Quando chegamos ao dormitório, cada um escolheu uma cama. Christina ficou com a parte superior de um beliche e eu com a inferior. Ninguém de fato dormia e eu quase podia ouvir as pessoas pensando. Qualquer movimento podia ser ouvido naquele silêncio interminável. Procurei não pensar no dia de visitas, não acreditava que minha mãe viria, mas no fundo, escondia um sentimento de esperança. Fui arrancada de meus devaneios por um soluço vindo da cama do lado, a que Tris dividia com Al. O garoto começou a chorar, sem conseguir se conter, sabia que todos estávamos ouvindo, e por mais que tentasse evitar, senti um pouco de repulsa. Todos queríamos chorar, mas nos segurávamos, para não demonstrar fraqueza, Al soluçando não ajudava em nada. Não sei em que momento parei de me importar e peguei no sono, mas sei que aconteceu.
 

Acordei assustada com a impressão de estar atrasada, olhei para o enorme relógio que enfeitava a parede e percebi ser seis horas, tentei voltar a dormir, entretanto ao não ter sucesso em meus planos resolvi levantar. Peguei uma muda de roupas, fui até o vestiário e liguei o chuveiro, estava no meio do banho quando senti a água ficar gelada. Quase pulei com o susto. Terminei rapidamente e me vesti, indo até o salão logo em seguida. O café da manhã já se encontrava nas mesas, peguei uma maçã e um suco de maracujá.

— Se eu fosse você tomaria um café mais consistente, o treino é pesado. – Disse Eric sentando-se à minha frente.

— Obrigada pela dica. Qual é a daqueles chuveiros? – Perguntei pegando duas torradas.

— São econômicos. A água fica gelada após cinco minutos. – Respondeu rindo. – Olha, sei que está acostumada com uma realidade diferente, mas aconselho que treine bastante entre os períodos de treinamento com os outros iniciados, isso é, se quiser permanecer na Audácia, claro.

— Com todo respeito, não preciso de alguém o tempo todo me dizendo o que fazer, minha mãe já se encarregou disso por dezesseis anos. Não é por que vim da Erudição que todos vocês devem me tratar como uma criança. Eu posso fazer isso e vou me classificar. Pelos meus méritos, com os meus erros e pagando minhas consequências. Não quero e não preciso que você, Quatro, Max ou Lauren me ajudem. – Disse. Ele assentiu levantando-se logo em seguida. Terminei meu café e fiquei esperando por Christina e Tris.

Chegamos à sala de treinamento e exatamente às 8 horas Eric entrou, ao seu lado, Quatro carregava uma caixa, colocou a no chão e começou a falar:

— Hoje, o primeiro treinamento será com o uso de armas de fogo. Tiro ao alvo, mais especificamente. Primeiramente todos irão formar uma fila e cada um terá direito a cinco balas. Quanto mais próximo do alvo os tiros chegarem, mais pontos ganharão. Alguma dúvida? – Todos nos entreolhamos, porém nada dissemos. Ótimo. Formem uma fila.

Fiquei atrás de Tris e a frente de Christina. Edward, um transferido da Franqueza, foi o primeiro, conseguindo acertar perto do alvo 3 tiros e dois atingiram o centro. Depois disso, ninguém mais conseguiu. Os três primeiros tiros de Tris passaram raspando pela placa e voaram para a parede de trás.

— Pelo amor de Deus careta, deveria ter acertado a placa pelo menos uma vez, nem que por acidente. – Provocou Peter, Tris ruborizou. Seus próximos tiros atingiram a placa metálica, contudo longe do alvo. Peter, Drew e Molly riram.

— Ok, chega. – Protestou Quatro. – Próxima, Chloe. – Segurei a arma a minha frente e ouvindo provocações e risadas vindo do fundo me aproximei da linha de tiro. Eric me olhou como se me desafiasse.

— Cuidado viu. – Iniciou ele coçando um de seus piercings – O alvo é o negócio vermelho no centro da placa. – Completou. Senti um ódio se apoderar de mim, com um suspiro levantei a arma e mirando o ponto vermelho, apertei quatro vezes o gatilho. Demorei alguns segundos para perceber o porquê de todos terem se calado, vi o alvo perfurado quatro vezes. Desviei desci um pouco a arma e atirei, o tiro parou a poucos centímetros do pé de Eric, fazendo com que ele o levantasse rapidamente.

— Desculpe. – Disse sorrindo ironicamente. Ele me olhou cético. Fui para o fim da fila. Tris riu. Christina acertou dois tiros no alvo e resto desviou.

Continuamos nosso treinamento, agora todos lado a lado, cada um com um alvo. Os meus tiros estavam consideravelmente bem, comparados aos outros iniciados. Me perguntei de onde essa facilidade em lidar com armas de fogo viria.

— Realmente lhe subestimei, pelo visto não irá tão mal assim. Pelo menos não nessa atividade. – Disse Eric com a mão em um de meus braços, o apertando.

— Muito obrigada, mas agora eu agradeceria se soltasse meu braço. – Respondi sem encará-lo.

— Dá próxima vez que cogitar atirar em mim, não hesitarei em lhe jogar prédio abaixo.

— Já disse, foi sem querer. Além disso, me matar por achar que sou uma ameaça? Me parece covarde. – Terminei. O aperto foi intensificado. Lauren, outra líder, o chamou e com um último aperto, ele me soltou. Fiz questão de não lhe dar o gostinho de massagear o local, que sabia estar roxo.

Antes do almoço fui para o banheiro, o chegar se estava sozinha, tirei o casaco. A marca de seus dedos estava totalmente visível, passei uma água e saí para o salão, onde todos já comiam.

—  Chloe, pensa rápido. – Disse Al me lançando um pão de queijo. Peguei o bolinho ainda no ar.

— Caramba, que reflexos. – Comentou.

— É, eu até que gostava de praticar esportes. – Respondi. – O restante do dia foi menos anormal, aprendemos na teoria o que havíamos testado na prática, o que julguei ser irônico e depois ficamos treinando até às 18 horas.

À noite Quatro pôs no quadro de avisos o cronograma de lutas para o dia seguinte, após todos os iniciados consultarem, fui dar uma olhada.

Cronograma de Lutas – Duplas:

Albert vs Christina

Molly vs Will

Chloe vs Myra

Drew vs Edward

Tris vs Peter

OBS: De acordo com as novas regras, as lutas durarão até que um dos candidatos não seja mais capaz de se levantar, além disso os vencedores lutarão entre si até que reste apenas um campeão.

— O quê?! Querem que lutemos até desmaiarmos? – Protestei indignada.

— Ou desmaiarmos os outros. – Sugeriu Will. – Isso é meio sádico.

— Totalmente. – Concordou Tris.

De manhã todos descemos para o refeitório.

— Não acredito que nos colocaram mesmo para lutarmos um com o outro. – Comentou Al com Christina.

— Melhor do que se fosse com Peter, Drew ou Molly. – Respondeu-lhe. - Sinto muito Tris. – Completou em seguida.  – Sorte teve a Chloe, que ficou com a Myra. Quero dizer, ela é legal e tudo mais, mas é de longe a mais fraca. – Disse sincera. Eu lhe dei um sorriso amarelo. Myra era realmente a mais fraca, e o fato de a colocarem contra mim, de certa forma, impunha que eu também fosse fraca. Se eu a vencesse, não seria totalmente uma vitória comemorável e se perdesse, teria cavado minha própria cova.

— Achei que você iria voltar para a Erudição essa manhã. – Exclamou Will. Estranhei.

— O quê? Como assim?

— Ah a qual é, eu vi o carro, ninguém aqui vai sair falando se a sua mãe veio lhe pedir para voltar. – Disse quase sussurrando.

— Não estou entendendo. – Respondi sincera. – Não vejo minha mãe desde a cerimônia de escolha.

— Mas tinha um carro prateado da Erudição aqui. Era o de sua mãe. Tenho certeza. A placa é essa, não? – Perguntou anotando algo em um papel. Olhei e assenti.

— É, mas, não faz sentido. – Comentei, agora realmente curiosa.

— Então deixa para lá, devo ter visto errado. – Concluiu.

Quando as lutas iniciaram, esqueci completamente dessa questão. A primeira foi entre Christina e Al, em poucos minutos Al já não se levantou. Tive pena dele e percebi que Christina havia ficado com um leve sentimento de culpa. A segunda foi entre Molly e Will, foi bastante acirrada, contudo a garota ganhou, saindo com um sorriso enorme do tatame.

— Chloe e Myra. – Anunciou Eric.

Comecei protegendo meu rosto. Ao ver que ela não atacaria, comecei lhe dando um soco na barriga. Ela abaixou-se e tentou revidar, desviei, agora tentando lhe derrubar. Sem muitas dificuldades ela caiu.

— Lutem como alguém da Audácia! – Esbravejou Eric. Pus me a dar alguns socos em seu rosto, quase que pedindo para que Myra desmaiasse logo. Quando ela finalmente me atacou, tentando me derrubar, passei minha perna por trás das suas e puxei, ela caiu e eu me levantei. Após alguns chutes, vi seus olhos fecharem. Quatro veio ao nosso encontro e levantou meu braço. Sintetizando a vitória. Não consegui me sentir orgulhosa. Apenas havia derrotado alguém que não queria me machucar, e que depois estava indefesa. Na luta seguinte Edward venceu Drew, mesmo que o segundo tenha jogado sujo.

— Tris e Peter – Gritou Quatro. Ambos iniciaram sua luta. Peter era muito mais forte do que Tris, mesmo que ela tentasse revidar ou se defender, parecia não afetá-lo. Quando Tris caiu inconsciente, quis segui-la para a enfermaria, Christina iria me seguir quando ouvimos a voz de Eric soando por toda a sala de treinamento.

— Christina, Molly, Chloe, Edward e Peter. Aqui em linha reta. – Obedecemos sem pestanejar.

Ele pôs no quadro:

Christina vs Peter

Chloe vs Molly

Edward vs o vencedor da primeira luta.

Christina e Peter lutaram quase que igualmente, mas ele ainda tinha a vantagem sobre ela. Após algum tempo, Christina também caiu. Na minha luta, Molly se encarregou de atacar primeiro. Desviei de seus primeiros socos e consegui atacá-la bastante, ela era forte, mas eu possuía agilidade e tática.

— Você não é mais da Erudição Matthews, use a raiva e dispense a razão. – Gritou Quatro. Tentei obedecê-lo, quando senti um soco em minha barriga, obrigando-me a curvar-me. Molly aproveitou desse gesto para derrubar-me no chão e, sentada sobre minha virilha distribuiu socos por meu rosto.

— Deveria ter permanecido Erudição, princesinha. – Comentou. Deixei minha cabeça tombar. Molly se levantou para comemorar. Unindo forças que não sabia de onde havia tirado, puxei suas pernas, Molly caiu com um baque surdo. Subi em sua barriga socando-lhe a cara.

— Você está morta, Matthews. – Urrou com raiva enquanto tentava proteger o rosto.

— Ah é? – Perguntei ironicamente. Ela tirou suas mãos da frente do rosto e agarrou meus cabelos, que por algum motivo havia se soltado. Não sei muito bem como ou quando, mas senti uma pancada muito forte fui tomada pela inconsciência.