Lacuna escrita por Ally Hyuuga


Capítulo 1
Capítulo Único.


Notas iniciais do capítulo

Respiro,
há quem diga que eu ainda estou viva.



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Olho-me no espelho, a moldura quebrada, as manchas de dedo aparentes. A pouca luz amarelada do fim da tarde transborda pelos cantos do meu quarto, bagunçado, monótono. Particular. Repleto de meus pensamentos quase apagados.

Por onde começo?

Pelo inicio?! Pelo meio?! Tudo o que eu tenho é o inicio do fim, que eu mal consigo entender onde começou.

É curioso como perdemos o rumo de nossas próprias escolhas usando as próprias para escolher coisas erradas e sem futuro. Eu me tornei minhas escolhas e atitudes mal tomadas, levianamente. Por mais que eu tente me recordar quando ou porque eu me transformei naquelas ações – que por algum motivo eu acreditei que não me afetariam –, não consigo.

Tudo afeta, tudo muda.

Estive enganada, agora sobrevivo com todas as minhas lacunas. Escorregadia. Maculada.

E não é como se fossem pequenos buracos que podem ou não ser preenchidos com determinada quantidade de sentimentos solidários. De amor, de carinho, de afeto. São lacunas que por mais que sejam miúdas e quase insignificantes não poderão ser fechadas com sentimentos alheios.

É um pouco difícil de explicar, mas, tenho certeza que você já se sentiu assim – e se não, parabéns. Sabe quando tudo ao seu redor parece te dar a maior força? Tentando ao máximo para contribuir com teu desenvolvimento, tua superação de coisas que até pouco tempo mostravam-se ser quase impossíveis, mas, mesmo assim não torna nada suficiente, nada seguro, nada tolerável. Porque na verdade não importa o quanto as pessoas torçam pelo teu bem, não importa o quanto as pessoas desejam tua vitória, não importa que nada disso seja verdadeiro, se tu não se sentes nem regular, capaz, preparado, nada adianta. Se tu não podes ser competente para si mesmo é como se não importasse muito o quanto os outros fazem por ti, porque nem só de apoia o ser humano se sustenta.

Eu, inutilmente, acordo todos os dias de manhã acreditando que será melhor, que vai haver revolução. Eu deito todos os dias com os sentimentos de que o meu esforço não valeu de nada, e uma sombra negra deita junto comigo.

Não estou tentando elucidar minha depressão de forma simples. Não estou tentando defender meus fracassos com doenças psicológicas. Portanto, deixo claro que estou falando de derrotas, de frustração. Estou falando de como meu eu errante e inábil matou-se aos poucos deixando apenas uma casca semimorta em frangalhos. Estou falando de um suicídio que já aconteceu, porém nunca foi notado, porque só se percebe a dor quando o corpo apodrece, a morte da alma de nada importa se você ainda consegue curvar os lábios e sorrir.

Sorrisos que às vezes nem são falsos, mas que não são exatamente a cura, nem o remédio. São apenas sorrisos, espontâneos até para existir. Sorrisos, que não necessariamente simbolizam felicidade plena.

Eu não vou dizer que a culpa de minha derrota irreversível são de meus professores, de meus antigos amigos, de minha família pouco atenta. Eu também não direi que a culpa vem a ser completamente minha, apesar de que sei que eu sou a única responsável pelas minhas lacunas e feridas abertas.

Ainda dói. Eu ainda sinto.

Às vezes em nada me aflige, em nada comove. Às vezes eu não tenho a capacidade de notar o quão oca estou.

E então disso eu consigo tirar que se tu não te sentes completo e capacitado não causa efeitos positivos em ti as expectativas ou a torcida dos outros. É bem como aquele dito popular quem mistura-se com porcos, farelo come, eu sou os porcos, sou o farelo, eu sou quem me afundou, quem continua me afundando, entretanto ninguém te explica como não ser quem te leva para própria ruina.

As pessoas pregam o falso amor, ‘’ama-se antes de amar alguém’’, mas quando a garota gorda coloca um biquíni e não se importa com as opiniões dos outros, quando o garoto abaixo do peso tira uma foto sem camisa ou quando alguém sente-se feliz por estar sozinho os julgamentos e as palavras repulsivas saem boca a fora como veneno jorrando. Fácil, rápido!

A tarefa de sentir-se bem consigo mesmo é tão simples na teoria, tão amável. Muito provavelmente nem metade do que se fala sobre amor foi realmente testado por todos que repetem.

Estou tentado me encher de sentimentos bons, estou tentando passar o que eu sei de um jeito cauteloso e sem mentiras, contudo viver com uma pedra entalada na garganta, uma navalha no coração e uma bala alojada na cabeça te faz respirar trezentas mil vezes antes de conseguir prosseguir. No intervalo de cada respiração tu também pensas em desistir.

Eu estou desistindo de mim, estou desistindo do que sobrou de mim. Uma atualização no quesito seguir em frente. Estou seguindo, mas, sem mim.

O que podes ter restado de alguém que vive no passado e de nada contribuiu para o futuro?! Minhas sobras tornaram-se inúteis e lastimáveis. Tornar-me-ei pior do que as migalhas que ainda existem neste corpo ainda quente. Algo não tão distante, não afastado do que quase sou eu agora, nesta forma instável de emoções.

Há aqueles que conseguem se afastar, desviar, refutar deste trágico caminho. A mim restou apenas engolir o fel. Aguentando silenciosamente cada dia perdido. Esperando por resposta que jamais conseguiria se não as procurasse.

Dei-me por vencida, arrependida minuto sim e minuto também.

Este era o fim que não planejei, mas que aceitei como se já o esperasse há muito tempo. Exausta de tentar esconder minhas deficiências. 

Sufocada.

Vazia.

O espelho ainda reflete meu rosto, agora escondido na penumbra. Lagrimas quentes que escorrem como uma nascente clara e pura, limpando tudo que ainda existe dos meus olhos ardidos até o chão.

Apertando meus braços ao redor de meu corpo, segurando minha ansiedade como se fosse uma grande amiga.

Amanhã tento outra vez.


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