Relatos do Cotidiano - Parte 1 escrita por Vale dos Contos Oficial


Capítulo 7
O Sofrimento


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo não é indicado para menores de 18 anos: há cenas de abuso sexual.



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Não sei como isso aconteceu comigo, muito menos porque estou contando a vocês. Segundo minha prima, ela precisa disso para saber quem foi o desgraçado. Sim, essa foi a específica palavra que ela usou para se referir à pessoa que trouxe o pesadelo à realidade. Agora, segundo outras pessoas, eu merecia, eu deveria estar em casa, lavando louça, sendo "Bela, recatada e do lar". Então, por favor, se concordar com essas pessoas, apenas leia sem comentar nada e se coloque em meu lugar, em minhas dores e sofrimentos.

Isso ocorreu há quase duas semanas, desde o dia em que eu contei à minha prima sobre o assunto. Eu fui convidada para ir a uma festa e lá eu encontraria alguns amigos meus. Como sempre, com o dinheiro que eu ganhava como assistente de secretária no salão de beleza de uma cunhada da tia da minha mãe...

Oh, me perdoem, mas eu esqueci de me apresentar. Sou Miranda, prima de Soraia. Tenho 17 anos de pura inteligência e carisma. Bom, isso são características que minhas amigas me deram.

Retornando ao meu relato: com o dinheiro que eu ganhava semanalmente, comprava roupas, maquiagens e produtos para meu cabelo, além de uma chapinha, um secador de cabelo e um babyliss. Portanto, estava me produzindo para sair. Minha amiga, Juliana, me daria uma carona. Felizmente, para mim, ela estava tomando remédios e não poderia beber. Para ela, já era infelizmente, pois sabia que seria a motorista de alguns exagerados. Primeiro, não sou de beber, pois meu fígado é frágil quanto ao álcool. Segundo, lá não haveria o que eu costumo beber, portanto, não iria misturar nada em meu estômago.

Eu, depois de um curto banho, pois meu cabelo já estava lavado do meu horário no salão, comecei a me maquiar: passei uma base leve e um blush para dar um colorido à minha face pálida. Usei uma sombra bem fraca e fiz um "olho de gatinho" sobre meus olhos. Eu usava cores neutras, pois gostava de um batom mais forte, bem vermelho, ou rosa, para a cara não ficar muito carregada também.

Em seguida, eu coloquei uma calça jeans que não acentuava muito as minhas pernas. Eu usaria uma blusa preta que minha prima fez: ela era lisa e sem nenhum enfeite na parte de trás; já na frente, tinha pequenos brilhos que ela montou com lantejoula com glitter que faziam um caminho que formava a face de um tigre, mas poucos viam isso. Na lateral dos braços, tinha uma abertura coberta por uma renda fina e quase invisível.

Nos pés, eu estava em dúvida entre uma sapatilha vermelha, para combinar com o batom vermelho, ou um salto alto preto. Eu não era tão alta, cerca de 1,60 metro. Para encerrar, apenas passei a chapinha nos cabelos para ficarem um pouco mais lisos.

Como a noite estava um pouco mais fria do que o normal, eu coloquei uma jaqueta jeans de tal forma que não atrapalhasse nem amarrotasse minhas roupas. Depois de esperar em frente de casa por uns dez minutos, minha amiga apareceu em seu carro. Não me pergunte o nome, pois sempre me esqueço, mas ele parece uma ambulância, por ser branco (Sua versão na cor preta parece um carro funerário).

—Como sempre, você está gata! – Juliana, minha amiga, meio que me fuzilava com o olhar gatinho que fizera com a maquiagem. – Acho que você põe inveja em muita gente.

—E é algo que não quero e detesto fazer.

—Sempre humilde essa minha bebê.

Enquanto seguíamos à festa, ela arrumava seu cabelo encaracolado que caía como rios sobre os seus ombros. Ela usava um vestido preto, bem básico e uma sapatilha, o que me deixava um pouco mais alta por causa do salto.

Não demorou muito para chegarmos ao lugar, que era no centro da cidade. Não havia moradores ao lado do enorme salão, nem casa ou pensão. Acho que não daria problema nenhum. Lá, a música já estava tocando e as pessoas chegando. Não demorou para entrarmos, pois o anfitrião estava lá na frente e, assim que nos viu, nos colocou lá dentro.

As luzes coloridas passavam por mim e minha blusa refletia tudo, o que atraía os olhares de muitas pessoas para mim. Algumas mostravam espanto, numa mistura de alegria; outras, inveja, porém, não eram esses que me incomodavam. Havia alguns que me encaravam com um olhar perseguidor, um olhar faminto que me devorava só com olhar. Era estranho, eu me sentia um objeto na vitrine, almejado por aqueles que passavam pela rua. Nesse exato instante, um enjoo imenso corroía meu estômago e me fazia passar mal. Aquilo era tão nojento, tão repugnante que eu apenas queria acertar a cara deles.

Bom, o melhor era ignorar, mas não foi tão possível assim. Escutei alguém me chamando e a voz era familiar. Tentei ignorar. Vai que era zoação. Porém, senti uma mão em meu ombro. Novamente, ignorei por imaginar ser engano, mas Juliana mandou-me olhar. Era meu primo, Jonas, que já estava um pouco alterado.

—E aí priminha?! – O cheiro de álcool socou o meu nariz. Eu o cumprimentei com um abraço, mas não um muito demorado. No final, ele se distanciou e voltou à roda de amigos dele.

—Desnecessário ele ter gritado, não foi? – Concordei enquanto passávamos pelas pessoas e íamos até o bar pegar alguma bebida. Não estava com vontade de ingerir álcool e Juliana não podia. Por fim, pegamos uns drinks de frutas vermelhas com limonada e água com gás. Era um pouco ácido e um pouco doce, meio estranho, mas no final era bom.

Íamos de um lado ao outro dançando e conversando com os conhecidos que a gente encontrava. E as horas foram passando e o enjoo quase desaparecera por completo. Entretanto, ele voltou quando um menino passou o braço pelo meu pescoço e puxava um assunto tão sem noção que eu ignorava, porém, ele não estava gostando. Juliana estava perdendo a pouca paciência que tinha – e olha que a história nem era com ela – e tentou retirar o menino de cima de mim.

O azar nosso foi ele partir para a briga. O azar dele foi Juliana saber imobilizar uma pessoa sem lutar nem causar balburdia. Ele, ao ver que nada receberia, se virou e foi embora. Nem deu dez minutos, ou menos, e olha o garoto voltando até onde eu estava e puxando assunto. Estava me irritando, me incomodando e eu falava isso a ele, mas ele não se importava. Após a quinta, ou a sexta vez, é que ele desistiu. Na verdade, acho que ele ficou com receio de apanhar de uma garota, pois Juliana estava espumando de raiva dele. Só não o fez, pois não deixei. Não queria briga.

—Adivinha de quem ele é amigo? – Eu me virei e o vi reclamando com meu primo, que fazia uma cara de "Não estou dando moral para o que você diz".

Não me sinto muito à vontade com ele, da mesma forma que com a minha prima, porém, nesse dia, e com o apoio de Juliana, fui falar com ele.

—Jonas, venha aqui. – E o puxei da roda. Se levarmos em consideração o estado de bêbado dele, foi fácil fazer isso. – Por favor, faça o seu amigo parar de me atormentar.

—Ele só quer ficar com você.

—E eu não quero.

—Nem se ele for gentil?

—Nem se ele mudar o nome para Gentileza eu ficarei com ele. – O grupo todo me encarava e isso me fez ficar mal, mas muito mal. Que sensação horrível! Não sabia descrever, mas era como se meu estômago estivesse em uma centrifugadora. – E se ele, ou algum de seus amigos forem nos atormentar, eu deixarei a Juliana o dividir em dois.

Jonas não falou mais nada, apenas se virou para seu grupinho de garotos mimados e voltou a fazer farra. Havia momentos em que ele me irritava muito, e não era uma irritação passageira, pois eu convivia com ele todos os finais de semana em que eu saía com Soraia. Depois desse acontecimento, eu não estava bem, não estava mais com vontade de ficar naquela festa. Eu queria ir embora, queria ir para minha casa. Aquela situação sugou o que o ambiente tinha de bom. O que era para ser uma noite divertida, se tornou insuportável.

Juliana notava o meu comportamento.

—Amiga, quer que eu te leve para casa? – Eu não conseguia responder. Eu só queria chorar. Muitos à minha volta notaram isso e me encaravam com um olhar de "Por que está assim? A vida dela está perfeita." ou "É puro drama, TPM, hormônio.". Eu não estava bem, queria fugir daquilo, daquele sentimento de objetificação que eu sentia.

Eu não era um objeto para me olharem, não sou nenhum pouco isso, sou uma mulher, sou uma pessoa, um ser humano, tenho minhas privacidades, minhas ideias e opiniões. Eu tenho uma vida e eu a quero apenas para mim.

Sem reação nenhuma e presa em meus pensamentos, minha amiga me puxou. Eu sentia uma sensação estranha, como se alguém em seguisse. Poderia ser bobeira, pois estava em uma festa, mas não. Eu sentia um olhar penetrante em mim, em meu corpo. Era estranho e me incomodava.

—Miranda, por favor, tenha alguma reação! – Juliana gritava comigo, mas eram palavras vazias que de nada resolviam. – Fique aqui enquanto eu vou buscar o carro.

Em um segundo, eu senti sua mão soltando a minha enquanto a outra procurava as chaves do carro no bolso, mas estava difícil. Em outro segundo, eu senti uma mão puxando meus cabelos. Sim, agora eu gritei como ninguém, contudo, a música alta, esse inferno de música com o volume no máximo, impediu que alguém ouvisse.

Eu era puxada para longe dali, para a entrada de um terreno vazio ali do lado. Eu batia nele, batia em seu rosto, no corpo, em qualquer lugar que eu conseguia atingir. Nada revolvia, ele era mais forte. Senti que ele me apalpava, agarrava com força os meus peitos, e isso doía muito. Eu gritava, eu usava todas as forças que eu tinha para gritar e chamar a atenção de alguém.

—Calma, minha linda, você vai gostar. – Era ele, o menino que havia tentado me beijar. Seu hálito de álcool me deixou atordoada, além dele retirar um lenço de seu bolso e colocar em minha boca.

Mesmo desesperada, eu não respirei para não desmaiar, já que não sabia o que tinha ali. Ele, incessantemente, continuava a passar as mãos em mim, continuava me molestando.

—Por favor, pare, por favor, pare por favor! – Eu já chorava, não tinha mais forças para continuar revidando. Ele passava a língua nojenta em mim, passava as mãos em minha bunda e apertava, era nojento, repugnante, era tortuoso. – Pare...

Ele, sem se importar, começou a retirar a minha roupa. Nesse momento, ele não mais segurava os meus punhos enquanto me abraçava. Eu reagi e o chutei, mas errei e ele, com as mãos nojentas, puxou o meu cabelo com muita força e me jogou no chão. O impacto foi tanto que fiquei mais estática que antes. Não sentia meu corpo, nem minhas roupas. Ele as tirava...

—Por favor, pare...

Eu não dizia mais nada, não tinha forças, não tinha mais voz. Ele me penetrava à força e me machucava, me cortava, me feria. Eu me sentia inferior, eu me sentia um nada naquele momento. Aquele pesadelo não parava, não terminava, era nojento, era repugnante, era imundo. Nele, eu não via mais um homem, eu via o demônio, que me apedrejou, me fez inútil, inferior. Ele era a fera e eu a sua caça, eu tremia de medo, dor, nojo. Era asqueroso, medíocre, não sabia mais o que dizer.

De repente, ele parou e tremeu um pouco.

"Não! Isso não!"

Eu só pensava em mim, minha saúde. O que ele fez comigo? Pare, por favor, pare! Volta tudo! Por que eu fui àquela festa? Por que, meu Deus? Por favor, me ajuda, me socorre!

Ele se levantou e disse bem baixinho em meu ouvido:

—Se contar a alguém, eu te mato, eu sei onde você mora, quem é a sua família, a sua prima... Isso, a sua prima. Se contar a alguém, eu farei uma visita a sua prima.

"Por favor, não, minha prima, não!"

Ele saiu e me deixou ali, jogada, me sentindo suja, imunda. Com pressa, eu coloquei a minha roupa. Não sei de onde veio essa força para isso. Eu me dirigi até a frente do lugar e Juliana me esperava.

—Menina, aonde você foi? – Eu comecei a chorar ainda mais, não sabia onde colocar a minha cara. Assim que eu ia falar o que ocorreu, as palavras dele, sua ameaça, voltaram em minha cabeça: "Se contar a alguém, eu farei uma visita à sua prima."

Minha prima ficará segura, mas eu preciso falar para alguém. Ele é amigo de Jonas. Por que ele deixou que isso acontecesse comigo? Por que Jonas? Por quê?

Juliana apenas me colocou no carro e me levou para casa. Não me despedi, nem fiz nada, apenas eu desci sem forças e me arrastei até meu quarto, onde me joguei embaixo do chuveiro para me limpar.

Eu esfregava a bucha ferozmente, a fim de retirar tudo aquilo que eu sentia: nojo, desgosto, repugnância, imundice, tudo. Queria que aquilo nunca tivesse acontecido, que aquilo nunca tivesse existido.

"Por favor, pare, por favor." – Meus pedidos de socorro foram ignorados por tudo e por todos.

—Preciso contar a alguém, mas minha prima será o alvo dele? O que farei?

Naquela hora, faria nada, apenas choraria porque eu precisava. – Por favor, pare, por favor. – Ainda me esfregava. Precisava arrancar toda aquela sujeira que havia em mim, mas não saía, estava impregnada em mim.

—Alguém, por favor, me ajuda...

 

 


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