Laços de Seda. escrita por Laélia


Capítulo 1
Laços de Seda.


Notas iniciais do capítulo

Se puderem, comentem que eu sempre respondo com carinho.



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A consciência deveria ser considerada o fardo mais pesado para a humanidade. Apenas as pessoas que conseguem usufruir dela, sentem seu verdadeiro peso quando deslizam em alguma coisa. Sua maior função, tal vez seja de não deixar os seres humanos esquecerem dos seus antigos pecados. Graças a ela, não ficamos livres de julgamentos internos. Mesmo que as outras pessoas não saibam dos seus crimes, essa incrível ferramenta de deus, vai destruí-lo de dentro para fora. Minha falecida mãe, dizia que a consciência servia como os olhos e ouvidos de deus, pois ela sabia tudo o que se passava no coração das pessoas. Essa frase me atormentava direto depois da nossa viagem de inverno.

        Para quem não sabe, quando uma menina nasce na Alta nobreza de um país de sistema monárquico, a sua única possibilidade de ascensão social é por intermédio do casamento. Na verdade, o único futuro aceito para as mulheres é o casamento. Com a preferência por homens mais velhos, ricos e escolhidos pelos seus pais. Se você veio aqui, procurando uma 'garota exceção' ou 'a escolhida/diferente' que não seguiu este caminho, está completamente iludido.Por favor, pare de ler agora, pois o meu caso foi bem mais natural do que parece.

        A minha mãe estava em guerra com a família da rainha, então para cessar os conflitos, fizeram um acordo de casamento. Afinal, o amor é destinado aos amantes e não aos casados. Seguindo as regras do sistema,meu futuro foi todo planejado e arquitetado em poucas semanas, nunca tive o poder de escolha, fui simplesmente jogada em uma realidade onde as coisas acontecem assim. Entretanto, mesmo que a minha mãe me usasse como moeda de troca e futuramente, como sua peça em um tabuleiro de xadrez, ainda era o pilar da minha vida e servia como a minha rocha nos momentos mais difíceis. Seu amor por mim era incontestável. Acredito que foi isso que tornou o meu pecado tão pesado, acabei traindo a pessoa que amava.

       O pecado que cometi, machucava muito a minha mãe e só aumentou com o passar dos anos. Esse sentimento abominável nasceu quando selamos o acordo matrimonial, bem no meio de um território neutro. Lembro-me perfeitamente que o dia estava chuvoso e o chão tomado por um tipo de barro preto, um clima perfeito para celebrar um casamento infantil. Havia uma tenda branca real, usada como escritório improvisado, onde as pessoas importantes se protegiam da chuva.

            Meus olhos sempre foram escuros como uma noite sem estrelas, os criados diziam que era assustadores e capazes de dar medo em adultos. Nem passou pela minha cabeça intimidar algum adulto, pois naquele momento, eu me sentia sendo puxada para um buraco negro.Minha visão estava focada no chão, tentando não pensar no horrível futuro que me esperava. Mesmo as crianças sabiam que não existiam quase esperanças para a felicidade matrimonial, principalmente se o relacionamento fosse arranjado. Minha única escapatória era morrer antes dos dezoito anos, quando o casamento deveria ser consumado pela segunda vez. Mas acredite em mim, quando digo que o meu pecado não foi desejar a morte ao invés de deitar-me com o meu marido.

     Meu grande pecado foi justamente ao contrário: acabei por me afeiçoar de maneira indesejada a ele. Como posso explicar isso? Digamos que nos planos políticos da minha genitora, não estavam incluídos laços de afeto ou amizade com uma das crias da mulher que arruinou a nossa família. O problema aconteceu quando tive que olhar para frente e acabei me deparando com um garotinho meio gordinho, com cabelos castanhos claros muito cacheados e olhos grandes que tinham um estranho tom de mel. Não sei ainda explicar o motivo do meu rosto ter esquentado naquele momento, mas acredito que o motivo foi a intensidade que aquela bizarra criatura redonda me encarou. Nenhum menino jamais demonstrou interesse em mim, pensando nisso com mais calma, acho que devo ser bem mais feia do que acredito, pois todas as mulheres que conheço já receberam uma declaração de amor na vida. Eu por outro lado, passei minha vida arrumando brigas com o sexo oposto. Sei que este não é o lugar para demonstrar baixa auto estima, mas tenho poucas chances de realmente desabafar sobre os meus próprios sentimentos. 

      Continuando, se as minhas memórias ainda não falham, todo o processo foi incrivelmente rápido. O bispo leu os termos do casamento, os representantes das famílias concordaram e os adultos assinaram a maior parte da papelada. Logo em seguida, foi a vez das crianças, que eram apenas eu, meu futuro marido e o meu cunhado, que já era um adolescente. Mas antes de assinar o papel que me acorrentaria em um relacionamento sem afeto, notei a letra engraçada e desengonçada do meu, agora proclamado, marido. Achei aquilo engraçado por algum motivo. Meus lábios não se abriram em um sorriso na hora, a tensão da atmosfera do lugar não permitia tal blasfêmia, mas guardei essa sensação no peito até voltar ao meu quarto na semana seguinte.

         Não percebi no momento, mas aquele sentimento de empatia por um filhote de víboras já era um sintoma do problema. A situação foi ficando agravante, quando tivemos que consumar a nossa primeira união ali mesmo, conforme diziam os costumes. O pai do menino, que também era governante do reino, empurrou ele na minha direção, totalmente alheio a falta de coordenação motora do garotinho meio rechonchudo de cabelos encaracolados.

         Seus grandes olhos mel estavam totalmente abertos em sinal de pânico, os lábios estavam muito ressecados, já que passava a língua sem parar por entre eles. Sua cara pálida, estava completamente vermelha e a respiração desregular me irritava um pouco. Lembrando-me disso nos tempos atuais, a cena fica cada vez mais cômica, totalmente diferente da sensação que tive quando estava lá pessoalmente. Seu rosto gorducho virou-se para quase todos os lados, levando mais de dois minutos encarando cada pessoa naquela tenda. Todo mundo estava ficando impaciente com a situação, o pivete simplesmente não desistia!Mesmo sabendo que ninguém ali iria ajudá-lo.Acho que depois de cinco minutos, minha paciência, que já era consideravelmente curta na época, esgotou e puxei seu rosto rechonchudo na minha direção. Nossos lábios se colidiram de maneira desajeitada e até mesmo meio dolorida. Com muita agilidade, o empurrei de volta na direção do seu pai e selei nosso casamento. Fiz tudo o que a minha mãe havia me ensinado. Não demonstrei sentimento nenhum e nem ao menos hesitei em fazer o que era necessário, mas a dúvida que carreguei comigo por muitos anos, foi o motivo pelo qual meu coração acelerou de tal maneira que parecia um infarto. Aquele foi o meu primeiro beijo e por muitos anos depois, acreditei que seria o único de toda a minha vida. Alguns instantes depois do beijo, fiquei feliz por conseguir realizar a tarefa com maestria, mas quando levantei a cabeça para encarar minha mãe, seus olhos de ferro me diminuíram em apenas um olhar. Não entendi na hora, pois fiz tudo o que ela me ensinou: não hesitei e nem demonstrei empatia pelo inimigo. Contudo, ela conseguia ler os meus sentimentos igual a um livro aberto, seu desgosto pela situação era compreensível. 

         Anos depois, mesmo lembrando de todos os conselhos concedidos a mim por minha genitora, que muito se preocupava em não ter netos que compartilhavam o mesmo sangue com aqueles que a machucaram tanto, acabei por pecar uma segunda vez. Fui tola e inconsequente,pensei que ele finalmente havia criado sentimentos reais em relação a mim. Mas enquanto o observo sair e me deixar sozinha e gravida, apenas para mandar cartas escondidas para a sua ex cunhada e amante, percebo como minha mãe estava certa em dizer que o único ser do sexo masculino que eu deveria confiar era aquele que havia morrido na cruz por todos nós. 

 

Espero que este papel seja encontrado futuramente, assim muitas pessoas vão perceber como essa realidade é cruel com as mulheres e assim, visões romantizadas desta época não serão estimuladas.

 

No Ano de 7003 de Nosso Senhor, escrito por: M.Gabriela Alcântara e Mello. Rainha por casamento e duquesa da Província de São Miguel por nascimento. 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem até o final.



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