Broken Life escrita por AurietaForever


Capítulo 1
Os Cavalcante


Notas iniciais do capítulo


1: Nesta historia Osório esta vivo e ainda casado com Julieta

2: No primeiro capitulo eu não focarei tanto na relação Aurélio/Julieta mas sim Julieta e seu cotidiano

3: A idade dos personagens serão mantidas

4: Personagens como Ema, Elisabeta, Darcy, Camilo, Jane, etc, aparecerão no decorrer da história

5: A personalidade da Susana foi mudada e vocês entenderão os motivos em breve

6: ME DEEM UMA CHANCE



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Um corpo, era assim que resumia-se sua existência. Ela era apenas isso, um corpo que ele podia usar e abusar sem qualquer ressentimento ou preocupação.

Obrigação passou a resumir seus dias e seus atos. Ela deu a ele um filho porque era sua obrigação como esposa dar um herdeiro, mesmo que fosse fruto de uma violência. Ela se calava porque era sua obrigação como mulher ouvir o que o marido tinha a dizer. Ela compartilhava a cama, mesmo que contra sua vontade, porque era sua obrigação como esposa. Ela chorava em silêncio porque sua obrigação dizia que ela como mulher não deveria incomodá-lo.  

Os anos, ela parou de contar porque tudo acabou quando ela morreu, aos quinze anos, sua vida parou lá. Sua alma morreu em um dia e com ela o brilho que Julieta Sampaio carregava. Ela era agora apenas um espírito vagante, uma alma penada ao lado do marido. Uma mulher de olhos profundos e cheios de dores que nunca eram notados, assim como suas dores que ninguém percebia. Era uma boneca de porcelana nas mãos de um ogro sem coração que a quebrou. Um objeto de prazer nas mãos de um sádico.

As marcas escondidas em seu corpo eram superficiais comparadas às que ela carregava na alma, as que jamais curariam e nunca pararam de sangrar, mesmo com o passar dos anos.

A alma não suportou a dor das crueldades da vida e ela mudou. Vestia preto em luto pela garota que morreu. Perdeu o brilho nos olhos, perdeu também a vontade de viver, ela existia e era apenas isso. De pé por seu filho, o jovem que tornou-se adulto e inocentemente não sabia que o pai era um monstro, ela tinha que protegê-lo.

Pela manhã, sobre a cama de lençóis frio dormiam a dama e seu carrasco. Ela encarava o teto, o mesmo que passou toda a noite encarando para esquecer o que aconteceu com seu corpo. Ao seu lado, abraçando-a em um aperto possessivo dormia seu monstro. A barba branca roçava desconfortavelmente no pescoço dela, aumentando sua repulsa. Julieta levantou, desnuda e cobriu-se com o lençol. Quantas vezes ela pensou em acabar com aquele pesadelo. Um golpe enquanto ele dormia e teria paz ou inferno eterno. Matá-lo

Mate-o.

Mate-o.

Apenas mate-o.

Você será livre.

Livre para sempre.

Camilo.

Camilo nunca a perdoaria.

Ela sacudiu as palavras que continuavam agitadas em sua cabeça.

Ele está velho, morrerá em breve. Dizia a voz conformista.

Ela afastou os pensamentos matinais e o deixou sozinho no quarto.

***  

A agitação da casa começava logo cedo e antes das oito da manhã os passos dos empregados podiam ser ouvidos pelo corredor, juntamente com vozes, entre elas as de Camilo e Darcy, que riam sobre um dos comentários do seu filho.

— Julieta — Chamou Susana, tirando-a de sua reflexão. Parou ao lado da penteadeira onde Julieta sentada tentava esconder uma pequena marca no rosto —, você está se sentindo bem? — Perguntou com olhar apiedado no rosto.

— São raros os momentos em que estou bem, Susana.

— Também não queria vir morar no Vale do Café, não é?

— Eu não queria morar com esse homem — disse com nojo na voz olhando para amiga através do espelho.

— Eu ouvi coisas ontem à noite, ele veio visitá-la?

— Sim e por favor Susana, não me olhe desta forma. Sabe o quanto odeio este olhar penoso.

— Não foi minha intenção aborrecê-la. Vim aqui para dizer que Osório está perguntando por você na sala de jantar e mandou avisar que sairão em breve, iniciarão hoje as negociações com o Barão de Ouro Verde, Camilo não irá mas você sim, seu filho está decidido a explorar o que o Vale tem de melhor. Aliás, seu marido disse que não irei com vocês para fazenda, ordenou que eu ficasse na casa.

— Imaginei que ele faria isso. Havia falado com ele que não gostaria de ir a fazenda mas ele nunca me dá ouvidos, parece que esqueceu de tudo que fiz no passado.

— Pode ter certeza que ele não esqueceu-se, por isso é tão frustrado. Mas eu irei descer agora, tenho trabalho a concluir. — Mostrou um singelo sorriso e retirou-se.

Julieta conhecia o efeito que o marido tinha sobre as pessoas que o cercavam e Susana, assim como ela, era um grande exemplo. Osório nunca atreveu-se a tocar na assistente da esposa, mas conseguiu intimidá-la e, aos poucos, Susana foi perdendo seu brilho. Mantinha ainda o tom sarcástico, mas a típica felicidade que levava consigo já não existia mais.

A Rainha do Café colocava sua armadura, abotoando o penúltimo botão do vestido preto quando ouviu o rangido oco da porta preencher o quarto. A sensação ruim que percorreu sua espinha dizia-lhe que ele estava entrando. Os olhos predadores dele a viam como uma presa que indefesa não podia lutar.

Os passos dele tornaram-se mais firmes e mais próximos. Osório era atraído pelo medo dela e o pavor que causava nas mulheres, quando finalmente revelava quem era. A respiração quente dele em seu pescoço dizia que ele estava mais perto do que ela gostaria, as mãos ásperas acariciaram de forma ríspida os ombros cobertos dela.

— Estás muito bonita. — Ele elogiou e ela sentiu o coração bater em uma frequência mais rápida — Tanto quanto as prostitutas do bordel da cidade, elas são mais coloridas, admito. Poderíamos atrasar nossa visita a casa do Barão, mas acho que tens que estar mais descansada para hoje a noite, talvez isso a ajude para que fique menos parada esta noite. Desça em cinco minutos, estou esperando-lhe.

O quarto foi invadido por uma paz silenciosa quando ele bateu a porta. Podia sentir alívio e medo na mesma intensidade. Seu corpo não seria usado naquele momento, mas não tinha garantia sobre o que aconteceria quando a noite chegasse.

***

Parada diante da Mansão na Fazenda Ouro Verde Julieta constata que seus contatos não haviam exagerado nos elogios quando se referiram a propriedade. De todas as fazendas da região aquela era a que mais elogios recebia.

 

Procurou também, por precaução, saber sobre os moradores. As pessoas diziam muitas coisas sobre os Cavalcante que ali moravam. As opiniões sobre o Barão eram sempre as mesmas, um homem de poucas palavras, por vezes com comportamento rude e sarcástico. Morava também o filho do Barão, falavam que ao trocar advocacia pela botânica e acabou contradizendo os ideias do pai. A jovem Ema Cavalcante também recebia elogios, diziam que era elegante e bela, com fama de “casamenteira” e herdou características da falecida mãe.

 

Os braços de Osório seguraram os dela quando adentraram a casa. Ele realmente tinha prazer em a expor como sua propriedade particular e não hesitava em fazer sempre que podia. Ela não retirou o braço apenas caminhou ao seu lado. A entrada dos dois foi anunciada em um murmuro por uma velha empregada que rapidamente retirou-se.

O Barão era inválido e isso ficou claro quando o viu sentado em uma cadeira de rodas. O semblante era pouco amigável e por trás daquela faceta aparentemente dócil podia esconder-se um homem astuto e ardiloso. Mas não foi somente o Barão quem chamou sua atenção, mas o homem ao lado dele, com uma expressão mais suave. Muito provavelmente era filho dele.

 

— Boa tarde — Osório cumprimentou e ela sentiu o aperto ao redor do braço afrouxar. Ele estendeu a mão para o Barão que apertou — É um prazer finalmente conhecê-lo — Virou-se para ela e com as mãos fez um gesto vago — Está é minha esposa, Julieta Bittencourt.

 

Julieta pode jurar que por um segundo viu um lampejo de desentendimento na expressão do Barão e mais ainda na do filho dele. A diferença nítida de idade confundiu ambos os homens. Ela ignorou e mostrou um pequeno e forçado sorriso.

 

— É um prazer, Barão, Senhor Cavalcante.

 

— É um prazer conhecê-lo também, o honrado senhor Osório Bittencourt e sua esposa — Repousou a mão sobre a perna do filho — Este é meu filho, Aurélio Cavalcante.

— É prazer conhecê-lo, senhor e senhora Bittencourt. É uma honra tê-los em nossa fazenda.

Diferente do filho o Barão pareceu ignorar a presença dela completamente e passou a agir como se houvessem três homens e mais ninguém. Julieta acostumou-se com aquele tipo de tratamento, ou então quando as pessoas diziam “É um prazer conhecer o honrado e digníssimo senhor Bittencourt, Rei do Café, e sua esposa.” Alguns tinha a delicadeza de acrescentar “Rainha do Café”, um título que ela secretamente conquistou, mas que ninguém sabia.

 

— Sentem-se. Eu realmente estou curioso para saber o que o senhor pode querer conosco.

Osório a puxou discretamente para baixo. A empregada tornou a sala, entregou a cada um uma xícara de café e retirou-se novamente.

 

— Quer mesmo ir direto às negociações, Barão?

 

— Bem, sim, eu gosto de ser direto e gosto que sejam direto comigo. Mas sua esposa está aqui, em certeza que não deseja caminhar pelos jardins enquanto os homens conversam? — Ele pareceu notá-la pela primeira vez e seu tom sarcástico era pouco amigável.

 

— Não, senhor Barão, eu ficarei aqui para assegurar-me que eu negócio seja feito e peço que não se sinta intimidado com minha presença.

 

— Julieta — Osório a repreendeu — Perdoe minha esposa, Barão, mas sabe como as mulheres estão ficando, querem aprender mais sobre negócios para quem sabe um dia, tentar igualar-se, vamos apenas ignorá-la.

 

Não responda. Disse a si mesma.

 

Ela apenas revirou os olhos discretamente enquanto bebia um pouco do café, mas viu que não foi a única a revirar os olhos. O filho do Barão também, pareceu incomodar-se com o comentário de Osório. Julieta pode notar o belo par de olhos azuis, tinha os cabelos castanhos quase aloirados e certamente havia herdado tudo da mãe, notavelmente era o oposto do pai.

 

Os olhos dele fitaram-na por alguns segundos e ela quem precisou desviar. Ninguém nunca olhou verdadeiramente em seus olhos e ela sentiu um estranho desconforto quando ele o fez.

 

— Mas então, diga-me, que tipo de negócio o Rei do Café poderia querer tratar comigo?

— Como o senhor mesmo sabe a propriedade Ouro Verde é bem vista e eu tenho o desejo de comprá-la para expandir meus negócios pela região.

 

— Comprar a minha fazenda? Você bem deve saber que não é o primeiro a me fazer essa proposta e darei a mesma resposta que dei a todos os outros, eu não vendo. Se era isso, podem ir agora.

 

— Papai — o filho do Barão o repreendeu — Não seja rude com nossos convidados. Deixe-os falar. — Ele tinha o tom tão apaziguador que o Barão voltou a acalmar-se.

 

— Mas eles não são convidados — virou-se para Osório — e se pensam que podem me comprar estão enganados.

 

— Pode pensar assim agora, mas ouça seu filho e nos escute até o final, Barão — Ela colocou-se na conversa e o semblante passivo do marido tornou-se sério — O senhor tem uma grande dívida, eu diria exorbitante com a companhia de Torrefação Alencar.

 

— Eu não espero que a senhora entenda de negócios mas estamos negociando essa dívida e creio que isso não lhe diz respeito.

— É verdade, negociamos novamente a dívida duas semanas atrás, eu mesmo tratei disso.

— Acho que os senhores não entenderam, nós compramos a dívida, o que faz com que os senhores devam aos Bittencourt agora.

— Compraram a dívida? — O Barão estava tão descrente quanto o filho.

— Julieta, eu disse que falaria com o Barão, então cale-se imediatamente. — Foi rude e seu tom não surpreendeu ao Barão, mas sim ao filho dele. O senhor Cavalcante não pareceu tranquilo quando ouviu o marido dela falar de forma tão arisca.

— Perdão — Sussurrou.

Quem você pensa que é? Criticou-se. Cale-se.

As negociações a partir daquele segundo transcorreram com palavras trocadas entre os três homens. O Senhor Aurélio Cavalcante tentava tranquilizar o pai, recordando-lhe sobre o coração fraco. Por alguns segundos Julieta questionou-se porque ainda continuava ali, sua presença era tão requerida quanto a dos belos vasos caros que ornamentavam a casa.

No meio tempo, durante as discussões entre o Barão e Osório, onde somente a voz do velho Barão podia ser ouvida, Julieta trocou olhares com o homem sentado na sua frente. Ela desviou e tentou concentrar-se nas próprias mãos que mexiam-se nervosamente sobre suas pernas.

As vozes ao seu redor acalmaram-se.

— Barão, está ficando tarde e tenho muito para fazer antes do dia acabar. O que me diz de retomarmos essa conversa amanhã em minha casa?

— Nós aceitamos — antecipou-se para responder o filho do Barão — É claro que aceitamos, não é papai? Amanhã, na mansão Bittencourt.

O filho do patriarca levantou-se quando viu Julieta e Osório levantar-se.

— Tenha um bom dia, Barão.

— É, você também.

Osório caminhou na frente de Julieta, deixando-a para trás e apressando-se para deixar a casa.

— Até mais, Barão.

Ela afastou-se mas antes de caminhar até a saída deu-se conta que o lenço que repousava sobre seu colo enquanto estava sentada já não estava mais lá. Virou-se para voltar mas encarou o homem de olhos bonitos. Ele olhou no fundo dos seus olhos, tão intensamente como se pudesse desnudar sua alma com aquele olhar.

— Deixou seu lenço cair — estendeu delicadamente o tecido fino.

— Obrigada.

Os dedos roçaram um no outro e os olhos como imãs desejavam não se separar jamais.

— Até, senhor Aurélio.

Ela afastou-se, caminhando tranquilamente até a porta, mas sem nem mesmo precisar virar-se podia sentir o olhar do senhor Aurélio em suas costas e novamente sentiu um pequeno incômodo, não era algo ruim, como o que sentia quando era observada por Osório, mas algo diferente.

Osório já a esperava no carro.

— O que aconteceu lá dentro? — Perguntou no instante em que Tião deu partida.  

— Meu lenço caiu e....

— Não me refiro a isso, Julieta. Eu exijo que durante minhas negociações com o Barão você mantenha sua bela boca fechada. — segurou seu rosto entre as mãos e apertou com força — Quantas vezes eu já lhe disse para não intrometer-se em minhas negociações?  

— Eu peço perdão por ter me exaltado lá dentro.  

— Você é minha mulher e nada mais que isso, você não é um belo ornamento como esposa, mas não use o cérebro ou perde a beleza.

Frustrada. Era comum sentir-se assim. Era um sentimento cotidiano.  

Você deveria ter aprendido. Pensou consigo mesma. Você não é nada além de um belo ornamento.

Ninguém jamais a veria como algo mais além daquilo, uma bela peça ao lado de um homem.


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Notas finais do capítulo

Para você que chegou até o final deste capitulo e decidiu me dar uma chance, obrigada. Espero que apareça no próximo.

Vocês viram quem o Osório não é uma boa pessoa e ele é sim desprezivel. O próximo capitulo (caso você leia) terá mais interação entre Julieta e Aurélio e teremos um ponto de vista mais profundo do Aurélio.

Julieta tem um passado muito mais complexo e mais dificil, que será mostrado no decorrer da historia.



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