Relatos do Cotidiano - Parte 1 escrita por Vale dos Contos Oficial


Capítulo 17
A Decisão


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é indicado para todas as idades.



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Agora, era só esperar. Sim, eu havia mandado a mensagem para Carlos, que estava com Soraia, sua namorada, no hospital. Eles foram buscar Miranda, que havia sido estuprada, o criminoso saíra impune e fugira para Grécia. Talvez ficaria um, ou dois anos, porém, deixou uma grave marca em todos nós, que não suportamos mais ouvir ou saber de seu nome.

Eu sentia por ela, afinal, graças a mim que ela conseguiu viver por mais um tempo. Meu sangue a salvou e isso afirmou ainda mais as minhas convicções de que a doação de sangue é importante. Fora isso, eu tinha meus pequenos problemas para resolver. Eu, José Antônio, tinha meus problemas, como todos tem. Os meus podem ser piores que alguns, ou até dramáticos para outros, contudo, cada um tem as suas cruzes e os seus trabalhos.

Jonas, aquela pessoa ridícula em certas horas, mas um "irmão" em outras, havia me colocado uma pulga atrás da minha orelha. Seria ele a pessoa certa?

Depois daquele beijo, mesmo que com ele bêbado, eu sabia que eu sentia algo a mais que ninguém saberia explicar, nem mesmo aqueles que já passaram por isso, visto que eu era diferente deles. Essa diferença é muito boa, é excelente para esse mundo tão caótico, tão desvalorizado, tão sem humanos. E assim a vida segue, e eu com ela. O mais engraçado é que eu posso ultrapassá-la, porém, ela me derrubou muito e me machucou tanto, mas tanto, que eu perdi o ar, perdi a direção, eu ainda me perco em minhas palavras, me perco em mim mesmo.

É tão confuso o que eu sinto, tão simplório, tão emocionante. Seria isso mesmo o que eu quero para a minha vida? Não tinha ninguém a quem socorrer, a não ser Carlos, ou Soraia... Na verdade, tinha a Milena, mas ela saberia me ajudar?

Eu mandei uma mensagem para ela e não demorou em responder:

—Zé, você está bem? Não achei você em suas mensagens. – O que ela quer dizer com isso? Mensagens são tão secas e sem vidas. Como ela não me viu nelas?

—É que estou com alguns problemas e precisava de alguém para conversar...

—O que precisar, é só dizer! – Mas eu não conseguia dizer nada, não conseguia juntas as palavras e transformá-las em frases. Fiquei muito tempo encarando o teclado e nada era dito, ou digitado, ou falado. – Zé, você ainda está aí?

Nessa hora, eu desabei. Minhas lágrimas eram tão frescas, mas quentes de sentimentos que não sabia entender. O que eu sentia?

Nisso, meu celular tocou. Era Carlos.

—Zé, você pode falar? – Engoli o choro rapidamente. – O Jonas está aqui do meu lado.

—Se ele puder vir aqui em casa, ou a gente se encontrar em algum lugar.

—Zé, sou eu. – Era a voz dele. Eu, apesar de pouco contato, reconhecia a voz levemente rouca dele. – O que aconteceu? Sua mensagem parecia bem tensa.

—A gente poderia se encontrar? Preciso falar com você. – Houve um silêncio horroroso no fundo e isso me deixou ainda mais inquieto.

—Tudo bem. Pode ser em minha casa?

—Pode sim, mas não quero ninguém por perto. – Ele não respondeu e já desligou. Assim que eu me arrumei, já que parecia que eu sofrera um atropelamento, peguei minha bicicleta e fui até a casa de Soraia. Essa cena foi um déjà-vu total para mim: Soraia me ligando desesperadamente; eu correndo de bicicleta até sua casa; Jonas lá, só que dessa vez sóbrio e mais crescido – talvez para não dizer mais maduro e responsável. Isso me deixou ainda mais tenso, mais desacreditado em mim mesmo.

Assim que eu cheguei, a casa estava totalmente deserta. Não acho que ele havia expulsado todos de lá apenas para conversar comigo. Eu toquei o interfone e o portão se abriu, sem ninguém perguntar nada. Lá dentro, Soraia e Carlos estavam no sofá. Eu podia ouvir as vozes dos pais dela na cozinha e um cheiro indescritível de comida sendo preparada. Carlos estava deitado no colo da namorada e, assim que eles me viram, apontaram as escadas e eu subi. Jonas estava em seu quarto, sentado de costas para a porta. Dei três toques na porta e ele se virou.

Seu rosto estava bem vermelho, assim como seus olhos. Era um inchado de choro e eu conhecia isso muito bem. Eu me sentei na cama dele, olhando para a porta. O pouco de luz solar que iluminava o nosso dia alcançava a janela, que permitia a visão para um céu todo rosado e alaranjado. Eu não conseguia olhar para ele, assim como ele não conseguia olhar para mim. Como sabia? Não houve movimentos na cama. Ele não se mexeu para me olhar.

—Zé, você está bem?

—Você sabe que não. – Era isso que eu tinha a responder, mais nada. Ele sabia como eu me sentia. No dia em que eu fui ao hospital para fazer a doação, ele me encarou com certa pena, pois sabia o que estava sentindo. Não era ódio, nem raiva, muito menos dó, ou tristeza. Não havia explicação.

—Eu também precisava falar com você. É, acho que você sabe sobre qual acontecimento. – Eu não sabia se corria, ou se sofria ali mesmo. – Eu só quero me desculpar pelo o que eu fiz. Não foi certo, da mesma forma que eu fiz isso com o Carlos. Você sabe o que eu comecei a sentir por ele, mas foi passageiro, era um sentimento causado pelo álcool. Diferente do que eu acho que estou sentindo...

Houve uma pausa. Foram segundos, eu vi isso no relógio perto do criado mudo dele, entretanto, foi uma espera de anos para nós dois.

—Por mim? – Eu respondi antes dele. Será que era isso que eu sentia? Não sei, mas me envergonhei por ter sido tão certeiro.

—Sim...

Eu não sabia o que sentir, ou dizer. Ele, por fim, começou a chorar. Sério isso? Ele estava gostando de mim? Mas o que eu sou perto dele? Um monte enorme de nada. Ele na faculdade, eu no primeiro ano. Ele com seus dezoito, dezenove anos, eu com meus quinze para dezesseis (Eu era um ano mais velho que os demais da minha sala).

—Eu sei que é errado. Você é menor de idade e eu estou apaixonado. – Em meio às suas lágrimas, houve essas palavras. – O que eu devo fazer?

—Acho que esperar. – Era Soraia, que estava encostada no batente da porta aberta. – Primeiro, não sei se vocês formam um casal bonito, ou fofo; segundo, precisam ver se isso é amor ou paixão, pois há uma enorme diferença entre eles; terceiro, vejam se há uma reciprocidade entre vocês e eu tenho certeza que há; quarto, não decidam nada tão apressadamente, se conheçam, conversem.

—Você veio aqui para dar sermão?

—Não, vim para sanar algumas dúvidas de vocês, já que esse diálogo não fluía. Outro detalhe, apesar de não serem um casal, seria legal. Afinal, poderemos sair de casal, já que Miranda e Rogério, sem dúvidas, irão evoluir naquela amizade. – E ela saiu. Nunca gostei dela por ter certos conceitos errados sobre mim, mas eu já a ajudei e agora me ajudou. O que eu mais poderia falar mal dela?

—É tipo aquele velho de roupa vermelha: aparece, diz algo talvez importante e vai embora. – Não dei aquela risada do comentário dele, mas eu esbocei um pequeno sorriso. Ele percebeu e eu vi que ele gostou. – Você concorda?

—Com ela, ou com você?

—Mais com ela?

—Sim, eu sou bem novo para pensar em namoro. E você é mais velho. Eu já estou com certos problemas na família por ser gay. Aí, eu apareço com um namorado.

—Pelo menos, aqui, você terá uma atenção que nunca possuiu em sua casa. Pode apostar nisso: minha mãe mima mais o Carlos do que a Soraia.

—Eu não sei, Jonas, literalmente não sei.

—Eu acho que devemos tentar.

—Mas esse é meu medo. A gente tentar e o pessoal começar a falar da gente. Não me importo do que falam comigo, são tantas histórias que já escrevi um livro com elas. O que me preocupa é você. Sempre foi visto como um alcoólatra, mas não como um alcoólatra gay.

—Se a história de alcoólatra foi a única que você ouviu, estou bem então. Você conhece muitos da cidade e só ouviu essa?

—Tem outras?

—Já virei pai umas seis ou sete vezes, já comprei um carro de um cara mal falado da cidade, já fui pego roubando uma urna eletrônica, já fui pego saindo de um motel com um homem e uma mulher e mais histórias como essa. Nenhuma verdade, pois não há fotos, não há vídeos, meus amigos me contam tudo, mesmo que seja o mais constrangedor possível. Além do mais, a cidade pode ser grande, mas tem espírito de cidade pequena: pessoas humildes quase ignorantes com uma língua e imaginação maior que de muitos escritores famosos.

—Nenhuma delas é verdade?

—Nenhuma. O ser humano acha que diminuir os outros por meio de histórias e fofocas é o meio mais fácil para ser popular, só que nunca aguentará o que farão com ele, que é o mesmo que ele fez.

Conversamos mais um pouco. No final, estávamos bem. Decidimos descer para ficar com Soraia e Carlos, que estavam acompanhados de Miranda e Rogério. Todos nós nos cumprimentamos. Quando Jonas precisou ir ao banheiro, os cinco caíram sobre mim para perguntar o ocorrido.

—Não foi nada. Além disso, estou com medo e acho que ele também. Se mantivermos a amizade, eu já ficarei satisfeito. Ainda não sei o que eu sinto e acho que ele também não sabe. Infelizmente, ou felizmente, só o tempo dirá.

—Filosófico, hein? – Eram os pais de Soraia, que traziam uma assadeira com copos de suco. – Acho que você seria um incrível genro.

—Querida?!

—Não estou mentindo, falo mesmo. – Todos rimos e Jonas também, que provavelmente ouviu tudo do lavabo, perto da cozinha.

—Gente, faz quase três meses que aquele amigo de vocês foi fazer aquele intercâmbio, não foi?

—Ah, vocês estão falando do Marcos? Alguém tem falado com ele?

—Nenhuma palavra. Para mim, ele faria somente uma viagem qualquer.

—Ele demorará para voltar?

Ninguém respondeu. O pai de Soraia ligou a televisão, onde passava um filme, porém, a cena foi cortada para um jornal. "Breaking News" era o que estava estampado no jornal. Como não entendíamos nada do inglês, mudamos para um brasileiro.

—Que horror! – A filmagem mostrava um caminhão, todo equipado, atropelando pessoas em um campus universitário de alguma faculdade. No final, ele explodiu por inteiro.

—Essas filmagens foram feitas por um estudante que estava tendo aula em uma das salas preparatórias para alunos do primeiro ano do ensino médio. Alguns daquela sala estavam em um trabalho ao ar livre e foram atropelados.

Desligamos a televisão, pois ninguém conseguiu mais ver o que se passava. Estávamos todos em choque. Nisso, chega uma mensagem de nossas redes sociais. Marcos havia nos marcado em uma publicação: eu, Carlos e Soraia. A Milena também fora marcada, só que não estava conosco. Assim que lemos o que estava escrito, ninguém segurou o choro, ninguém conseguiu falar nem se consolar.

Era a mãe dele.

—Gente, o que aconteceu? – Ninguém respondia, ninguém dizia nada, todos estávamos estáticos e tristes. Nossas lágrimas eram doloridas, mas não havia mais nada a se fazer.

—Ele está morto... – Soraia foi a única que conseguiu falar. – Ele estava naquela turma... Acabaram de ligar para a mãe dele... E confirmaram a morte dele...

Tudo parecia tão bem, estávamos tão felizes, mas em um passe mágico, tudo piorou, tudo ficou um caos. Nosso amigo estava morto, ninguém sabia o que dizer, nem responder as nossas perguntas. A surpresa que ele faria para a gente quando voltasse não mais ocorreria, pois ele estava morto.

—Não acredito! – Carlos, melhor amigo dele, socou suas pernas. – Eu não acredito!

Não sabíamos o que fazer, não sabíamos como reagir, apenas conseguíamos chorar com a morte do nosso amigo.

 


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Notas finais do capítulo

Eu queria muito agradecer aqueles que me acompanharam por essa jornada. Sem vocês, leitores, certamente eu não teria alcançado o que eu consegui, nem prosseguido com essas histórias que tanto amo escrever e que, certamente, vocês gostam também.

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