Detroit: Origens escrita por AlphaVox


Capítulo 4
Sam conhece sua nova prisão


Notas iniciais do capítulo

Opa, aqui estamos de novo! Tenham uma boa leitura!



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Belle Isle, Torre da CyberLife, 24 de junho de 2026, 04:31

 

Se Sam tinha ficado impressionado com o centro de Detroit, então não tinham palavras para descrever o que ele sentiu quando viu a torre da CyberLife aparecer no horizonte.

Claro, ele já tinha visto fotos do famoso prédio em tudo o que era capa de jornal e revista: mas era muito diferente ver aquilo na vida real. A torre era maior e mais grandiosa do que qualquer construção que ele já vira. Era coberta de vidro em cada ponto e janela: era um cilindro metálico espiralando na direção do céu estrelado com um tamanho que parecia não ter fim. Embaixo, um jardim colorido se estendia pela torre até a base de uma ponte enorme que atravessava o rio, conectando Detroit até Belle Isle. Atrás da construção ficavam grandes armazéns, cada um do tamanho de um estádio de futebol. Holofotes iluminavam o céu, drones de patrulha de polícia iluminavam o chão, e um caminho de pedras de mármore conectava todos os armazéns com a torre enorme.

— Cacilda! – foram as primeiras palavras de Sam.

— Meu Deus – ele ouviu Amanda dizer, baixinho –, não tinha melhor descrição, não?

O carro balançou quando passou por uma lombada e seguiu na direção da ponte. Sam abriu ainda mais a boca, olhando a quantidade incontável de androides que patrulhavam cada centímetro do lugar. Mas, em alguns pontos, era possível ver guardas humanos com um capacete sobre o rosto, todos carregando rifles e outras armas pesadas.

— Infelizmente – disse Kamski, suspirando – androides não podem portar armas, de acordo com a lei. Então temos que contratar humanos nas patrulhas. Sinceramente – ele parecia irritado – que risco eles acham que correm? Um humano com uma arma é mais perigoso que um androide com uma arma.

— Como assim? – perguntou Sam, parte prestando atenção na conversa, parte com a cabeça nas nuvens.

— Machucar humanos não está na programação de um androide. Tem uma série de códigos que, em nessas situações, manda o androide a se autodestruir. É como se ele tivesse chegado no nível máximo de estresse, entende? Androides não são capazes de fazer decisões que envolvam análises mentais: eles não são autônomos.

Aquela conversa atraiu o interesse de Sam, e ele desviou o olhar da ponte para encarar o milionário, que agora se recostava contra a cadeira giratória com os dois cotovelos apoiados nos joelhos, e o queixo apoiado nas mãos entrelaçadas. Um sorriso se contorceu nos seus lábios, um típico sorriso de cientista maluco que tem uma ideia genial. Sam nunca admitiria, mas aquele sorriso o deixara com um pouco de medo.

O carro estacionou bem na base da torre, abrindo as portas automaticamente com um chiado. Kamski desceu, seguido de Amanda, e Sam se moveu. Sua guarda de Barbies bodybuilders o seguiu de perto, entrando em formação. Pela primeira vez em muito tempo, Sam estava tão interessado no que acontecia na sua frente que nem pensou em fugir.

Mas mesmo que estivesse, não conseguiria. Ele não era um lutador: analisava antes de agir (o que, pensando bem, não parecia mesmo com a sua personalidade, mas o sarcasmo o ajudava a ganhar tempo na maioria das vezes).

Eles se dirigiram às enormes portas duplas na base da torre, guardada por quatro humanos e seis androides. Ao verem Kamski, todos eles deram passagem. Um dos guardas encarou Sam com um olhar curioso: eles não questionaram sua presença ou demonstraram surpresa. Sam deu um aceno antes de entrar, tentando arrancar alguma reação dos androides. Nada.

As portas se abriram.

Sam achou que ia ter cãibras pelo resto da vida, do jeito que a sua boca não parava de se escancarar com admiração.

O andar térreo da torre se assemelhava a uma praça: no centro, havia um jardim arborizado com bancos ao redor, com estátuas e palanques apresentando diversos modelos de androides criados ao longo dos prósperos anos da empresa. Ao redor do jardim circular, uma ponte suspensa ligava a porta principal até o elevador do lado oposto. Sam se surpreendeu (de novo!) ao ver que a estrutura inteira era oca: ao erguer a cabeça, ele podia ver a parte externa de cada andar de cima, e ao olhar para baixo da ponte suspensa, podia ver os incontáveis níveis de subsolo. O ar tinha cheiro de perfume misturado com desinfetante, e a temperatura era consideravelmente gelada. Bom, trabalhar com máquinas exigia um ambiente frio, para não aquecer as placas e os circuitos.

— Bem, alguém vai ter que fazer o trabalho entediante de mostrar alguma coisa a você hoje, antes de ir ao dormitório. – murmurou Kamski, soltando um bocejo – Não dormi nadinha e isso cansa a beleza. Ah, Voss!

Um homem alto de jaleco branco caminhava na direção deles, com um sorriso arreganhado no rosto. Tinha o cabelo castanho-avermelhado na altura dos ombros largos, os braços e pernas troncudas e cicatrizes por todo o rosto. Uma, partindo do olho esquerdo na direção da boca, atravessando quase o rosto inteiro, atraiu a atenção particular de Sam: era um risco estranhamente reto, perfeito demais pelo comprimento do corte. E não tinha vindo de uma queda, senão teria sido mais fino. Não, aquela era uma típica cicatriz de brigas.

A medida que o homem se aproximou, Sam sentiu o cheiro de álcool e franziu o nariz. Lado a lado, Sam parecia realmente uma criança. O homem tinha pelo menos dois palmos a mais do que ele.

— Boa noite, Sr. Kamski. Boa noite, Sra. Stern – diz ele com um tom respeitoso, apesar do seu olhar dizer o contrário. Até que ele finalmente se virou para Sam, para seu macacão laranja dos Teletubbies e para sua guarda de Barbies ambulantes – Ah, então é esse pirralho de quem falaram nas reuniões? Eu faria pouco caso dele. Pelo jeito – ele se aproximou, arreganhando mais o sorriso – não vai durar nem dois dias aqui.

— Boa noite para você também – Sam respondeu no mesmo tom.

Voss sorriu de lado.

— Encaminhei um mecânico qualquer para mostrar o subsolo para ele – disse o ruivo, erguendo o queixo na direção na direção de Sam – não importa muito.

Kamski deu um aceno de cabeça.

— Foi divertido enquanto durou. Bem-vindo a CyberLife, Wright. Não me desaponte.

E com essas palavras, Kamski e Amanda viraram na direção leste da praça, acompanhados de mais dois outros androides particulares, sumindo em um corredor branco.

Voss indicou o elevador do outro lado do jardim.

— Agora suma da minha frente, pirralho idiota.

Sam esticou a perna, calculando os movimentos brutos de Voss antes que o outro pudesse sequer pensar em se desviar. Voss tropeçou e caiu de cara no chão, em uma posição tão engraçada que Sam ficou decepcionado que androides não conseguissem rir.

— Seu merdinha...— Voss avançou na direção dele, mas pela primeira vez a guarda de Barbies se manifestou, fazendo uma barreira corporal em volta de Sam. Do jeito que ele tinha planejado.

— Sua ficha foi analisada. Não tem permissão para chegar perto do prisioneiro até o mesmo chegar até o respectivo dormitório – diz um deles, com a voz tipicamente monótona.

— Cale a boca, latinha, já entendi – Voss ajeitou o jaleco contra o corpo – Esperarei com prazer.

Sam deu um risinho, e andou na direção do elevador. Menos de três minutos na empresa e já tinha feito um novo inimigo. Bem, isso era ótimo!

Ele deu a volta pelo jardim circular enquanto admirava o resto do lugar. Tudo ali parecia extremamente luxuoso e moderno. Era quase como se seus olhos precisassem se acostumar com aquilo. Ele caminhou para o elevador, onde androides ficavam em exibição em pedestais. Sam diminuiu o ritmo dos pés para olhar para as máquinas mais de perto: que tipos de programa estavam instalados dentro daquelas maravilhas? Ele reconheceu alguns modelos dos jornais: uma ST200, um HK400, um PL600 e mais alguns outros. Ele não deixou de se impressionar com o quanto eles pareciam humanos de verdade: até conseguiam piscar o olho. Sam soltou um assobio baixo entre os dentes.

Ao entrarem no elevador, os androides apertaram o botão para o andar -45. Sam olhou pelo vidro a parte externa dos andares a medida que eles desciam: pareciam que estavam caindo em um buraco enorme. Ele se perguntou quantos andares a torre teria. Se ela já era alta nos níveis superiores, a quantia de dinheiro gasta com os andares inferiores deveria ter sido enorme. E Kamski ainda tinha muito dinheiro sobrando.

As portas se abriram para um corredor branco e comprido, e um vento ainda mais gelado entrou no elevador, fazendo os pelos da nuca de Sam se arrepiarem. Havia diversas portas em ambas as paredes do corredor, e os androides o encaminharam para a primeira porta da direita.

Era um laboratório.

Pequenas mesas de cerâmica estavam dispostas no centro do laboratório, com tubos de ensaio e bicos de Bunsen ao lado da pia. Na parede oposta à porta, incontáveis fios, cabos e fontes de energia soltavam pequenas descargas elétricas por uma rede metálica que ocupava toda a parede. Do lado direito, cubículos enormes, parecidos com um botijão de gás (“tamanho família, só pode ser”, pensou Sam) estavam cheios até a boca com uma substância azul brilhante, e tubos transparentes conectavam os cubículos com cada mesa de trabalho, passando pelas paredes e pelo chão, iluminando tudo com uma luz fosforescente. As luzes neon da sala piscavam com as cargas elétricas, deixando o laboratório periodicamente no escuro com estalos e chiados.

— Meu Deus – disse Sam em voz alta – o que é isso aí? O laboratório do Frankenstein?

— AH! – Sam ouviu um grito do seu lado direito. Encostado contra uma das mesas mais escuras, estava uma outra figura. O cara deveria ter de dezenove a vinte anos, pelas feições, e ainda era mais baixo que Sam (isso ele percebeu com alívio, que ainda tinham pessoas que eram mais baixas do que ele). Tinha cabelos castanhos arrepiados, olhos azuis, e usava óculos grandes na ponta do nariz. Diferentemente de Voss, ele não usava jaleco: apenas uma camisa com as mangas puxadas até os cotovelos, com uma gravata com o nó quase saindo. Se Sam era magrelo, aquele cara era simplesmente um palito: tinha pernas e braços finos, tronco ossudo e praticamente não tinha bochechas.

“Oloco” – pensou ele – “esse pobre coitado não sabe o que é um bom arroz e feijão”.

— Eu... eu... a-achei que ele chegaria mais tarde... ah não... – o outro parecia procurar alguém para se justificar, recebendo apenas o chiado das descargas elétricas e um silêncio frio dos androides ao lado de Sam. Sam decidiu assumir a dianteira.

— Bom, cá estou – disse ele, colocando o seu usual tom sarcástico no modo automático – vai me mostrar a parada ou não?

— Tá, eu... é c-claro.

Ele ajeitou a gravata, parecendo cada vez mais nervoso a cada passo que ele dava. Agora com a luz do corredor, Sam podia ver as enormes olheiras nos olhos do outro: ou ele não dormia há um mês, ou tinha levado dois socos em ambos os olhos (o que não era muito provável).

— Bem, m-me acompanhe. – Ele deu um aceno de cabeça para Sam o seguir.

— Qual o seu nome? Já devem ter falado meu nome para você e acho que isso é meio injusto.

O outro girou nos calcanhares, com surpresa. Aquela parecia ser uma pergunta que ele não ouvia com muita frequência.

— Gil. Meu nome é Gil Williams. – Sam pôde ver que ele quase estendeu a mão, mas recuou quando bateu os olhos no macacão laranja de prisioneiro que Sam ainda usava. Algo como medo brilhou nos olhos dele. – Eu tenho que te mostrar algumas coisas do subsolo, suponho... b-bem, não tem muito o que fazer po-por aqui...

Gil apontou o queixo para o corredor, dando sinal para Sam o seguir. Eles andaram até chegar na primeira porta, à esquerda:

— Aqui é a sala do desenvolvimento do exoesqueleto dos androides – começou Gil. Ele ainda continuava nervoso, evitando olhar para Sam o máximo possível e apressando as falas – Aqui no subsolo é onde o hardware é feito: independentemente da função do androide, é onde o corpo é produzido. Então aqui – ele apontou para a saleta, onde haviam placas e mais placas de metal acumuladas umas sobre as outras – é onde os mecânicos ficam.

Gil continuou a andar na frente, abrindo portas e apresentando cada sala do corredor. Eles passaram por mais laboratórios e depósitos similares, além de alguns quartos cheios de telas, displays, fios e cabos. Os dois andaram de um lado para o outro, Gil falando (gaguejando, na maioria das vezes, o que deixou Sam um pouco irritado) e Sam escutando. Gil falou sobre funções, produção de pele sintética, estatísticas, e mais um monte de coisa que Sam não dava a mínima, até eles chegarem novamente no ponto inicial, na frente do laboratório do elevador.

— E isso é só um andar do subsolo. Ainda tem até o -49. Mas lá só é o armazém, aqui ainda estamos na área de “Pesquisa e Desenvolvimento”.

Sam deu de ombros.

— Você é um programador, né? – perguntou Gil.

— Acho que sim – Sam optou por dizer a verdade. Não havia sentido mentir agora, ainda mais com os androides na sua retaguarda olhando – mas só concordei em vir aqui porque o lugar onde eu deveria ir seria pior.

— Bom, então você não vai ter muitas oportunidades de ficar no subsolo. Talvez fique na área de Design, mas não tenho certeza. – Gil mordeu o lábio – E você tem muita sorte. A CyberLife é grande e te dá um montão de oportunidades! Sempre acompanhei a empresa, desde pequeno, e você está em uma das melhores posições. Já eu... – ele murmurou – não tenho muita oportunidade de sair do subsolo.

— Tá, não espere que eu use terno e gravata ao saber que trabalho junto com os riquinhos lá em cima – disse Sam, brincando. Gil franziu a testa e deu um sorriso amarelo. – Mas se você não sai, como sabe o funcionamento das coisas aqui?

Gil corou forte, olhando para os próprios pés.

— Entrei na CyberLife como faxineiro do armazém. Ninguém me ensinou nada, mas eu acabei fazendo alguns progressos no laboratório, e... bem, uma longa história. Eles acabaram me aceitando como biólogo inexperiente e como mecânico. É por isso que trabalho com o desenvolvimento de placas de hardware e com Thirium 310. É aquela substância azul ali.

Sam, mesmo o achando um pouco irritante, não deixou de se impressionar com Gil. Ele parecia saber exatamente o que se passava naquele lugar. E Sam tinha certeza que Gil não era nada “inexperiente”, apenas os melhores do país conseguiam progredir no desenvolvimento do famoso “sangue azul” androide.

— Você montou tudo aquilo – Sam apontou para a rede das descargas elétricas montada dentro do laboratório– sozinho?

Gil concordou com a cabeça, sem falar nada.

— Caraca – disse Sam. Os guardas androides o direcionaram ao elevador, e Sam se virou sem se despedir. Eles entraram no elevador. Quando Sam se virou para frente, Gil já tinha voltado para dentro do laboratório de novo.


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Notas finais do capítulo

Nos vemos no próximo capítulo! Até mais!



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