No place like home. escrita por Lillac


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

Eu gosto do Chalé 10 e queria que houvessem mais fics sobre eles.
A modelo que a Piper cita se chama Winnie Harlow.



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Havia sido uma transição radical para Piper. Em um momento, ela era uma filha única vivendo em uma mansão (ou em internatos) silenciosa e grande demais, e, em outro, ela dividia o beliche no canto de um chalé apertado que cheirava a perfuma francês.

Não havia dúvidas de que ele era uma conselheira-chefe muito melhor do que Drew, mas, se havia uma coisa da qual o Chalé de Afrodite sentia falta da antiga chefia, era a limpeza. Porque Piper estava longe de ser a obcecada perfeccionista que Drew era, e seus irmãos longe dos arquétipos impecáveis e perfumados que os outros campistas achavam que eles eram.

Em outras palavras, Piper pisou em um chiclete mascado quando saiu da cama.

— Argh, Lacy!  

— Não fui eu — a outra garota resmungou, apenas parcialmente acordada. — Eu nem posso mascar chiclete.

Ela evidenciou sua prova abrindo a boca e mostrando o aparelho, o que era uma visão que Piper realmente não precisava ter logo de manhã. O cabelo loiro de Lacy estava um verdadeiro furacão, espalhado no travesseiro, e havia uma mancha de saliva na colcha.

Piper ouviu alguém se levantando no beliche ao lado, mas estava ocupada tentando pensar quem poderia ter feito aquilo...

...E, por esse exato motivo, falhou em perceber Drew, muito habilidosamente evitando a goma mascada no chão e passando por ela com uma toalha jogada sobre o ombro.

E atirando uma bolinha de papel na boca de Lacy.

A garota tossiu desesperadamente enquanto a mais velha avançava rindo para o banheiro. Quando Lacy finalmente conseguiu cuspir o objeto, acertou Mitchell, que havia se aproximado com todo o barulho e chegado bem naquele momento, direto na testa.

Piper piscou.

E aquilo era apenas o início do dia.

 

 

Após finalmente conseguir arrancar Lacy de cima de Mitchell (porque, por algum motivo ela estava mais determinada em soca-lo na cara do que ele estava em vingar-se pela bolinha de cuspe), Piper tomou um banho relaxante.

Ou teria sido, se Drew não houvesse aberto a porta do banheiro para pergunta-la onde Piper havia metido seu novo batom da MAC.

— Eu não uso sua maquiagem! — Chiou, agarrando a cortina que as separava como se sua vida dependesse disso.

— Eu sei. Mas eu estou perguntando de todo mundo e — sorriu — não posso perder a oportunidade de te irritar.

 

 

Ela encontrou Lacy retocando esmalte das unhas dos pés (um verde neon berrante que deixava Piper com dor de cabeça) enquanto Mitchell, sentado atrás dela, alisava as mechas louras com uma prancha, o olhar tão desinteressado que parecia mais que as mãos dele estavam fazendo o trabalho por si mesmas.

— Valentina! — Drew exclamou, de onde estava de pé conferindo seu nécessaire.

— Eu não fiz nada!

Drew levantou um tubinho preto em uma das mãos, e duas outras garotas pestanejaram como se ela houvesse fisicamente machucado alguém. Piper tentou estreitar a visão, mas não viu nada demais com a embalagem.

— Você sempre usa todo o meu rímel — Drew bufou, ainda balançando o tubo — eu quero de volta.

— Mas não fui eu — Valentina insistiu. Então, ela virou-se, batendo um dos pés, e fez uma expressão de cachorrinho magoado — Pipes!

Drew olhou para ela também. Até Lacy parou de pintar as unhas para encará-la. Piper ficou completamente perdida por um instante — até perceber que Valentina estava esperando que ela usasse sua “grande” autoridade como conselheira-chefe. Ou coisa assim.

— Mitchell.

— Piper! — Mitchell ofendeu-se.

Mitchell.

— Está bem — ele rolou os olhos. Deliberadamente, gesticulou com a mão que não estava segurando a chapinha — fui eu. Tem outro na minha gaveta, é só pegar.

Valentina soltou uma risadinha triunfante enquanto Drew fuzilava Mitchell com o olhar. Ela mostrou a língua para a outra garota.

— Valentina.

— Desculpe.

Drew começar a andar na direção do lado dos garotos. Piper limpou a garganta. Drew a olhou, como se estivesse suplicando, mas a expressão dela não vacilou. Os ombros da outra despencaram em rendição, e ela arrastou a voz quando disse:

— Que seja. Me desculpe, Valentina.

Piper cruzou os braços, satisfeita. Era estranho ter tantos irmãos pela primeira vez, mas ela supunha que não fosse muito diferente de ter amigos — pedir desculpas em voz alta era estranho, mas às vezes necessário, para não engarrafar um monte de emoções ruins e evitar uma tragédia maior.

Valentina sorriu. Era a mais nova campista do Chalé, havia chegado a pouco tempo, e, honestamente, Piper perguntava-se se era daquele modo que ela parecera nos seus primeiros dias. Duvidava muito.

Ela jogou-se em Drew, envolvendo os ombros dela com os braços, e estalou um beijo na bochecha da mais velha.

— Desculpada!

— Argh, eca — Drew afastou o rosto, mas Piper viu um sorrisinho na boca dela.

Ela acariciou levemente o topo da cabeça de Valentina, dois toques rápidos, e então partiu para recuperar o rímel roubado.

— Você é uma fofoqueira — Mitchell acusou.

— Você é um péssimo ladrão — Piper deu de ombros —, observe e talvez aprenda alguma coisa, irmãozinho.

 

 

O café da manhã não era muito mais fácil. Piper gostaria honestamente de saber quem inventara o rumor de que pessoas bonitas não comem muito, porque com certeza não conhecia seus irmãos. Ela esticou uma mão para pegar um sanduíche de alface e tomate e levou uma cotovelada de Lacy que ficaria doendo por algumas semanas.

Era muito mais barulhento do que os cafés usuais de Piper, que consistiam nela, e algum empregado solidário que se apiedara da garotinha comendo sozinha. Mitchell estava gritando com Gustav sobre algum programa de TV novo, e Lacy e Valentina brigavam pelo último pedaço de panqueca vegetariana (sem perceberem que Piper já o havia pegado).

— Aqui — Drew deslizou para o lado dela no banco.

Piper observou o que ela tinha em mãos.

— Eu ia te dar hoje de manhã, mas acabei esquecendo.

Era uma caixinha de suco de soja.

— Você me comprou um suco de soja?

— Um? — Drew repetiu como se fosse uma piada.  — Você me conhece? Eu trouxe uma mala. Está lá no chalé.

Piper a encarou com os olhos arregalados. Ainda estava se acostumando a não ter Drew enchendo o seu saco o tempo todo. Mas precisava dizer que gostava desses momentos.

— Obrigada.

— Não se acostuma — sua irmã finalizou, jogando um monte de cachos perfeitos por cima de um ombro.

 

 

Piper descobriu que, embora relações com irmãos fossem muito parecidas com amizades normais, havia uma tangente diferença: irmãos brigavam. o. tempo. todo.

Não importava o motivo. Não importava o lugar. Deuses, não importava sequer quem. Certa vez, ela pisara sem querer no pé de Valentina e a garota a xingara em francês até a terceira geração.

E, certo, ela brigava com seus amigos também. Mas quando ela e Annabeth brigavam era esporádico, e por algum motivo. Porque, com amizades, por mais alto que fosse o nível de confiança e intimidade, sempre haveria a possibilidade de alguma discursão ser extrema demais.

Com os seus irmãos era mais tipo: há, você ficou chateado? Que pena mané, boa sorte vivendo sob o mesmo teto que eu até a faculdade.

Por isso — para manter sua pequena, porém disfuncional família — funcionando, Piper era uma grande fã de diálogo.

E Piper entendia de famílias disfuncionais. Por isso não se surpreendeu quando colocou os pés no Chalé 10 e viu Mitchell na cama de cima do beliche atirando absorventes (lacrados) em Lacy, que retribuía com arremessos de batons enquanto Drew, ao fundo, tinha um ataque de nervos ao ver sua preciosa maquiagem sendo destruída.

— Lacy, essa coleção é limi... Lacy você jogou minha coleção limitada da temporada de Milão na parede, eu... Mitchell se você não largar esse batom agora

— Eu já disse que não fui eu quem comi! — Mitchell exclamou, enquanto Lacy jogava uma paleta inteira de sombras que o acertou no ombro.

Ele retribuiu atirando o pacote todo — que ainda tinha por volta de doze — na cara dela.

Lacy atirou-se na escada do beliche. Antes que ela pudesse escalar e transformar o rosto de Mitchell em uma almofada de alfinetes, Piper a agarrou pelas pernas e tentou puxá-la.

— Pelos deuses, o que aconteceu?!

— Mitchell comeu o último brownie vegetariano que eu trouxe!

— Não comi!

— Lacy, eu entendo, mas—

— Era para você! — Lacy interrompeu-a.

Piper olhou para Drew, que estava ocupada tentando salvar os restantes de um pó compacto, buscando por confirmação. A outra garota acenou positivamente.

As mãos de Piper saíram das pernas de Lacy para os pés e ela deu impulso para irmã, que subiu como um gato de rua para cima de Mitchell.

E então Piper escalou o beliche também, pronta para ajudar Lacy a transformar a cara de Mitchell em uma almofada para alfinetes, enquanto Drew choramingava ao fundo.

 

 

Afrodite significava amor, carinho — e, contrário à opinião popular, aceitação.

Piper entendia isso melhor do que ninguém. Levara tanto tempo para entender quem era, não apenas como semideusa, mas como pessoa. Para compreender suas origens, gregas, americanas, indígenas. Para encontrar a si mesma como pessoa, como amiga.

Como a irmã mais velha que às vezes sua família precisava que ela fosse.

Porque por mais que não conhecesse aquelas outras crianças há muito tempo, não podia negar que eram sua família. Não dividiam o mesmo DNA, mas eram ligados por um laço mais forte que era incontestável.

E Afrodite também significava cuidar das pessoas.

Principalmente, de seus irmãos.

Por isso, quando ela e os outros encontraram uma de suas irmãs mais quieta e afastada encolhida com o rosto escondido nos joelhos, no meio dos campos de morango, Mitchell e Valentina precisaram segurá-la coletivamente para impedir que Piper fosse atrás de seja lá quem houvesse magoado a garota e encantá-lo para bater a cabeça em uma porta — ou, quem sabe, apenas lhe meter um soco bem dado.

Ao invés disso, ela sentou-se ao lado dela, enquanto Lacy, delicadamente, fazia-a erguer o queixo e Mitchell limpava suas lágrimas com os polegares.

Como esperado, a garota era estonteante. Tinha a pele negra muito escura, lábios grandes e um nariz extenso. As írises eram tão profundas que pareciam poder sugar a alma de alguém. O cabelo prateado era dividido em centenas de trancinhas que formavam um grande coque no topo da cabeça dela. Grandes pedaços da extensão da pele dela eram mais claros, como manchas de tinta espalhados aleatoriamente, e Piper lembrou de uma modelo com a qual Tristan já trabalhara algumas vezes, que tinha uma pele parecida.

A garota não parecia ter mais de catorze anos. E Piper teve que ouvi-la contando sobre os comentários horríveis que escutara durante todo o ano escolar, sobre as coisas horrendas das quais fora chamada — sem poder fazer nada.

Em algum momento, Mitchell e Drew trocaram um olhar. Drew respirou fundo, e então subiu um pouco a camiseta, apenas o suficiente para revelar o começo de uma cicatriz grossa logo abaixo do sutiã.

— Eu nunca escutei coisas ruins por causa dela, claro. As pessoas vêm a filha de Afrodite, não a garota que passou por quase uma dezena de cirurgias cardíacas e que tem um monte dessas espalhadas pelo peito — explicou, colocando uma mão sobre a da irmã — e eu poderia ficar aqui o dia todo, contando sobre toda a merda que eu já ouvi por causa dos olhos puxados e dos peitos pequenos, da bunda reta ou qualquer outra coisa. Mas você não quer ouvir isso — ela hesitou um pouco. — Você não precisa ouvir isso.

Mitchell pegou a outra mão dela.

— Afrodite não significa perfeição — disse. — Significa amor. E amor vem de todas as formas.

— E amor próprio é como a nossa própria armadura. Se você tiver o suficiente, ninguém consegue te acertar — Lacy sorriu, evidenciando as tiras do aparelho — nós não somos perfeitos, e nem precisamos pensar em ser. Afrodite é a deusa da beleza. Isso por si só já deveria dizer que, se a deusa da beleza te acha estonteante — ela colocou uma mão no ombro da irmã — quem é que vai dizer o contrário?

Piper sentiu um sorriso formando-se no seu rosto.

— Afrodite significa amor e aceitação — concluiu —, e nós precisamos cultivar isso em nós mesmos antes de procurarmos nos outros. Mas... um passo de cada vez. Por enquanto eu quero que você saiba nós estamos todos aqui, por você.

— Obrigada — Piper soube que o sorriso dela era genuíno.

— Eh, não deixa ela exagerar — Mitchell comentou, ajeitando os óculos — a Piper é insuportável quando fica emocional.

Piper socou-o no ombro, ouvindo as irmãs rindo, e depois apoiou a cabeça no mesmo, enquanto Drew abria um dos braços para a garota aproximar-se, que se deitou no ombro dela, enquanto Drew corria as unhas pelos espaços entre as tranças de forma carinhosa. Lacy acomodou-se deitada nas pernas da mais velha, e, juntos, eles aguardaram em silêncio.

Isto é, até as harpias aparecerem e os enxotarem de volta para o Chalé.

 

 

— Vocês erraram uma unidade, eu sou do Chalé 10, Hermes e a galera que acolhe os viajantes sem-teto é para lá — Piper anunciou no interfone.

— Nós trouxemos pizza — Drew foi convincente.

Piper suspirou, apoiou a testa na parede e então pediu que os seguranças abrissem o portão. Não demorou muito para ouvir batidas na porta. Mitchell e Valentina entraram carregando três caixas de pizza cada, e Lacy saltitou para dentro com uma sacola de refrigerantes. Drew entrou depois, trazendo uma única embalagem de suco de laranja.

— Eu disse que vocês poderiam vir em emergências — Piper os lembrou.

— Como se eu escutasse o que você diz — Drew respondeu.

Mesmo nunca tendo estado na mansão dos McLean antes, seus irmãos gregos acharam facilmente o caminho para a sala de estar, onde depositaram sem dificuldades as caixas de pizza sobre a mesa de centro.

Era o primeiro fim de semana depois da volta às aulas, e Piper morreria antes de admitir que estava sentindo falta dos irmãos. Ela não fazia ideia de como eles haviam todos parado ali — eles nem moravam no mesmo estado!

E por mais que Piper sentisse vontade de puxar os cabelos deles e enxotá-los de casa por serem tão inconvenientes... ela, por algum motivo, acabou sentada no sofá cama entre Drew e Mitchell enquanto Lacy e Valentina esparramadas no chão discutiam pelo controle da TV.

A mais nova esticou uma mão para pegar um pedaço de pizza, mas Drew a acertou no pulso:

— A vegetariana é da Pipes, se comporta.

Valentina fez um bico, mas aceitou. O céu começou a escurecer lá fora, e um bocejo involuntário escapou da boca de Piper. Mitchell a cutucou com o cotovelo:

— Mas já?

— Deixa de ser chato — Piper respondeu, empurrando-o com o pé.

E ela disse a si mesma que realmente os expulsaria.

Assim que ela... — outro bocejo — assim que ela...

Piper inclinou o corpo para o lado e caiu com a cabeça apoiada no ombro de Mitchell, com um pé já no mundo dos sonhos.

 

 

No dia seguinte, a sala de estar estava limpa, as caixas haviam sido jogadas no lixo, e a costa de Piper doía. Mitchell parecia ainda mais desconfortável que ela, com a coluna inclinada e a cabeça jogada para trás, e ela percebeu que ela mesma havia dormido com uma perna esticada por cima do torso de Drew.

Do tapete, Lacy ergueu o rosto amassado de um lado e resmungou, sonolenta:

— Estou com fome.

Piper suspirou. Acordou Drew com um pontapé e Mitchell com um pequeno puxão no cabelo, e os três mais velhos se levantaram para pegar alguma coisa na cozinha, enquanto Lacy e Valentina rastejavam, apenas parcialmente acordadas, até o sofá agora desocupado.

Enquanto esperava Drew terminar de misturar a massa para as panquecas, Piper sentou-se no balcão da cozinha.

Ter irmãos era complicado, irritante, e por vezes, mexia com a noção de espaço pessoal com a qual ela havia se acostumado tanto ao longo dos anos.

Mas, mesmo assim, Piper não sentia como se houvesse perdido muita coisa.

Afinal, seus irmãos eram sua família.

Ela suponha que tinha que agradecer à Afrodite por isso.

 


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Notas finais do capítulo

Queria fazer uma fic assim sobre os outros chalés também, mas infelizmente os livros dizem tão pouco sobre eles...
Provavelmente eu faça um do Chalé 11 (hehe) ou do 7!

Espero que tenham gostado, e comentários são sempre apreciados ♥



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