9 Zonas escrita por Cas Hunt


Capítulo 26
Prisão




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Terminar um relacionamento nunca foi algo fácil de se fazer, nem mesmo pra mim, a famigerada galinha do acampamento. Traição sempre foi um assunto delicado que trazia de volta diversas lembranças sobre mim sendo a amante ou sobre mim tendo o amante só que isso sempre me foram memórias idiotas de quando eu era adolescente e burra. Agora sou só burra.

Levando em conta que já levei chifre uma vez a leve pontada de inveja, ciúmes e raiva liquida transbordando por cada um dos meus poros não é novidade. Odeio saber que Gesabel esteve com Lion, que o beijou e fez seja lá mais o que com ele enquanto eu me concentrava em não me distrair ou tocar Jugen Baratheon por achar que qualquer movimento errado meu poderia ser levado como traição. Adivinhem? Sim, como sabem eu já traí e não gostei nem um pouco da sensação de culpa, por isso jurei nunca mais nem pensar no caso.

É difícil conviver com isso para todos os lados. Traição amorosa, familiar, patriota. Jugen traiu seu pai e país me falando onde estavam os soros, eu traí minha família o beijando e contando que esperaria por ele dali há duas semanas na porta de saída da Zona 9 e meus pais e amigos me traíram prendendo-me nas celas mais sujas e mal cuidadas do acampamento.

—Ally? — a voz rouca e profunda mas com notação infantil soa no duto de ar direito da cela. — Está acordada?

—Oi, grandão.

—Estou com medo.

—De que?

—Do escuro.

Encaro um ponto inexistente. Eles desligam as luzes das celas subterrâneas nos deixando no mais profundo breu. Claro, isso ajuda na criação de histórias e alucinações nos deixando á beira da loucura, um pouco mais de tortura psicológica do que eu esperaria da minha mãe... General. Aquele ser pode se fingir ter uma ligação de sangue comigo só que nunca mais vai ser referida como qualquer coisa maternal.

—Não precisa, grandão. Estou com você.

—Eu... Não sei, Ally. E se uma cobra me morder enquanto eu dormir? Ou um inseto? E se eu for alérgico ao algodão do colchão?

Sorrio no escuro. É bom saber que ele ao menos tem uma cama. Do outro lado do duto de ventilação fica uma sala com o mutante mais novo capturado. Não tem nome, era muito novo quando foi abandonado e ao que parece os guardas nem pensam na ideia de abrir sua cela por saber que conforme o tempo passa ele fica maior e mais forte graças á radiação que em raros casos funciona positivamente deixando os genes com características agradáveis: resistência á névoa, força descomunal, altura impressionante e uma ou outra deformações.

Contudo esse não é o X da questão. Geralmente deixam as luzes do quarto dele com baixa potencia durante a noite e não no completo escuro como a minha. Tem algo de errado acontecendo e sou a última pessoa pra quem contariam.

—Há quanto tempo está dormindo nesse colchão, grandão?

—Acho que a vida toda.

Engasgo sentindo uma leve pontada no peito.

—Viu? — tento não pensar que ele deve ter nove ou dez anos de idade e nunca viu o sol — Então não tem alergia alguma e muito menos cobras.

—E ratos? Ouvi dizer que são ótimos escavadores.

—Até onde sei os ratos foram extintos na Zona 9, grandão.

Parece que ele fica satisfeito em saber da notícia. É saudável conseguir um parceiro de cela por aqui, quase todos os dias são os mesmos silenciosos, escuros e mal alimentados. Ficaria maluca muito antes se não tivesse o garoto falando comigo pela ventilação que liga nossas celas.

—Está pensando sobre seu ex noivo outra vez?

Ponho o braço atrás do pescoço tentando fazer algum tipo de almofada ao me deitar no chão de concreto doloroso para minhas costas que protestam com qualquer movimento. Estou ficando velha para dormir no chão. Em suma minha cela não tem nada além de quatro paredes riscadas pelos antigos ocupantes, a sombra empoeirada de uma cama que retiraram e as luzes no teto com a porta metálica velha sendo a única saída.

—Talvez. — minto. Estou pensando em Jugen.

—O que tem de tão especial nele?

Pisco no escuro.

—Ele é diferente das outras pessoas que conheci. Sempre foi gentil e paciente por mais que eu explodisse de raiva — imagino o sorriso de Jug quando gritei com ele na primeira semana, e foi o mais lindo que já vi — Só que ao mesmo tempo ele... É corajoso. Esperto.

—Você soa como uma daquelas bobonas apaixonadas.

—Como sabe quem são as bobonas apaixonadas?

—Pelas histórias que Carly me contava.

Ah. O antigo companheiro de cela que vou executado pouco antes da minha chegada, ele que o chamara de grandão.

—Ei. Sabe de uma coisa? E se eu te chamar de Carl?

—Carl? Por que?

—Uma homenagem ao Carly. Ele era seu amigo, certo?

—Ele tinha nome de menina. E o que significa homenagem?

Sorrio com sua inocência. É algo incrível de se encontrar quando se passa por tantas coisas, talvez como um sopro de ar puro após uma longa caminhada pela fumaça.  Deve passar de duas da madrugada e mesmo assim me preparo para explicar o significado da palavra. Não é como se minha fuga fosse amanhã mesmo.

***

Desde que Lion me dera o pingente o amarrei no pulso e passei a me concentrar em todos os quilos que perdi aqui dentro rejeitando a comida. Forço-me todos os dias a enfiar ao menos um pedaço do pão dormido e beber todo o leite.

Passo a ficar mais tempo de pé, tento fazer exercícios relaxando boa parte dos músculos pouco antes de dormir, treinando minha respiração para caso consiga fugir em qualquer momento próximo.

Não sei quais os planos da general pra mim. Não tenho muita utilidade agora que além de traidora sou deserdada. Mal sei se meu pai ainda me considera sua filha depois daquele dia onde não fez um movimento para impedir a mulher de me prender.

Passo horas correndo ao redor do quarto tentando não ficar tonta, aumentando a velocidade todos os dias, faço algumas abdominais e flexões não me deixando parar aí. Testo cada um dos golpes me ensinados aqui e no Complexo.

—Você é engraçada — Carl comenta — Consigo te escutar correndo sem sair do lugar. Por que está fazendo isso?

Se eu responder que pretendo fugir não sei como ele reagiria. Não venho pensando em liberta-lo principalmente por temer seja lá o que ele é.

—Se eu ficar parada vou enlouquecer.

—O que é isso?

Faço uma pausa nos socos em um Gale imaginário. Viro-me para o duto de ventilação pensando na definição do termo.

—Enlouquecer é o que acontece quando uma pessoa age estranho do que ela geralmente é. Perde o sentido.

—Como assim o sentido?

—Fica difícil de compreender ela. Entendeu?

Se vai alguns segundos antes da resposta.

—Acho que sim.

E volto aos socos imaginários.

***

Acordo com o barulho alto da porta se abrindo e ergo o pescoço enrijecido pela noite mal dormida. A luz do corredor quase me cega deixando uma silhueta masculina ainda mais aborrecedora.

Cerro os dentes piscando várias vezes com uma mão na frente dos olhos para tentar enxergar Gale.

—Mais interrogatório?

Ele joga algo pesado em minhas pernas me fazendo saltar. Quase espero a dor vir logo antes de perceber que eram apenas roupas.

—Me acompanhe. Está fedendo.

—Finalmente vão me matar?

Ele expira, impaciente.

—Quase isso.


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