assim?! O que tem de errado com você?

Loki achou melhor nem responder, visto que não estava tendo controle sobre a própria boca. Saiu da sala às pressas sem nem dar um último olhar para Laufey ou para Miranda. Não sabia o que diabos estava acontecendo, mas precisava urgentemente de um tempo a sós. Porém, quando entrou no elevador para ir para seu andar, topou com Heimdall — seu colega advogado que zelava e muito pela verdade — e fechou bem os lábios para não deixar escapar qualquer idiotice. Principalmente para ele que era seu arquirrival.

— Como vai, Loki? Fazia tempo que não te via.

E outra vez Loki não conseguiu evitar. Parecia que toda vez que uma pergunta era feita ele era forçado a responder com a sinceridade mais crua que existia.

— Claro que não, pois enquanto você está lá no topo lidando com casos limpos, eu estou na sua sombra cuidando de clientes que só se safariam com minhas mentiras. Argh, como te invejo!

Heimdall o olhou com surpresa.

— Não sabia que tinha inveja de mim... Você sempre falou comigo com sarcasmo e parecia odiar meu estilo de trabalho.

— Você não sabe como é ter vivido tanto tempo usando mentiras que não sabe mais como não usá-las. — suspirou mirando brevemente seu reflexo distorcido na parede do elevador. — E com você assim com esse corpo firme e altura ideal, a última coisa que eu faria seria te odiar. Mas como já amo alguém, eu não tentei te conqu—

As portas do elevador se abriram e ele saiu correndo com as mãos tampando a sua boca descontrolada. Passou por duas colegas que tentaram puxar assunto, escapou de Jane que falava algo sobre uma ligação importante e correu até estar na segurança solitária de sua sala. Só depois de fechar a porta num movimento brusco — ou o mais brusco que uma porta de vidro com uma mola de fechar permitia — ele se deixou largar na cadeira acolchoada e pressionar as palmas da mão contra o rosto.

Tinha tanta certeza que dessa vez seria demitido que pouco tempo depois se viu juntando seus pertences numa caixa enquanto resmungava xingamentos a si próprio. Foi só no meio do vigésimo quinto xingamento — ele era um exímio conhecedor deles — que percebeu Jane parada ao lado do vaso feioso que ganhara de presente de Thor. Era um objeto de cores vibrantes e desenhos tribais, mas mesmo achando horrivelmente destoante do ambiente de trabalho, não conseguia jogar fora.

— Como pode ver estou meio ocupado me preparando para ser demitido, então fale logo o que quer e comece a recolher suas coisas também. — Jane piscou parecendo confusa e Loki suspirou sem paciência. Era incrível como as pessoas nunca entendiam com meias palavras. — Sei que você na verdade trabalha para aquele jornal e só está aqui pra investigar alguma coisa que não é do meu interesse. E como estou praticamente respondendo com a mais pura verdade tudo o que me perguntam, é possível que acabe falando isso pra alguém antes de sair do prédio.

Jane ficou boquiaberta. Não entendeu muito a parte sobre só falar a verdade, mas como assim ele já tinha descoberto sobre seu disfarce?

— E por que despediriam você? Espera. Você sabia que eu era do jornal e não me denunciou? Por que?

— Não ache que foi por bondade. Só estava querendo saber até onde você iria nisso.

— É por isso que me fazia trabalhar tanto, me mandava ir comprar coisas do outro lado da cidade e até fez com que eu passeasse com os mascotes do pessoal do andar? Queria ver se eu desistia?!

Loki apenas sorriu e deu de ombros, gesto esse que causou um tanto de revolta na jovem jornalista que estivera dando duro para se manter no emprego temporário, mesmo que por objetivos secretos.

— Era divertido observar você se descabelar tentando cumprir tudo o que eu pedia. — o sorriso debochado irritou ainda mais Jane, que apertou os papeis nas mãos inconscientemente. — Agora vá arrumar suas coisas que Miranda já deve estar preparando minha demissão...

Deixando de lado a irritação por estar sendo feita de idiota, a secretária o fitou confusa outra vez. Será que o estresse do trabalho estava deixando-o maluco?

— Não sei de que demissão você está falando, mas Miranda quer que você vá na sala dela urgentemente para fechar o contrato. Ela mencionou algo sobre o senhor Gantce ter lhe achado muito divertido. — disse ela depositando os papeis que trouxera em cima da mesa dele.

Depois dessa mensagem Loki até parou de recolher seus pertences e apoiou as mãos na superfície da escrivaninha, tendo um pouco de dificuldade de assimilar o que tinha ouvido.

— Tem certeza que foi isso mesmo que ela disse?

Jane controlou a língua para não falar um desaforo e não comprometer ainda mais sua situação.

— Sim, tenho certeza. Agora se me dá licença, irei atender suas chamadas. — falou a mulher saindo da sala logo depois, mas Loki não estava mais lhe dando atenção.

Ele ainda tentava compreender como Laufey tinha achado divertido ser xingado da forma que tinha sido, no entanto, Loki não se sentia particularmente interessado em se esforçar muito ao tentar entender aquele humano que considerava tão sórdido. E o mais importante no momento era: que tipo de coisas piores falaria inconscientemente caso voltasse para a sala de Miranda naquele exato instante?

A ideia lhe apavorava. Não conseguir controlar o que saía de sua boca o inquietava de tal forma que nem estava conseguindo pensar direito. Definitivamente, não podia voltar lá até que descobrisse a causa de sua terrível condição. Por isso, em questão de segundos ele pegou sua maleta, desligou o celular e correu porta a fora da sua sala.

— Ei, para onde você vai? — Jane arregalou os olhos enquanto abafava o microfone do telefone com a mão. — Miranda ligou de novo. O que eu digo pra ela?

— Diga que eu não vou para sala dela agora porque fui para casa. — resmungou rapidamente, sem diminuir o passo ao passar pela mesa da secretaria e por fim tomando a direção da saída.

*

Loki se jogou na cama vestindo apenas um blusão que pegara no apartamento de Thor na semana passada — por ainda ter uma cópia da chave de lá, sempre que batia saudade ele ia furtar alguma peça de roupa do loiro — e uma cueca confortável. Estava exasperado depois de passar as últimas duas horas pesquisando sobre coisas como hipnose, maldições e vodus na internet, mas sentia que não era algo assim. Quer dizer, ele não teria como provar se estava ou não amaldiçoado ou sendo alvo de vodu, mas ao menos podia afirmar que uma hipnose não tinha sofrido.

Puxou a gola do blusão, fungando o cheiro de Thor que ainda havia ali para se acalmar. Era nessas horas, onde desejava ao menos um abraço reconfortador, que a falta de Thor — e até de sua família adotiva — lhe era mais doída. Perceber que estava só e que a causa disso tudo era culpa sua sempre lhe fazia relembrar as tantas escolhas erradas que fizera até ali. A maior delas sendo ter se apaixonado por Thor e, por consequência, ter quebrado a família que tanto tinha feito por ele.

Virou de um lado para o outro da cama, sem parar de pensar no último jantar que tinha comparecido na casa dos pais. Foi naquele fatídico jantar que Thor tivera a inconveniente ideia de revelar aos pais sobre o relacionamento que eles estavam mantendo em segredo tinha alguns meses, embora tivessem começado a gostar um do outro na adolescência. Loki, que não conseguia superar o fato de ter sido abandonado pelos pais e tinha seus problemas quanto ao amor em geral, não suportou ver as caras chocadas e até um tanto horrorizadas de Odin e Frigga para sua direção. Ser rejeitado pelas pessoas que considerava seus verdadeiros pais era o que mais temia em seu íntimo.

Foi uma noite turbulenta, onde Thor discutiu com os pais e Odin os enxotou antes mesmo de chegarem à sobremesa. Frigga somente ficou em silêncio mirando os pratos, parecendo raciocinar muito devagar o que tinha ouvido. E Loki só quis desaparecer, rompendo oficialmente com Thor alguns dias depois.

— No fim eu sou só um maldito covarde... — disse pondo as mãos sobre os olhos.

Tinha se afundado em trabalho com a desculpa de que apenas queria usufruir do bom e do melhor, mas na verdade usara isso apenas para se ocupar excessivamente e não pensar sobre suas infelicidades amorosas. Virou outra vez na cama, dessa vez lançando um olhar para o presente cuidadosamente embalado sobre a mesa que havia ali.

Apesar de não ter cogitado a possibilidade de ir para a comemoração simples de Thor, antes que se desse conta do que estava fazendo já tinha comprado um presente e embalado por conta própria. Isso o lembrou das mensagens que tinha recebido durante a madrugada e Loki se levantou para procurar onde deixara o celular, um pouco curioso para saber que tipo de mensagens vergonhosas ele teria enviado bêbado dessa vez. Encontrou-o na bancada da cozinha ainda desligado.

Mal ligou o celular e várias notificações de ligações perdidas, tanto de Jane quanto da própria Miranda, começaram a chegar. Também começaram a chegar e-mails, torpedos (ele nem lembrava que isso existia) e mensagens no Instagram que ele nem se importou em olhar. Precisou colocar no silencioso para não ser mais incomodado com tanto apito. Só depois que ele finalmente conseguiu ver as mensagens de Thor.

Eram 132 mensagens novas no total. A maioria sendo conjunto de letras aleatórias, provavelmente por ter colocado no bolso sem bloquear. A parte de maior relevância surgiu quando deslizou até a 100ª mensagem.

Voce devia vindo  02:14

Ter vino*  02:14

Teve bolo musica e Vols derramou bebida na planta da vizinha 02:16

O bolo era pequeno só deu pra mim  02:16

Tem um cheiro estranho vindo quarto agora  02:17

Era só fogo na cortina  02:19

Joguei a cortina pela janela sera que alguém viu  02:20

 

Franziu as sobrancelhas. O que diabos ele estava fazendo com fogo no quarto e de madrugada?

Tenho saudade de você, quando volta  02:25

O coração de Loki se aqueceu com aquela frase, embora os erros na escrita estivessem dando nos nervos. No entanto, ao descer para ver mensagens finais se deparou com a seguinte frase:

E você é besta de ta perdendo esse pacotão aqui olha  02:28

E logo após estava uma foto das partes baixas de Thor. Loki ficou boquiaberto com o descaramento do loiro. Mas o pior era que para alguém que estava bêbado ele tinha conseguido tirar uma foto muito boa até. Xingou ele em pensamento, salvando a foto na nuvem.

— “Pedi de aniversário que você passasse um dia sem mentir, não diz pra ninguém senão não se realiza viu” — Loki sorriu ao ler a última mensagem. Essa frase em específico estava bem mal escrita, provavelmente por ele estar quase caindo no sono ao digitá-la. — Pelo visto Thor estava bem alterado mesmo...

Suspirou, bloqueando o celular outra vez. Levaria mais uns 15 segundos para perceber que a resposta estava na última mensagem, 3 segundos para relê-la, mais 5 segundos para enfiar uma calça e um sapato de qualquer jeito e 7 segundos para sair de casa às pressas.

*

Thor estava preparando uma xícara de café quando a campainha tocou. Ele grunhiu, sentindo a cabeça latejar com o barulho. Ainda não estava 100% recuperado da ressaca, mas também não estava tão mal que não pudesse suportar. Apesar disso apressou-se em ir atender a porta para evitar que a campainha fosse tocada outra vez. E foi com muita surpresa que ele se deparou com um Loki de expressão furiosa parado ali.

— O que faz aqui?

Ao invés de responder, Loki apenas avançou nele e o abraçou com força.

— Estou muito irritado, mas por enquanto me abrace de volta.

Thor ficou confuso, mas abraçou mesmo assim. E como sentira saudade de abraçar Loki daquela forma! Todos os seus raros e curtos encontros anteriores, o outro tinha se esforçado o suficiente para ser friamente distante.  E o abraço que estava sendo aproveitado por ambas as partes teria durado muito mais caso um choro infantil não tivesse alcançado seus ouvidos.

— Max está aqui? — Loki perguntou já se separando dele e entrando no apartamento.

— Ah, sim. Hela precisou viajar hoje e eu estou cuidando dele.

Foram até o quarto de onde o choro parecia ter vindo e encontraram o garotinho loiro caído no chão ao lado da cama. Loki foi o primeiro a correr em direção ao menino e se agachar procurando qualquer ferimento nele.

— O que houve, Max? — perguntou sem disfarçar o tom de preocupação.

Max ergueu seus olhos chorosos para o adulto ao seu lado apontando para a janela aberta, mas ao notar que era Loki, logo sua cara de choro se transformou numa confusa.

— Tio Loki?

— Sim, sou eu. Como está se sentindo? Dói em algum canto? — pegou o menino no colo e se levantou, lançando um olhar censurador para Thor. — Que tipo de adulto é você que deixa uma criança sozinha no quarto e com uma janela-varanda aberta?

Nem dando tempo para Thor responder, Loki o levou para a cozinha e sentou Max na bancada para conseguir examiná-lo melhor. Thor ficou mais atrás observando com estranheza a cena que se acontecia.

— Afinal, o que houve?

O menino — que ainda olhava desacreditado pra Loki, afinal não o via há quase um ano — lembrou-se de responder dessa vez.

— A minha bola de beisebol voou pra fora sem querer. — ele encarava o adulto com fixação sem disfarçar. — Tio Loki, você estava preocupado comigo?

— É claro que sim! — disse depois de um suspiro, aliviado por ter sido uma coisa boba feito uma bola perdida. — Por que não ficaria?

— Porque você sempre disse que odiava crianças. E eu sou uma criança. — completou perspicaz.

— Ele tem um ponto. — disse Thor sorrindo.

Loki fez cara feia pra ele antes de se voltar para Max.

— Eu só disse isso porque... Bem, eu não sei ao certo porque disse isso, mas não era a verdade. Eu não sou muito fã de crianças, mas gosto muito de você. E pode acreditar nisso, pois não estou conseguindo contar uma só mentira desde que acordei. — ele acariciou a cabeça de Max e depois se virou para Thor, cruzando os braços. — O que, aliás, é culpa sua!

O loiro piscou, sem entender.

— Culpa minha?

— Sim, seu idiota! Você fez um pedido de aniversário não foi? Um que pedia para que eu não mentisse o dia inteiro. Agora eu não consigo mentir e mentir faz parte do meu trabalho!

Thor franziu as sobrancelhas. Do que ele estava falando?

— Ah, fala de quando soprei a vela? Isso foi só uma bobagem minha. Aliás, como você sabe disso?

— Você me mandou uma mensagem de madrugada. Falar nisso, gostei muito da sua foto. Digo, ela era bem iluminada e até artística, por isso salvei para quando estiver com vontade de me mast... — botou as mãos sobre a boca se impendido de terminar. Tinha uma criança ali, caramba! — Argh, faça isso parar!

Thor que apenas mirava-o de olhos arregalados, lembrou-se do que fizera de madrugada e sobre qual foto Loki estava mencionando. Porém, o que o outro estava afirmando sobre seu inocente pedido feito a meia-noite não tinha como ser real. Quer dizer, onde já se viu algum pedido de aniversário se realizar daquela forma? Era quase como acreditar que estrelas cadentes realizavam desejos ou que havia um pote de ouro no fim do arco-íris. Era simplesmente ridículo demais para crer, mas mesmo assim ali estava Loki aparentando falar somente a verdade. Como explicar isso?

— Então, você só consegue falar a verdade?

— Eu já disse que sim! Está surdo por acaso?!

— Então poderia me dizer quem foi o verdadeiro culpado de ter arranhado o meu carro?

— Ah, isso realmente não foi eu, mas eu vi quem fez. Foi a senhorinha do andar debaixo. Aquela que anda numa cadeira motorizada e usa tanto grau que é quase cega. — um sorrisinho lhe escapou quando a memória veio à mente. — E ainda acrescento: foi intencional. Você tinha estacionado em cima da rampa para cadeiras de rodas.

Thor ficou chocado com essa revelação, mas agora podia entender o porquê daquela senhora parecer sempre fuzilá-lo com os olhos quando passava.

— E o que aconteceu de verdade com Theodore III que sumiu misteriosamente?

Loki suspirou.

— Eu esqueci de alimentá-lo por uma semana, naquela época que você estava viajando com seus amigos, e quando lembrei ele já estava morto. Não queria que ficasse sabendo que foi por descuido meu, então elaborei uma história e plantei provas falsas de um gato.

A sinceridade estava sendo tão crua e tão cheia de detalhes, que antes que se impedisse Thor se viu perguntando:

— E você ainda me ama?

Loki revirou os olhos.

— Claro que sim. Todos os dias eu faço de tudo para ficar muito ocupado para não pensar no quão infeliz estou sendo e em quanta saudade estou sentindo de você. Eu quero tanto beijá-lo agora que mal posso me segurar.

O próprio Loki ficou chocado com o que falou, mas agora era tarde para se arrepender. Ambos se encararam em silêncio absorvendo tudo o que fora dito, sem nenhum tomar o primeiro passo.

— Então quer dizer que vão ficar juntos de novo? — a voz de Max os despertou do transe e ambos olharam para o garoto ainda sentado na bancada. — A mamãe sempre diz que tio Thor e tio Loki ficam de frescura e não vão logo trepar. Vocês vão subir em alguma árvore?

Os dois adultos presentes ficaram embasbacados. Que tipo de coisa Hela andava falando perto do filho? E eles nunca ficaram tão satisfeitos daquela criança ainda ser pura demais para entender dessas coisas. Mas, sim, quando desse a hora de Hela ir buscar o filho e eles pudessem retomar a bendita conversa, Thor e Loki acabariam tendo uma longa noite de amor cheia de frases sentimentais bregas que Loki juraria mais tarde não ter dito. Afinal de contas, precisavam tirar o atraso, não é?

E, para a sorte de Loki, o poder do pedido se desfez assim que passou da meia-noite, mas ele ainda levaria um tempo para perceber pois estava ocupado demais gemendo de prazer nos lençóis macios de Thor.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E é isto. Beijos!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O sincero" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.