Chanoyu - ou a contrariedade do estado harmônico escrita por Sr Mokona


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Há em alguns pontos, objetos e vestimentas no original japonês, mas abdiquei de explicação nas notas no final da história por achar pouco significativo sabê-los para o decorrer da história.
Espero bastante que aproveite a leitura e que goste dela. Nos vemos nas notas finais @.@



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                “Um beijo de inicio de primavera”, me disse milady Konoe ao se encontrar comigo próximo a Arvore do Mundo, me dando um beijo na bochecha, me pegando de guarda baixa.

                Não precisaria do beijo, o cheiro de inicio de primavera é bem característico, tão característico quando o cheiro de milady pra mim.

                Fiquei corada, não esperava pelo beijo. “Mi-milady”, soltei, sem conseguir articular, mas esperando uma resposta.

                Ela riu e como se não tivesse sido nada de mais, ela ignorou e me disse: “Asuna me pediu para ti emprestar um quimono para a cerimônia do chá ministrada pela Chachamaru”.

                Asuna já havia me contado que faria isso. Ela foi convidada pelo professor Negi e ele lhe falou que Chachamaru não se importaria em ter outros colegas na cerimônia. Asuna até enfatizou em que eu declarasse meu amor por milady, mas a cerimônia do chá é tradicionalmente usada para o equilíbrio e serenidade e não devemos proliferar o uso para contratos.

                “Bem, sim. Eu nunca tive experiência com cerimônia do chá em Kyoto”, lhe expliquei enquanto seu cabelo dançava a mesma dança das folhas.

                “Serio? Eu achei que você estivesse inserida em costumes mais tradicionais”, disse fazendo uma pequena pausa contemplativa. “Minha família já realizou a cerimônia do chá diversas vezes”. E segurando minha mão, completou: “Eu deveria ter te convidado quando éramos crianças”, se afligindo.

                Segurei sua outra mão. “Quando éramos crianças”, ela disse. Nossa infância compartilhada, as estações que presenciamos com alegria e cumplicidade. Sim, a leveza das estações só podem ser sentidas com o corpo e alma tranqüila, e ela me dava a leveza e a tranqüilidade quando vinha me ver e o meu coração e alma e eram simples e leve e nós desfrutávamos das estações quando subíamos em arvores, corríamos despreocupadas com o vento em nosso rosto e o cheiro de milady se mesclando ao ar da manhã.

                “Por favor, milady, nunca pense em si martirizar por mim. Eu fui muito feliz ao se lado na infância”, disse seriamente enquanto olhava em seus olhos iluminados pelo sol da manhã.

                Ela abriu um sorriso debochado e perguntou: “Você está se declarando pra mim, Secchan?”, me fazendo enrubescer, me pegando novamente de guarda baixa.

                “Nã-não, é isso, milady, eu só...” e antes que completasse, milady soltou uma grande gargalhada e quando terminou, olhou pra mim, abriu um sorriso e disse: “Você é muito importante pra mim, Secchan”.

                Eu sabia disso, mas aquilo me trouxe uma sensação forte.

                Se virando, ela disse em tom casual: “Queria saber de onde vem o interesse da Chachamaru em ministrar uma cerimônia do chá. Nem sei se ela é japonesa”. Então, me puxando pela mão, ela me levou em direção ao seu alojamento, com o cabelo esvoaçante, seu cheiro batendo no meu rosto, me privando do cheiro da primavera, mas me trazendo algo mais agradável, como quando éramos crianças e o mundo era nosso e nossas almas eram mais leves e o amor não doía.

                Entramos no quarto onde milady divide com o professor Negi e Asuna. O contraste de quimonos em um lugar tão estudantil e inflexivo me causaram um estranhamento. Milady tirou de seu armário um baú, provavelmente feito de lasca, com uma cor vermelha bem forte com desenhos de aves e ramos em cor de ouro. Talvez do período Nara ou heian? E o abriu, subindo uma lufada de ar fresco de dentro, com belos tecidos. Ela os retirou de yukatas a quimonos, todos muito lindos. Ela os olhava atentamente, até puxar um e esticá-lo na cama. Era um lindo quimono azulado com imagens de garças sob pétalas brancas.

“Secchan, você ficará linda nesse quimono”, me disse sem tirar os olhos do quimono.

“É muito lindo, milady. Tem certeza que não há problema?”, questionei ao ver o cuidado que ela dava aos quimonos.

“Não tem problema”, me disse ainda olhando o quimono. Ela puxou outro baú, agora um mais simples, mais usual, e de lá, remexendo, tirou um nagujaban branco, hakama, um obi e obi-ta e koshi himo azuis escuro, uma tabi também azul escura, um par de meias brancas e um par de zori. “Eu quero ver como você vai ficar. Por favor, se vista”, me disse em tom casual e olhando todas as peças da vestimenta.

Fui até a cama apanhar todas as peças e lhe disse: “Tudo bem”, me dirigindo ao banheiro, mas antes que pudesse chegar, senti uma mão no meu ombro e quando virei, vi milady com um grande sorriso dizendo: “Onde você pensa que vai? Você vai se trocar aqui, quero ver averiguar tudo”, liberando uma áurea ameaçadora.

“Mas milady, e-e se alguém entrar, pode entender errado”, tentei convencê-la, mas ela trancou a porta. “Isso é realmente necessário?”, indaguei baixinho. Éramos só nós duas, não tinha do que me envergonhar, não é mesmo? Tirei o sapato, a gravata, a blusa e a saia, ficando apenas de calcinha e sutiã.

“Secchan, você tem um corpo muito bonito”, me disse sorrindo, mesmo condescendente, pois meu corpo não era tão macio ou voluptuoso quanto o dela, mas eu agradeci: “Obrigado”, já que meu corpo mesmo fino e calejado, é forte justamente para protegê-la.

Vesti-me pausadamente com milady acertando pequenos detalhes. Terminei calçando o par de zori enquanto milady me olhava com brilho nos olhos.

“Você está linda!”, me disse eufórica, correndo pra perto de mim, passando a mão pelo quimono para alinhá-lo, me deixando enrubescida.

“Tudo bem, agora é minha vez”, me disse tirando a camiseta e o sutiã que vestia.

Fechei meus olhos por respeito, mas ela disse: “Não feche os olhos, Secchan. Eu quero ouvir sua opinião”.

Abri os olhos lentamente e a vi sorrir pra mim. Mas ela se inclinou pra mim e com uma pose de revista e me disse: “Então, Secchan, gostou?”, com sua áurea brincalhona. Admito que não tive como não olhar seu torso e seus seios desnudos. Sua pele reluzia a luz fosforescente da lâmpada, sua maciez era quase palpável e seus seios eram muito bonitos e bem simétricos. Binyuu.

Ela percebeu que eu a olhava, me deixando envergonhada pelos meus modos. Mas ela sorria, como se gostando de sua brincadeira. Ela se desnudou por completo, agora com um semblante mais serio. Ao lembrar de seu corpo, meu coração arde, pois me parece que ele não consegue agüentar a sensação que tive diante de tanta beleza. Seu longo cabelo negro dançando por seu corpo era tão lindo e simbólico como o desabrochar das cerejeiras.

“Secchan, venha me ajudar com o obi”, me pediu enquanto segurava o quimono. Ajudei-a com o obi, completando a vestimenta. Ela então puxou um kanzashi, e de frente para o espelho, ela o arrumou delicadamente, com as redinhas de pétalas pendendo no lado esquerdo de seu rosto. Ela se virou pra mim e sem dizer nada, meu coração disparou e meu corpo aqueceu, me deixando excessivamente corada.

“Você está bem, Secchan? Será que o quimono ficou tão pesado? Eu não me lembro de ter excedido nas peças”, me disse preocupada ao me ver vermelha.

Tomei fôlego e respondi prontamente: “Você está muito linda, milady”, e estava. Sua beleza era equivalente a qualquer fase da natureza precedida de festivais.

Ela enrubesceu e me agradeceu parecendo levemente perturbada: “Obrigado Secchan”, e pegando minha mão, olhou em meus olhos e me conduziu para fora do alojamento. Ela me beijou no rosto e disse: “Vamos, Secchan, já devem nos estar esperando”, e saímos juntas ao local onde ocorreria a cerimônia do chá.

Ao longe vimos uma grande cerejeira e nossos amigos ao ar livre, sentados próximos a ela. Chachamaru era a que estava mais próximo a cerejeira, vestindo um quimono branco com imagens de flores e ramos, sentada na posição seiza. Em sua frente era visível certos doces e matcha, que remetia a um encontro mais informal, o chakai.

“Konoe, Sakurazaki, sejam bem vindas”, nos disse polidamente Chachamaru.

A disposição estava os itens essenciais para a realização da cerimônia do chá. Fukusa, chawan, natsume, chasen, chashaku, chakin, hishaku, kensui, tana, karna e furo. De frente para Chachamaru, estava professor Negi, Asuna e Evangeline

“Bom dia, Konoka e Setsuna”, nos desejou professor Negi, com um quimono preto com imagens onduladas no canto esquerdo.

“Você está linda, Konoka! Você também, Setsuna”, nos disse Asuna, que vestia um quimono alaranjado com imagens de flores brancas e um obi branco.

“Bom dia”, nos desejou Evangeline secamente.

“Chachamaru, o matcha está com ótima aparência”, disse milady, virando-se para Chachamaru. “Deve ter dado trabalho. Foi você quem fez, não foi?”, disse se agachando para averiguar o matcha.

“Obrigado, Konoe. Sim, eu mesma cultivei, colhi e produzi. Por favor, sentem-se”, nos pediu casualmente.

Sentamos próximos ao professor Negi, observando Chachamaru preparar o matcha e dissolvê-lo na água para o preparo do usucha. Ela levantou a cabeça e encarou milady e eu por um curto espaço de tempo, e voltou a preparar o chá. Ela levantou-se e foi até onde estávamos e nos ofereceu em uma bandeja laqueada preta, o chá e um doce tradicional. O meu chá vinha sem espuma, mas o de milady vinha com espuma.

“Obrigada, Chachamaru”, inclinou-se suavemente milady em agradecimento. “Vejo que tem uma ótima percepção de nosso gosto pessoal”, disse sorrindo enquanto Chachamaru voltava a seu lugar.

Chachamaru voltou a preparar o chá. Antes de beber o chá, reparei no chawan em que me foi servido. Era uma boa peça, de cor negra, realçada nos contornos. Eu já havia tido contato com peças tradicionais japoneses bem trabalhadas, e aquele chawan me pareceu de ótima qualidade.

Percebi milady me olhando com um sorriso, me deixando envergonhada pelos meus modos. “Chachamaru”, chamou atenção milady, “essas peças são muito bonitas. Elas estão com você a muito tempo?”, perguntou num tom agradável de curiosidade.

“Mestra Evangeline me deu depois que entrei no clube do chá com ela”, lhe respondeu num tom casual.

“Vejo que você é bastante conhecedora de artes japonesas, Konoe”, disse Evangeline em um tom que negava curiosidade. Ela recebeu o chá de Chachamaru e observando-o, nos disse: “Eu já estive no Japão antes de ser pega pelo mestre milenar”, o rosto de Negi mudou automaticamente. “Fiz de um habilidoso artesão, meu servo, e lhe pedi alguns conjuntos de chá de oferenda”, disse Evangeline num tom orgulhoso.

“Incrível! Então você já esteve no Japão!”, surpreendeu-se Asuna, recebendo um semblante de repreensão de Evangeline. “Conte-nos como foi”, pediu.

“Não há muito que falar”, disse Evangeline bebendo o chá e posteriormente agradecendo Chachamaru. “Cheguei um pouco antes do inicio do período Japão moderno, fugindo de caçadores de bruxas. Alojei-me em uma pequena comunidade, e para evitar olhares que cairiam em mim por ser uma estrangeira, achei melhor por dominar um artesão e me alojar em sua casa”, terminou, bebendo outro gole de chá.

Asuna olhava com fascinação, mas após uma longa pausa contemplativa, depois de tomar mais um gole de chá, professor Negi perguntou: “Foi nessa época que a mestra aprendeu a jogar GO e a arte do chá?”, olhando serenamente para Evangeline, que sorriu.

                “Sim. Isso mesmo”, disse Evangeline. “Aprendi bastante aqui em minha primeira visita. Até sobre alguns seres, como youkais”, agora olhando pra mim com um sorriso debochado no rosto.

                Fechei os olhos. Primeiro senti o cheiro do chá, depois o cheiro das pessoas ao meu redor, depois dos doces, depois das arvores. O cheiro da grama foi tomando forma, crescendo um campo de longo alcance. Wa (harmonia), kei (respeito), sei ( pureza), jaku (tranqüilidade). A áurea de meus amigos começaram a ganhar forma. Chachamaru possuía um brilho emanando de toda sua áurea; Evangeline possuía uma áurea grande, mas seu brilho era bastante incontrolável; Asuna também possuía uma áurea grande, mas seu brilho era mais contido; professor Negi tinha um brilho que excedia sua áurea e milady possuía a áurea mais brilhante de todas

                Abri meus olhos. Uma lufada vivida que exalava harmonia e tranqüilidade. Vejo todos os cinco contemplando a natureza e a vida. Sinto um acesso maior a milady, como o período mais próximo em transição de estações. Creio que meus sentimentos estejam mais transparentes para mim, e não só para mim, mas para todos nós e meu amor por milady ganhando forma e sei que todos, aos estarmos conectados, também tomaram ciência disso.

                Sinto milady segurar minha mão e nosso fluxo é tão harmonioso, tão complementar, que percebo como nossos sentimentos são equivalentes. Com cuidado, retribuo o toque dela.

                Chegou a primavera*


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Notas finais do capítulo

*haru ga kita, no original, que quer dizer literalmente: "chegou a primavera",usada para descrever o início de coisas boas. Assim como o chegar da primavera que trás vida, cor e calor após os longos invernos brancos.

Olá pessoas! Espero que tenham gostado da leitura assim como tentei dá-la a melhor forma. Por ser um texto mais introspectivo, eu fiquei com medo de ter pouca popularidade, mas no fundo eu fico feliz por ter trabalhado essa relação que tanto gosto de acompanhar.
Sintam-se a vontade de comentar qualquer coisa, nem que seja um puxão de orelha -bwahahaha-
Tchau.



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