A manhã seguinte foi tão constrangedora quanto prometida. Meredith certificou-se de acordar mais cedo do que todos na casa, tomou banho, desceu sorrateiramente para a cozinha e foi preparar o café. Ela não queria de jeito nenhum trombar com Amelia ou Karev, estava rezando para os dois terem tido episódios misteriosos de morte súbita durante o sono, assim aquele pesadelo morreria com eles, mas ela soube que estavam bem vivos quando ouviu as portas batendo e as vozes vindas lá de cima. Aparentemente, escapar dessa estava fora de questão.

Passos na escada ecoaram até a cozinha, mas ela conhecia bem aquele jeito de descer, era Maggie. Maggie Pierce encontrou-a já pronta para sair, estranho, ela geralmente acordava depois dela, ainda que definitivamente antes de Amelia.

― Alguém caiu da cama hoje ― disse Maggie, sentando-se à bancada enquanto Meredith despejava café dentro de uma garrafa térmica individual.

― Tinha uns passarinhos na minha janela hoje, gritaram tanto que acordei ― mentiu, sem ao menos desviar os olhos do que estava fazendo. Na verdade, ela tinha programado muito bem o despertador.

― Eu não ouvi passarinho nenhum ― disse Maggie, curiosa.

― Como eu disse, estavam bem na minha janela ― insistiu.

Maggie deu de ombros e serviu o café, minutos depois, uma voz masculina veio da porta.

― Bom dia ― disse Alex, ele evitou todo e qualquer tipo de contato visual com Grey e ela fez o mesmo.

― Alex! ― exclamou Maggie. ― Não sabia que tinha passado a noite aqui. ― Pierce tinha um sorrisinho nos lábios que não se encaixava naquela situação de forma alguma.

― Pois é! Surpresa! ― A última palavra foi exclusivamente direcionada à Meredith.

O café havia terminado, a babá estava na casa com as crianças, Meredith, Maggie e Alex estavam no carro.

― Onde está Amelia? Vamos chegar atrasados de novo! ― reclamou Mer, irritada, buzinando umas três vezes seguidas.

― Não esquenta, ás vezes ela ficou acordada até tarde ontem ― disse Karev, fingindo inocência. Os comentários do amigo faziam ela congelar por alguns segundos. ― Olha ela vindo aí ― apontou para fora do carro, Amelia vinha pelo jardim, carregando sua bolsa e um copo térmico desajeitadamente e com pressa.

Ela abriu a porta de trás e sentou-se ao lado de Maggie e Alex.

― Mas o que diabo você está fazendo aqui atrás? ― questionou Alex, mas ele sabia bem o porquê de ela estar ali. ― Vai lá pra frente, tem gente demais aqui.

Antes de mover-se, Amy olhou para Meredith, que fingia estar alheia àquela discussão sem ao menos se incomodar em olhar. Então ela saiu e entrou novamente, dessa vez sentando-se no banco do passageiro e levando seu olhar o mais distante que pôde da loira ao seu lado. As duas comportavam-se como polos iguais de dois imãs, não se olhavam, não se falavam, tampouco ousavam se mover demais. O rádio estava ligado, mas a última coisa que elas ouviam era música, de tão perdidas que estavam dentro de suas próprias cabeças.

― Aumenta! Aumenta, por favor, é Pearl Jam, eu amo essa música! ― gritou Maggie. ― Vocês não amam essa música? ― perguntou para todos.

― Claro ― Meredith respondeu automaticamente.

Ao levar sua mão até o controle do rádio, acabou encontrando-se com uma outra mão que chegara lá primeiro. Amelia, claro. O súbito toque foi como um choque elétrico, fazendo-as recuar de imediato. O som estava alto o suficiente. De trás, Alex observava o comportamento das duas, julgando, mas ao mesmo tempo tentando processar o que ele havia visto, porque não estava nada claro para ele também. Meredith não se sentia atraída pela irmã de seu marido morto, certo? Não. Meredith jamais faria isso. Era o que ele ficava repetindo para si mesmo, mas a cena da noite anterior dificilmente ajudava no caso. De qualquer forma, não tinha tempo para ficar matutando sobre Mer e seus problemas. Precisava acertar as coisas com Jo e sair daquela casa de gente doida.

A viagem até o Grey+Sloan jamais fora tão demorada. Maggie não parava de falar, Karev jogava algumas indiretas, mas ficou calado durante a maior parte do trajeto, assim como aquelas duas que tinham culpa no cartório. Quando finalmente chegou a hora de eles se separarem, foi como se Meredith conseguisse respirar novamente, e ela poderia usar todo aquele trabalho que a esperava para manter-se ocupada.

O dia correu cheio o suficiente: duas apendicectomias, um transplante e mais algumas consultas. Mais tarde houve um engavetamento, logo, mais cirurgias. A única coisa atípica era que estava fazendo o máximo para evitar Karev e Amelia, principalmente. Até mesmo Owen Hunt se mostrou difícil de encarar, Meredith sabia que ele e Amy andavam transando no quarto dos plantonistas, ela tinha náuseas só de imaginar.

Após toda a agitação que aquele engavetamento havia causado, Meredith foi até a sala de suprimentos, ela precisava de cobertores e de um lugar silencioso. E lá era de fato silencioso, pelo menos até Alex abrir a porta e entrar, como um agiota perseguindo um cliente para cobrar empréstimo. Grey suspirou, ela sabia exatamente o que viria dele.

― Quer falar sobre isso? ― perguntou Alex, trancando a porta e posicionando-se na frente desta.

― E importa se eu quero? Se eu disser não você vai falar do mesmo jeito! ― concluiu, irritada. Deu um longo suspiro e sentou-se numa das escadinhas. ― Eu estava bêbada!

― Tá bem, tá bem, eu sei, Mer, mas... É a Amelia Shepherd! Você não pode encher a cara e sair beijando a irmã do Derek, porque... PORQUE É A IRMÃ DO DEREK! ― Alex sentia-se confuso até mesmo ao falar daquele assunto, era como se sua mente tivesse explodido noite passada e ainda não voltara para o lugar.

― Shh! E você acha que eu não sei disso? ― murmurou. ― Eu não quis fazer aquilo, ela estava tão próxima e eu bêbada e carente. Foram as circunstâncias, okay? Não é como se nós fôssemos andar de mãos dadas pelo hospital e trocar olhares apaixonados.

Alex arqueou as sobrancelhas.

― Mas só me faltava essa agora! ― resmungou, deixando a sala, irritado.

Quase uma semana se passou desde aquela sexta-feira. Meredith e Amelia mal estavam se falando e não demorou muito para Maggie notar que havia algo de errado, afinal, era quase uma semana sem brigas! Numa quarta, quando estavam as três voltando pra casa, Maggie disse:

― Vocês duas estão estranhas. Aconteceu alguma coisa? Faz dias que mal se falam. Por acaso vocês tiveram uma briga feia e não querem me contar? Porque eu vou ficar muito chateada se estiverem me omitindo algo.

Céus, como era possível uma pessoa falar tanto sem ao menos tirar um tempo para respirar?

― Não aconteceu nada ― disse Meredith.

― Está tudo normal ― disse Amelia, ao mesmo tempo.

― Não, não está! Vocês nem estão brigando! Isso é esquisito.

― Talvez Amelia e eu simplesmente tenhamos arranjado um ótimo jeito de conciliar nossa relação: sem conversas, sem brigas. E está funcionando muito bem ― Meredith tentou contornar, Amelia apenas assentiu.

― Sei... É bom não estarem escondendo nada de mim. Somos uma família agora.

Sim, elas eram uma família. E por serem uma família, não tinham a menor ideia de como passar por cima do que aconteceu. Estavam lidando de formas diferentes, Amelia não queria ter que se distanciar de Grey daquela forma, ela mesma havia dito que havia sido apenas um beijo e, mesmo Amy lutando contra si mesma para concordar, sua cabeça e a atitude da loira diziam outra coisa. Uma coisa que ela não aceitaria de jeito nenhum. A verdade era que ambas não haviam conseguido pensar em outra coisa desde então, era o que deixava o clima entre elas tão tenso e desconfortável.

No dia seguinte, Amelia apareceu na sala dos atendentes, Meredith estava sozinha com os pés na mesa lendo uma revista.

― Você está me evitando ― disse Amelia, sem rodeios. ― Está me evitando e precisa parar com isso antes que eu surte.

― Eu não estou te evitando, eu sou Geral e você Neuro, é normal que não nos vejamos muito por aqui ― Meredith respondeu, sem ao menos levantar os olhos.

― Jura? Porque nós moramos na mesma casa e eu não vejo você por lá também. Mer, se você precisa falar sobre o que aconteceu, nós vamos falar, mas, por favor, para de fingir que eu não existo.

Meredith esperou uns segundos e respirou fundo antes de tirar os olhos da revista e olhar para Amy. Seu olhar era frio e inflexível.

― Não vamos falar sobre coisa alguma, porque não há nada a dizer. Se você não consegue se controlar não é problema meu.

― Eu não consigo me controlar? Porque é você que mal olha na minha cara, vira o corredor quando me vê e não consegue ficar mais de três minutos no mesmo ambiente que eu! ― disse Amelia, aumentando o tom de voz gradativamente.

― Chega, Shepherd! ― Grey levantou-se do sofá num salto. ― Não aconteceu nada, eu estava bêbada e você deixou que eu te beijasse, quando sabia claramente que eu só fiz isso porque...

― Não se atreva a dizer o que eu acho que você vai dizer, porque se você disser...

― O que quer que eu pense? Você está vivendo algo que não foi sequer construído por você, Amelia. Você mora na minha casa com a minha irmã, cuida dos meus filhos, até mesmo o emprego que era do Derek é seu, a esposa seria só um bônus.

O rosto de Amy estava vermelho e seus olhos inundados por lágrimas, mas ela não choraria ali, não na frente daquela mulher, então ela saiu da sala e deparou-se com Alex e Bailey do lado de fora. Eles trocaram olhares antes de ela seguir para outro lado e os dois entrarem na sala. Encontraram Grey, ela estava exatamente no mesmo estado, a diferença era que havia esperado Amelia sair para entrar em pânico.

― Mer ― Alex aproximou-se e abraçou-a. Bailey ficou parada perto da porta sem entender coisa alguma. ― O que houve?

Meredith não disse nada, apenas escondeu o rosto no peito de seu amigo e desatou a chorar como uma criança pequena. Miranda não entendia muito bem o que seus olhos haviam acabado de presenciar, mas sabia que iria descobrir.