Meia Lua escrita por Nanda Vladstav


Capítulo 20
Aqueles que esperaram




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Aquilo foi tão bom, tão novo, que tinha vontade de sair correndo e pulando de alegria. Ao mesmo tempo, nada no mundo o faria soltar da mão dela. Depois de tanto... entusiasmo, ela precisou falar umas duas vezes até que ele percebesse que estavam no chão da cozinha, numa situação certamente constrangedora se mais alguém aparecesse. Ela ainda arrumava os cabelos, mas estava adoravelmente corada.

Caminhava com ela até a cama, mas a confiança evaporava, deixando uma tensão e um suor frio persistente. Realmente iria acontecer. Não algum dia, não no futuro. Naquela noite. E se fizesse algo errado? E se algo que ele fizesse a lembrasse do desgraçado do Toni? Se ela não gostasse? Pior, se ele a machucasse? Se surtasse?

Puta que pariu, se ele tivesse um surto no meio da coisa toda? Devia ter pedido ajuda ao Luca, pegado algum dos remédios dele. Ou a Mauro que pusesse alguma trava mágica na sua cabeça. Se ele acordasse de uma crise e percebesse que tinha ferido a Marina, não ia aguentar. A camisinha que pegara do “depósito de coisas inúteis que Luca sempre mandava pegar” pesava como um tijolo no bolso.

— Franja? Amor? Tá tudo bem? — Alguma coisa tinha mudado na pressão da mão dele, e agora ele andava como um robô. Mau sinal. Lembrou das palavras do Luca, tanto tempo antes: “Ele não tem confiança nele mesmo. Tem medo de ter um surto e machucar você”. Ele estava muito nervoso. Mas no caso dele significava que ele deixava de ser o homem encantador que amava pra virar uma sombra que recitava manuais de máquinas. Ele sentou-se no colchão, abraçando as pernas com força, entre triste e decepcionado.

— Franja, me escuta. Olha pra mim.

Ele ergueu os olhos vidrados. Ela o segurou firme pelos ombros, sacudindo-o de leve.

— Eu estou aqui. Fica comigo, amor. Fica aqui comigo. — Pareceu uma eternidade, mas finalmente os olhos pararam de atravessá-la e focaram nela.

— Me desculpe. Eu estraguei tudo. Era pra-

— Sério, eu te amo muito, mas cala a boca. Só relaxa. Respira. — Ele tinha um monte de vozes o depreciando agora, sabia disso. Mas ela era a parceira dele. De algum jeito, faria Franja ouvir a voz dela. — Relaxa os braços. Olha pra mim. Vamos passar por isso juntos, tá legal?

Ele piscou algumas vezes antes de responder:  

— Como você faz isso?

— Isso o quê?

— Faz as vozes diminuírem. Não tem lógica. Eu tenho alguma doença psiquiátrica e você consegue me fazer melhorar só tocando em mim? Falando comigo?

A severidade desmanchou-se numa risada baixinha. Ela amava aquele homem. — Você está conversando comigo em cima de um colchão feito por um lápis mágico, durante um apocalipse zumbi só de vivos, num grupo de adolescentes que sobreviveu ao que governos e militares não conseguiram, e está procurando por algo lógico? Nada aqui é lógico!

Ficaram se olhando em silêncio, mas já não era desconfortável. Ele abriu um sorriso agradecido.

— O que eu fiz de tão bom pra você continuar na minha vida? — Ela sentou-se ao lado dele. Ela notou os buracos e manchas da camisa. Também percebeu, nas luzes difusas de segurança, quão atraente ele ainda era.

Engraçado. Até aquele momento na cozinha, nunca imaginara quão sedutor seu namorado poderia ser. Lutara pra ver o atrapalhado adorável que amava atrás do exterior selvagem, mas algo mais mudou, e agora percebia que gostava ainda mais desse novo Fred. Soltou o cinto com a espada, e o pousou ao lado do colchão, junto com o lápis.

— Eu sei como você se sente. No meio de tanta coisa, é estranho se sentir bem, não é? — Deu um gritinho quando ele a puxou pro colo dele. Sentiu sua barba roçando no rosto, e suas mãos a seguravam com firmeza, mas ainda gentil. Ela virou-se para beijá-lo. Aos poucos, o beijo tornou-se mais urgente, mais faminto, as mãos mais ávidas e enquanto ela aproveitava a maciez dos lábios dele em seu pescoço, disse algo que ele não entendeu.

— Hmmm?

— Eu disse: Franja, eu não preciso esperar mais.

— Você ainda me quer? Depois daquilo? — O tom era de uma incredulidade empolgada. — Não precisa ser hoje. E se eu te machucar?

— Eu quero tentar. Vem.  — Ela viu as dúvidas finalmente sumirem do olhar dele, e algo bem próximo da euforia tomar o lugar. O sorriso dele quando deitava entre as pernas dela era um espelho da própria alegria.  

***

Marina escondia mal o orgulho. Durante semanas, treinara com Cássio, Luca e Mauro, se encheu de hematomas, havia calos nas mãos de tanto levantar as espadas e fazer exercícios. Mauro estava tão quebrado quanto ela. — Como seu sparring, foi derrubado e cutucado com espadas embainhadas por meses, e não permitia que ela pegasse leve no treino. Era tanta força envolvida que ela machucou um ombro, e Mauro perdeu um pedaço de dente numa queda.

A única sombra na sua alegria era flagrar a frustração de Cássio — só agora dando passos apoiado numa prótese nova — e de Fred, ocupado entre a manutenção do laboratório, as discussões teóricas com o doutor Shkreli e cuidar da recuperação de Luca e Cássio.

Seu namorado não tentou convencê-la a não fazer, mas às vezes, só a abraçava forte, como se a estivesse consolando. Ficava tão sentido que parte dela passou a se perguntar quão ruim realmente era.

Os cinco se reuniram na noite anterior, e concordaram que era hora de Marina sair com Mauro pra caçar comida. Sentia-se como numa formatura. Mas não entendia por que Mauro parecia tão triste. Ele disfarçara, alegara cansaço, mas de repente, durante a tarde, havia uma movimentação nova, que ela demorou a reconhecer: Mauro estava lá fora. Sozinho. Praguejou baixo contra a injustiça, quando viu que ele já retornava: no comunicador (que todos acompanhavam com ansiedade) podia ouvir o “Fecha! Fecha logo!”. Entre a porta externa e a interna, Mauro arrastava um obsessivo que reagia debilmente. Não era muito grande e via-se que tinha sido infectado havia muito; Cássio avançou rápido e entrou, somente com o poncho, máscara e luvas.

O cheiro era asqueroso, de infecção, coisas azedas e podres. Fred chegava com o doutor Shkreli, meio esverdeado de náusea, e alguns potes de amostras. Enquanto Mauro, Cássio e Fred continham aquela coisa no chão, o homem coletava sangue e um pequeno pedaço de pele. Era deprimente ver aquilo tentando se afastar das agulhas e morder seus captores. Ela se aproximou, hesitante. Quando Mauro levantou-se, os olhos estavam profundamente amarelos sob a máscara e o poncho de lona manchado.

Ele lhe entregou uma máscara de metal e uma capa. Todos os outros pareciam num velório. Fred se angustiava em silêncio, e parecia querer avançar pra protegê-la.

— Estaremos com você. Vamos te ensinar a pior parte de se disfarçar lá fora.

Uma parte dela estava revoltada. Pelo tamanho, era alguns anos mais novo que eles, pouco mais que uma criança! O lobo nos olhos do amigo não parecia saber o que era pena.

Tanto tempo de treino não a preparara pra aquilo. Mas precisava ser feito. Cobriu-se com a capa e pôs a máscara.

— Como treinamos. — Empunhou as kamas ao lado dela. — Luca, abra a porta.

Marina tirou as duas espadas. O obsessivo mostrava os dentes, andando de quatro na direção deles.

— Não é um ser humano. Não é um ser humano. É uma coisa, e quer me matar. — sussurrava, convencendo o resto do corpo a reagir e atacar aquela coisa que engatinhava na direção deles.

— Agora, Marina. — A voz familiar de Mauro a destravou, e ela estocou a espada com força na boca da criatura, que caiu empalada. — Bom golpe. Evitou a cabeça, grande chance de errar. Não chore, você matou rápido.

— Era... uma criança... — Não era como no treino. Nem como nos filmes. Aquele...menino a encarava, enquanto ela o matou. Tinha olhos castanhos. Não dava para fingir que não era outra pessoa, por mais que tentasse. Mauro, ou melhor, o lobo, puxou a espada e rasgou o pescoço com a kama com a naturalidade de um açougueiro num abatedouro.

Conseguia entender agora o pesar no rosto de todos eles. Fred parecia querer correr até ela, enquanto Luca o segurava com força

— Marina, olhe pra nós. É doloroso, mas precisa ser feito. Está pronta pra continuar?

— Não, mas preciso.

— O segredo pra voltar vivo é parecer pouco com um humano normal. Andar como eles. A máscara serve pra disfarçar ainda mais. Eles usam muito a visão, mas enxergam mal, como uma pessoa muito bêbada. Sabe como a gente afasta um ser humano?

Ela olhou pra pá na parede e o almoço ameaçou voltar. Mauro levantou a própria ferramenta.

— Cobrindo com algo tão repulsivo que nenhum chega mais perto. Quanto mais podre, mais eficaz. Obsessivos não são carniceiros. Então a gente se cobre disso aí, e eles nos deixam passar. Temos problemas com cachorros, mas dá pra resolver. Eu começo e você me ajuda.

— Eu não... não consigo olhar pra isso. — Olhar a Marina, a sua Marina, despedaçando aquele cadáver com Mauro, coberta com a máscara e a capa, era simplesmente errado. Enquanto o barulho tenebroso e úmido continuava, Fred continuava ali, parado, olhando pro chão. Sentiu uma mão no seu ombro. Havia solidariedade no olhar dele, sabia que precisavam trabalhar.  Mas ficou preso no lugar, olhando pro chão, até que os dois saíram. Então levantou o rosto e seguiu com o outro cientista.

Aos poucos, Fred passou a tolerá-lo melhor, e a contragosto se pegou quase gostando dele. Não que tivesse esquecido tudo o que ele fez (e as vozes não o deixariam esquecer), mas exigia energia demais  manter todo aquele ódio por tanto tempo, e o enfraquecia pra combater a própria loucura.

Além de tudo, era o único que entendia alguma coisa dos seus inventos, e com quem podia discutir ideias sem ter que traduzir e explicar tudo. Então algumas das tardes em que aguardavam alguma amostra, eles dividiam uma bebida e conversavam de coisas banais.

Cássio acompanhava em silêncio, atento aos movimentos do cientista. O cientista não era má pessoa, afinal. Parecia mesmo decidido a reparar uma parte do estrago colossal que tinha causado. Não o odiava mais, mas nunca confiaria nele. Permanecia quieto na sombra, como um cão de guarda. Tão acostumado a não entender nada, estranhou quando ouviu coisas que entendia.

—... E ela é tão corajosa! Tão decidida! Eu sou um pamonha que não põe mais a cabeça pra fora de casa. Não sei ser o cara que ela merece.

— Deixa eu te contar uma coisa, rapaz: Todos os heróis lutam por alguma coisa em casa. Os melhores, os mais bravos, os que vencem o impossível, têm um lar esperando por eles. Seja o lar dessa menina, lute por ela aqui, com isso — Apontou-lhe a cabeça — E ela sempre vai dar um jeito de voltar pra você.

— Obrigado. — Firmou a voz — Melhor voltarmos a trabalhar. Como matar esse vírus desgraçado sem matar o hospedeiro?

— Já tentamos os antivirais disponíveis. Você não teria um microscópio eletrônico aí, teria?

— Com alguns meses eu poderia montar um, mas agora não tenho. Poderíamos invadir o laboratório antigo, mas seria muito arriscado. A construção é aberta demais, e sem energia, é muito fácil uma horda nos encurralar.

E discutiram teorias a tarde inteira. No fim daquela noite, Fred ainda não conseguia dormir. Havia muito tempo que ele não trabalhava no que era melhor, e ainda que não estivesse perto, estava na direção certa. Ainda trabalhava nas anotações quando Luca bateu a mensagem que Marina e Mauro estavam de volta. Era mais simples bater nas paredes em código morse que gritar pelos corredores. Fred levantou-se e correu, chegando descalço e de cueca samba canção.

Cássio também esperava. Não enlouquecia mais com Mauro longe, mas ainda se sentia mal por não poder ajudar mais. Já caminhava distâncias mais longas, e não sentir dor na perna era meio que uma experiência nova. A nova prótese também era mais leve. Fred era genial.

A porta externa levantou, e os viajantes pareciam monstros de livros infantis. Começaram a despir a roupa de proteção, e houve um momento em que perceberam que Marina realmente iria deixar a roupa suja lá fora. Cada um olhou pra um outro lugar, inclusive Mauro.

— Pronto, já estou na cabine! Podem relaxar! — Saiu vestindo um pijama de algodão leve. Fred correu pra abraçá-la. Ela o segurou com força.

— Mauro, qual é? Espera a Marina sair pra tirar a roupa!

— Foi só um segundo, Fred. Sossega. — disse, já de dentro do chuveiro. — Alguém pega uma muda de roupa pra mim.

— Tá aqui, Mau. Pega aí.

Naquela noite, Marina deitou-se sem falar. O entusiasmo de Fred foi esfriando até que só sobrou ansiedade. Ele se percebeu tenso, sem jeito. Tocou de leve no ombro dela.

— Ma? Tá melhor?

— Matei duas pessoas hoje. — Ele sentou-se ao lado dela. — Trouxemos muita comida, mas eu matei, Franja. Um garoto e uma mulher. Tinha idade pra ser minha mãe. Eu não... não estou me sentindo muito bem.

Não sabia o que dizer. Lembrava de Cássio e Mauro tentando lidar com aquilo, de novo e de novo, cada vez que encontravam um rosto conhecido entre os mortos, até algo se partir. A puxou pra si e a abraçou. Ela estava quente. Muito sol, talvez?

— Você tentou me avisar, não foi? — falou baixinho, com o rosto escondido no peito dele.

— Eu não conseguia fazer essas coisas. Só conseguia fugir depressa o suficiente pra não morrer. Passamos muita fome. Ma? Você tá tremendo.

Ah, não. Fazia tanto tempo que ele não lembrava o quanto os dois tinham ficado doentes no contato com aquela coisa. Ele melhorara o poncho o quanto pode, sacrificou duas ou três invenções pra usar o isolamento, mas pelo visto não adiantou.

— Marina, descansa um pouco, tá? Eu vou trazer algum remédio, e água.

Concentrou-se para encontrar a farmácia, um caminho que fizera mil vezes. Talvez nunca se sentisse menos que meio louco ao vê-la sofrer, mas dessa vez tinha que ignorar as vozes gritando no seu ouvido, todas as cores que não existiam e pegar algo pra ela melhorar. Quando chegou lá e não conseguiu ler os rótulos, voltou tateando até Mauro e Cássio.

—... E eu estava pensando nisso, Mau: Será que meu tio ainda tá por aí?

— Deve estar. Com poderes como os dele, ele poderia reduzir a farelo qualquer infectado.

— Pensei em ir atrás dele.

— Difícil, hein? O mundo é bem grande, ainda mais se nós vamos a pé.

— Ele nunca ficou muito longe de mim. Lembra como ele sempre queria dividir os poderes comigo? Fred? Que houve? Que remédios são esses?

Reconheciam aquele jeito agoniado, olhando pra todos os lados.

— Ela adoeceu. Me ajudem, por favor. Eu não consigo ler os nomes.

— Estamos desse lado, Fred. — Cássio e Mauro levantaram, e Mauro segurou as mãos de Fred, enquanto Cássio olhava as medicações. Separou duas cartelas.

— Eu vou lá, Mau. Cuida dele. — Já tinha tão pouco tempo pra relaxar e conversar, que queria que houvesse outra pessoa pra lidar com aquilo enquanto descansava. Era uma droga, mas fazer o quê?

Ela abriu um pouquinho os olhos. Estava com muito frio e nauseada, e se mexer doía. Respirar doía. Mas aquela era a voz do Cássio. Onde estava o Franja?

— Marina? Tô entrando. — afastou a cortina e a encontrou encolhida — É, você tá febril. Pode me ouvir? Toma isso, você vai se sentir melhor. Isso, muito bom. Olha, em uma ou duas semanas você fica bem, eu sei como é.

— Cadê o Franja?

— Tá vindo. Dizer que ele fica maluco sem você não é força de expressão. Ele tá vendo umas coisas estranhas, e Mauro tá trazendo ele aqui.

— É assim todas as vezes?

— Por um tempo, mas você vai se acostumando. Você é forte, vai estar de pé antes do que imagina.

Mauro guiava Fred, enquanto este tateava as paredes como um cego. Olhou pra onde devia estar o colchão e praguejou baixinho. Qual dos obsessivos que via era sua namorada? — Marina?

— Tô aqui, Franja. — Então era o da esquerda. Puxa, como a voz dela estava fraca. Estendeu a mão, inseguro, até sentir a mão dela.

Era assustador demais perceber o quanto dependia da presença dela. Os remédios ajudavam apenas um pouco. Numa crise, tocar na sua pele lhe dava uma âncora, e podia enfrentar aquele mundo alucinado que seus olhos e seus ouvidos inventavam e dizer: Você não é real. Ela é.

Mauro invocava outra magia pra tentar estabilizar Fred, até achar o novo remédio que ele usava praquilo. Mas que hora ruim pra ele desconectar. Havia uma grande massa de obsessivos vindo naquela direção, e algo no ar dizia ao lobo que aquela não era a pior parte. Graças à horta e a última viagem (e ao sempre útil lápis mágico) tinham comida para algumas semanas, mas com Marina doente e o doutor procurando uma cura, todo mundo estaria  de mãos cheias.

Toda vez que ele usava alguma magia pra estabilizar uma pessoa, ele sempre via mais do que queria. A mente de Cássio era familiar, com dor fantasma e tudo, mas entrar na de Fred era como usar LSD numa parada de carnaval. Dentro de uma montanha-russa. Ele sempre saia meio zonzo daquilo, piscando até aquelas coisas loucas sumirem do campo visual.

— Fred, tem certeza que não quer que a gente fique mais?

— Tenho. Vocês precisam dormir. Eu cuido dela.

— Vou deixar esse balde aqui, ok? Qualquer coisa chama.

Luca olhava as imagens preocupado. Toda a blindagem do laboratório estava em dia, não tinha infiltrações, as placas solares estavam funcionando, a coleta de chuva também, mas aquela massa de obsessivos que as câmeras do drone flagraram... Aquilo não era normal. As câmeras não tinham longo alcance, e aquele satélite hackeado não dava imagens precisas. Eles não se juntavam em grupos, não tão grandes. Aquilo seria a morte pra qualquer humano no caminho. E eles pareciam vir na direção do laboratório. Talvez uma semana ou duas, e boa parte daquela horda estaria ali, na sua porta. Mais uma viagem ou duas, se não chovesse. Depois teriam que encolher-se e rezar.

Tinha ainda mais medo do motivo. Eles estariam sendo atraídos, ou estavam fugindo?  Precisariam de mais água, e de um plano de evacuação para o subterrâneo (Deus abençoe a paranoia de Fred). Ele limparia de novo todas as armas coletadas, pediria a Marina que enviasse seus desenhos pra longe.

— Ainda acordado, Luca? Vê se não abre outra escara de ficar aí sentado.

— Estou preocupado com essa horda, Cas. Nunca vi tantos.

— Caralho. Parece um exército. Espero que o Mingau fique bem. — Assim que terminou a frase, arrependeu-se. Luca olhou pra ele intrigado.

— Você disse Mingau? O gato da Magali tá aqui perto?

— Eu o vi no dia do seu aniversário. Não o vi mais, mas pedi a Mauro que olhasse quando saiu. Ele também não encontrou.

— Por que você não me falou?

— Pensei... Com tanta coisa acontecendo, nem pensei direito, na verdade. Ando vigiando, mas acho que ainda tá perto.

— Faça uma casinha pra ele. A gente acostuma ele com comida, e quando aquela tropa passar, tranca. Ele fica seguro.

— Ótima ideia, chefe! Olha, a Marina adoeceu.

— Como tá o Fred?

— Meio tranquilo. Mauro deu um sossega-leão mágico nele. Pensei em dar um dos teus, mas não achei. Não tá acabando, tá? Qual é o que ele usa?

— Está. Mas meu problema não tem importância agora.

Havia pouco tempo que Luca admitira para os outros que tinha depressão, ou pelo menos era o que ele e Fred pensavam. Fora aquele fatídico dia em que quebrara a perna, Luca sempre pareceu normal pra ele.

Só depois que passou a se tratar é que perceberam como Odin estava mal antes. Apesar de tudo, o cara tratava o problema como um resfriado: só um aborrecimento passageiro.

— Só se cuida, Odin. A gente precisa de você. — E saiu. Luca ficou olhando todas aquelas telas em tons de verde. Uma palavra continuava martelando suas têmporas: Exército.


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Notas finais do capítulo

* Sobre a camisinha: Luca sempre pedia para trazerem coisas que podiam ser usadas como moedas de troca: Álcool, cigarros, joias, dinheiro e sim, camisinhas. Não que ele planejasse interagir com qualquer outro grupo, mas nunca se sabe.

* Porque Fred tinha uma no bolso? Não sei se ele tinha esperança (lembrem: três anos), se o Luca mandou ele manter uma por perto, ou se ele foi correndo buscar depois do momento na cozinha. Gosto de pensar que ele tinha muita esperança, rs.

* Já tinham melhorado tanto os disfarces que realmente pensavam que Marina não adoeceria no trato com os obsessivos. Mas apesar de tudo, eles não eram completamente impermeáveis. Até tinham tentado, mas ficava quente demais.

*Ninguém ficou completamente nu na porta, ok? Sei que Marina comentou lá em 'Pedaços de Primavera", mas pra deixar claro, eles saem com a roupa íntima. Eles até usam uma roupa leve embaixo de toda a proteção, mas depois de tanto suor e aquele cheiro bom de zumbi, era mais simples incinerar e pegar uma nova por aí que tentar lavar.

Sou uma pessoa que vai continuar agradecendo a cada capítulo.Sim, vai ficar repetitivo, mas fazer o que? Espero vê-los no próximo.



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