9 Zonas escrita por Cas Hunt


Capítulo 1
Decisão




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Meus dentes rangem tentando manter a língua presa no lugar. Preciso pensar em cada argumento plausível até surgir a oportunidade e deixar-me com ideias convincentes as quais possam ser absorvidas pelo capitão e pela general.

Não ajuda muito ambos serem meus pais. A general com o rosto eu quadrado marcado por algumas cicatrizes, o cabelo preto semelhante a petróleo pelos dias sem cuidado, a falta de alguns dentes acompanhada do olhar firme presente nas duas íris castanhas a deixam com um ar ameaçador que ninguém ousa contrariar. Já meu pai tem traços angulosos e suaves, sua pele também marcada de cicatriz de longe parece ser feita de veludo. Os cabelos dele, cortados tão rente que quase o faz parecer careca, ainda o deixa com um ar inocente, suave. Um belo contraste da pessoa que é em combate.

—Quando ele vão manda-lo para Zona 4? — minha mãe, general Morgan, tem a voz grave, controlada e extremamente melodiosa. É difícil não escuta-la apesar dos murmúrios ao redor da mesa.

—Em seis dias, general — uma capitã da base escondida em Zona 2 se pronuncia, a cicatriz na lateral de seu rosto combinando com o lugar de onde veio.

—É uma oportunidade e tanto — meu pai, capitão Howe, pronuncia baixo, a voz tão bonita quanto de sua esposa.

—Se me permitem, com todo respeito — a minha parece mais um golfinho engasgado comparando-a a de ambos.  —General, esse plano tem diversos furos que podem colocar em risco muitas das nossas instalações escondidas do governo.

—Está se referindo a tudo o que sabe, cabo... — a mesma capitã de Zona 2 trava olhando de relance para meus pais. Não é segredo que ninguém sabe ao certo como se referir a mim.

—Trottel. — respondo.

É mais fácil assim. Desde que cresci nas ruas lamacentas no exterior da província sofrendo com trabalho pesado desde os sete anos que me lembro ser chamada de idiota ou estúpida pelos guardas bem arrumadinhos do ditador. Eram figuras altas, fortes e imponentes que balançavam lanças prateadas na frente dos meus olhos gritando ordens quaisquer.

Minha mãe reage antes do meu pai ao ouvir o apelido. A general esconde um sorriso colocando a palma na frente enquanto o capitão fecha os lábios em uma linha dura de desaprovação. Conheço a pequena competição de ambos para tentarem saber qual seria o preferido da única filha e adotaria o sobrenome. Desde que nos livramos do campo de trabalho enquanto mamãe era uma espiã e meu pai continuava o trabalho duro lembro-me de suas leves diferenças que sequer afetaram seu relacionamento durante os anos. Muitas brigas, claro, mas se amam mais do que algum dia imagino conseguir.

—Sim, capitã — continuo arrumando meus argumentos. — Além das extensas informações que guardo comigo não sabemos por qual sexo ele sente atração, ou se sequer gosta de um dos dois.

—Isso não nos impede de tentar, cabo Trottel —capitão Howe diz em contrapartida.

—Ainda sim, capitão... Estamos colocando em risco informações valiosas pelo... o que? Coração de um futuro ditador?

—Esses são os diversos furos, cabo Trottel? — a general pergunta sentada na ponta da mesa, os olhos agora deixaram o relance de diversão e assumiram o ar estratégico de sempre.

—Também tem o fato de que duvido que a maioria das mulheres aqui se sujeitem a se aproximar do jovem sem sentir um traço de nojo —pontuo minha última esperança desesperada para buscar qualquer outro argumento.

—Por isso que será você, cabo — ela diz sem se abalar, os olhos castanhos não desviando dos meus nem por um segundo. —Entre no círculo de confiança dele, durma com ele se for preciso. Quero todos os planos do mini ditador colocados na minha frente e todos os soros no meu escritório.

A mesa fica silenciosa agora. Estão esperando minha reação, esperam que eu exploda como já fiz tantas vezes desferindo xingamentos para todos os lados ou quebrando uma ou duas cadeiras. Me mantenho firme, encarando seus olhos duros.

—E o que acontece se eu não aceitar, general?

O sorriso dela é sombrio.

—Você não tem de aceitar, Alya. Isso é uma ordem e a menos que seja uma desertora, sugiro que a obedeça á risco.

Ela nunca me chama de Alya na frente dos outros a menos que queira me lembrar de que ela é minha mãe e por mais que eu me esforce tentando contraria-la, ela também é uma das generais mais importantes da rebelião. E se não estou com eles, estou com o ditador. Marta Morgana sabe onde fica minha ferida e parece explora-la com gosto nos momentos certos.

Já cometi muitos erros que em um momento descuidado custaram a vida de uma pessoa que eu amava e logo concentrei-me totalmente em seguir cada uma das ordens a mim impostas com o intuito de tirar o ditador do poder.

—Sim, general — ralho entre os dentes e ela assente levemente.

—Ótimo. Capitã Kelly dê-me boas notícias.

Incapaz de escutar mais alguma coisa, viro-me nos calcanhares pisando o mais pesado que meu treinamento permite batendo a porta atrás de mim assim que passo pela mesma. Não me incomodo de olhar para trás, dei o show que todos queriam ver.

***

Não chove muito por aqui, mas o ar é úmido metade do tempo deixando uma camada fina e constante de suor descendo pelo centro da minha coluna e se acumulando na base. Odeio parecer suada. Odeio quando perco o controle emocional na frente de outras pessoas, mas infelizmente o temperamento ruim foi herdado das piores partes de ambos os meus pais.

Quero gritar, quero socar ou quebrar alguma coisa com a ideia repugnante de ter de me relacionar com o filho repugnante do governador do país. A parte nebulosa da minha mente, a parte egoísta só quer ir embora desse lugar e deixar a rebelião para aqueles que sabem lidar e fazem tudo por ela. Contudo, entendo o movimento deles. Um garoto exilado, jovem e com alto acesso a todos os planos, seus e de seu pai, totalmente inocente com o mundo a sua volta.

É um alvo fácil se colocado nas mãos corretas. E pelo visto, essas mãos são minhas. Não entendo como a ideia pode ser cogitada: tenho sérios problemas emocionais, nem de longe sou bonita o suficiente para chamar a atenção de um futuro de ditador e metade do acampamento tem plena noção de que fui uma perfeita cafajeste.

Paro no meio do caminho pra casa, minha mente borbulhando e logo compreendendo os motivos de estar embutida dessa missão: Não sou muito atraente, mas minha lábia é boa o suficiente para conseguir ter tido um ou dois encontros com maior parte dos jovens aqui, registrados como cadetes ou não. Sou esperta. Tenho treinamento desde os doze anos.

—Merda! — grito batendo o pé e jogando-me no cubículo que deixaram para ser minha casa.

Entrando em diversas batalhas sangrentas, ataques surpresas no centro da capital do país e tendo o privilégio de sair ilesa na maior parte delas consegui meu cantinho individual mesmo ficando, na maioria do tempo, com meus pais. No meio de uma guerra você percebe o quanto sua família é importante e distanciar-me deles só ocorre em momentos que me sinto extremamente ultrajada. Como agora.

A casa de madeira é quase considerada um chalé, não, melhor... Uma cabana. As paredes são resistentes apesar de encontrar alguns furos aqui e ali, tem um quarto, banheiro e sala de estar que se mistura com jantar e cozinha. O piso nem de longe é encerado e no telhado contém algumas goteiras que eu orgulhosamente as deixo ali.

Sento-me na cama fazendo as molas enferrujadas rangerem e a sombra deitada se remexer.

—Ally? — a voz arrastada e preguiçosa sempre me foi atraente.

Viro-me tentando exibir um meio sorriso para o jovem deitado apenas com as calças de treinamento, o corpo esguio basicamente desengonçado em minha cama. Ele é o motivo de estar mais na minha casa do que na casa dos meus pais durante os últimos dois meses.

—Oi, Lion.

Ele abre os braços, chamando-me para o seu lado. Por escolha minha, não avançamos muito além de beijos ardentes, talvez por que eu nunca me sinta preparada ou por que não sinta que seja certo, não agora. Mesmo que tenha uma guerra estourando para todos os lados e cada segundo possa ser o último para um de nós dois.

Conheci Lion seis meses atrás. Considerando meu histórico de relacionamentos fracassados diria que ele é o sucesso. Desde os primeiros momentos sua pele bronzeada, os cabelos selvagens e volumosos que brilham cor de cobre no sol somado aos lindos olhos escuros deixaram-me babando por ele.

Esgueiro-me até o local de conforto deixando-me ser embalada por seu cheiro de sabonete feito em casa que a irmã dele proporciona para maior parte do acampamento ganhando seu dinheirinho com isso. Quando a boca dele recebe a minha solto um suspiro, mas não de satisfação.

—A reunião foi tão ruim assim?

—Agora entendi por que me queriam lá.

—Como assim?

Pressiono os lábios. Na baixa luz da manhã e com a única janela no alto do quarto fechada sinto-me presa dentro de seus braços sem ter para onde correr. Não sei por que fico subitamente nervosa com a ideia de que ele não seja receptivo com a ordem da general.

Deslizo minha mão direita até seu rosto e acaricio a pele macia perguntando-me quanto tempo vai levar para ele me perdoar ou até mesmo para ver ele outra vez.

—Tenho uma nova missão.

Os olhos de Lion parecem mais lúcidos e ele toma a forma de sargento. Ele ergue o torso ficando sentado e me forçando a fazer o mesmo. Lion, apesar dos cabelos desgrenhados que lhe deram o nome, parece preocupado apesar de nos conhecermos a pouco tempo.

—Onde?

—Zona 4.

Suas sobrancelhas espessas se juntam, esperando que eu explique. Abro a boca preparando-me para os momentos seguintes.


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Notas finais do capítulo

pps: se tiver algum erro gráfico (me refiro as virgulas e as malditas crases que são meu pesadelo) pode contar, sem problemas! E também bugs na escrita (tipo quando no inicio alguem fala algo e repete a mesma ideia momentos dps so q com palavras diferentes) etc. See ya!



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