Vermelho cor de Sangue escrita por Maddu Duarte


Capítulo 4
Capítulo 3 - As Madrugadas que se Escondem nas Sombras


Notas iniciais do capítulo

Ainda postando com antecedência... talvez eu apenas queira que nada atrase para vocês. Ou eu esteja nervosa e não queira ver os comentários, mas juro que vou responder todos com muito prazer!
Sobre a imagem feia, ignorem. Nem todos nasceram para serem design, certo?
Obrigada pela leitura!



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Ela sempre soube que não pertencia aquele lugar.

Zahrah sempre soube que existia algo de diferente, algo que fazia com que sua mãe pegasse seus braços e puxasse para longe todas as vezes que os guardas se aproximavam, aliás, sempre estranhou a maneira como a mais velha usava o corpo como muralha diante da filha, concentrando seu olhar nos que considerava inimigos. Nunca entendeu as motivações que Helena possuía e porque recusava que a filha se integrasse as batalhas, também nunca entendeu a falta de memória que constantemente a afetava ou porque não era capaz de enxergar o mundo colorido como todos os outros. A ignorância é uma benção, sempre a disseram.

Mas não deveria o conhecimento abrir portas?

De toda forma, na grande maioria das vezes, estava tudo bem. Verdadeiramente bem. Não é como se a prejudicasse e, nos últimos dez anos ― tempo que sua memória era capaz de descrever sem borrões ―, as coisas ocorreram bem. Zahrah evitava usar magia desnecessariamente ou chamar atenção, também começou a apagar de sua vida o que via, ou melhor, não via.

Começou a apagar o vermelho sangue.

Porém, quanto tempo mais duraria aquela fantasia? Em breve, todos estariam em fileiras para ganhar seu lugar na sociedade e o medo de descobrir ter algum era maior do que o de não ter. Ninguém deveria viver com medo, disse o protagonista de um livro qualquer, todavia, vivia. O medo era seu maior aliado.

Relembrou as categorias: existiam os confrontes, aqueles que lutavam diretamente. Helena havia sido clara quando disse que ela nunca poderia ousar pensar em ser uma.

Depois, os bloqueadores. Ou você era nobre, ou muito poderoso. Zahrah sabia que era muito poderosa, mas quanto? Sua instabilidade a afetava de diversas maneiras, não, muito perigoso. O trabalho dos bloqueadores era todo posto em manter a ordem nos campos, impedindo civis de se machucarem, soldados de se iludirem, pessoas de morrerem. Os mais importantes, os mais nobres, os melhores.

Zahrah não é nada além de uma desequilibrada.

E então, restam os curandeiros. Gostaria de ser uma, essas ganhavam uma marca de porção e, junto, o direito de salvar vidas. Sua mãe deveria ser uma no passado, porque relembrava da infância, quando ralava os joelhos e logo que a contava, em um estralar de dedos, eles já estavam completamente sem cor ― e a criança livre para correr pelos campos novamente, deixando a pele negra se igualar com a terra e os cabelos com o vento.

Gostaria de ser uma, gostaria de trazer orgulho, mostrar para todos que conseguiu, só não podia. Não se enquadrava nessa categoria, não se enquadrava em nenhuma delas.

E sua mãe sabia o porquê ― provavelmente, por esse motivo que a fazia prometer, todas as noites, que não iria se esforçar mais do que o necessário ―, embora nunca tivesse falado. Helena gostava de guardar segredos, a filha via os tons de cinza se modificarem quando a própria ia à público, a energia que parecia sugar e a facilidade com a qual lidava com a situação.

Zahrah sabia que sua mãe não era uma simples cidadã de uma cidade interiorana, só temia descobrir a verdade por trás daquele jogo de faz de conta.

Vez ou outra, Enrique ― se é que esse era seu real nome ― as visitavam. Um velho amigo com muitos contatos, sua mãe costumava o definir. Depois, ambos começavam uma longa discursão sobre o futuro da garota que não tinha poder de voz nenhum. Depois de anos de briga, foi uma surpresa para ambas quando Enrique acatou seu desejo e a disse que iria entregar uma marca de impessoalidade, ou, como todos os outros encaravam, algo que o definiria como inútil demais para servir a guarda, mas ainda podendo manter os poderes e viver como qualquer outro. Desde então, ser invisível foi sua missão pessoal ―sempre se mantendo nas escolas mais desagradáveis, treinando a margem do reino, na floresta que ninguém se atrevia a chegar perto. Sempre fugindo: das sombras, do seu reflexo, do preto e branco, dos outros, de tudo.

Ainda guardava o sonho de ganhar uma marca de cura, talvez, se falasse direitinho, eles poderiam a permitir ficar na província, cuidando das crianças no posto de medicina local. É claro, aquilo era apenas um sonho de infância, algo em seu peito a alertava que não era o tipo de pessoa que ganhava algo.

Não era tipo de pessoa nenhum.

E se notassem que ela estava no lugar errado?

O temor do seu futuro a fez assentir quando Enrique a passou as instruções de como agir no dia do seu teste final, meses antes do próprio ocorrer, não queria ser uma mera vendedora de frutas, mas se fosse essa a decisão que orgulharia sua mãe, faria.

Zahrah não era uma má filha.

E se era aquele o desejo de sua mãe, acataria.

Porque era esse o futuro reservado a ela ― a elas.

*

A floresta amaldiçoada por todos não a afligia, pelo contrário, as vezes pensava que compartilhava da mesma maldição. Por isso, deixava que seus pés alisassem a terra, as mãos acariciassem o ar e seus dedos juntassem a magia existente no local com todo o conforto que não recebia no exterior daquele lugar. A floresta era diferente, conflitante, instável: tal qual Zahrah.

O que na teoria deveria ser apenas um feitiço de cura simples, se tornou um imenso sugar que engoliu qualquer possibilidade de sucesso e se implodiu pouco tempo depois, elevando poeira e tosse, deixando os conflitos rodando a garota.

Só precisava não fracassar tanto.

E, até nisso, fracassava.

― Luri ― tossiu, espanando o ar e tentando abrir os olhos. A magia cinza apagou um pouco da poeira, mas foi dita de maneira tão fraca, que não seria útil de toda forma.

Bem, pelo menos não explodi nada, debochou da própria situação.

Era a terceira vez que tentava aquele feitiço.

Todos da sua classe tinham conseguido, porém, continuava fracassando. Não um fracasso aceitável, não o tipo de fracasso que as pessoas olhariam e revirariam os olhos, mas sim o que faria com que cortassem seu pulso no mesmo instante, mas evitar que mais pessoas se machucassem. Zahrah era imune aos seus poderes ― não importava o que fizesse, sempre sentia a magia a transpassar, como se fosse pó ―, mas apenas ela. Os outros?

Não queria pensar no que aconteceria se não fosse capaz de se controlar no teste.

Vez por outro, pensava em cortar o próprio pulso, deixar que sua alma mágica voasse até os céus e repousassem ao lado de Celes, sua deusa. Quem sabe, se sua magia não existisse, ela não teria que fazer uma prova do tipo e ninguém se machucaria ― mas Enrique havia a prometido que tudo ficaria bem se fizesse o que foi combinado, relembrando-a sempre o que acontecia com os que sobreviviam sem magia naquele lugar: viravam meros escravos da corte, destinados a morrerem, nos campos ou nas ruas, por armas ou pelo frio.

Sem magia, sem vida, sem existência ― só pulso e batimento cardíaco.

Balançou a cabeça, tentando fingir que nada daquilo havia chegado ao seu juízo, precisava voltar a treinar, precisava acertar, precisava... precisava... o que precisava?

Não se importava, não mais. Tudo que importava era não deixar saberem que era uma farsa, uma bomba. Por ela, por sua mãe, pelas cores que ainda enxergava enquanto dormia.

Pela sua capacidade de ainda sentir.

Quando recitou o próximo feitiço ― o de bloqueio, que, aliás, era o segundo em sua lista ― e seu corpo foi arremessado muito além do esperado, Zahrah teve a impressão de ter sua pele carbonizada pelo calor do sol e pelas chamas que incendiaram aquela parte da floresta, por alguns segundos, viu algo se formar, um pequeno escudo imergiu do meio da explosão e foi nele que se segurou para se proteger, até o mesmo desaparecer e a garota ter a impressão de que estava errada o tempo todo: seus poderes poderiam a afetar.

Nem tudo era pó, afinal.

Tentou levantar, infelizmente, logo percebeu que um pedaço do que era uma árvore ia contra sua perna, impedindo-a de andar. Maldição, balbuciou irritada. O seu pulso agora abria em leves cortes, semelhantes aos feitos em faca, a falta de uma marca era aterrorizante ― enquanto estudante, não tinha o direito de ter uma. Na verdade, era comum que estudantes usassem fitas azuis em seus pulsos para determinar que não estavam aptos a usar magia avançada, mas a garota sempre teve dificuldade em determinar qual era a fita azul e, naquela manhã específica, sua mãe não estava acordada para lhe apontar.

De todo modo, agora seu pulso ardia. Ardia e sangrava, como se tivesse se aberto em meio a quantidade de magia ― quando pequena, pensava se era tão fraca a ponto de isso acontecer com tanta facilidade, hoje, crescida, percebia que não. Justamente o contrário.

Algo em Zahrah era um erro: seu poder mágico era um desses.

Concentrou-se novamente, sem poder mexer o pé, contava apenas com a mão para recitar uma magia simples que a tornaria livre para andar novamente ― e explodir o pedaço de madeira que a prendia, de toda forma ―, levantou a mão e encostou os dois dedos longos, enquanto com a outra se apoiava para tentar manter um ângulo de 90°, mesmo que isso fosse impossível.

Sansêl buo'qu, recitou um feitiço de classe de confronte. Um pouco menor do que o que ela teria que apresentar ― mas não queria correr o risco de explodir a própria perna.

Nada ocorreu.

Isso era ruim, muito ruim. Algo estava a bloqueando e, se algo estava a bloqueando, algo também a estava vigiando.

E quando a figura desconhecida surgiu como sombra em sua frente, a jovem maga foi obrigada a apagar todos seus pensamentos negativos e fazer dos braços um X, mesmo que, para isso, seu corpo tivesse que cair no chão. Repetiu as palavras como mantra, ignorando o nervosismo, os cortes no pulso, apenas repetiu. De novo, de novo, nada.

A figura não sumiu, pelo contrário, ganhou mais traços. A boca grande com dentes afiados, os olhos vazios e os braços longos, uma mistura exótica de homem e abstrato. Quando as orelhas surgiram, junto das garras afiadas, Zahrah sentiu o corpo se contrair e rezou para ser, realmente, pó. O inimigo a olhou, quase como se fosse um lobo e ela a ovelha, a garota respirou fundo, elevando os braços e preparando-se para gritar novamente.

Tudo ou nada.

Vida ou morte.

Só que não foi sua voz que cortou o ar.

― Buokke'ru. ― Não foi ao menos o seu tom, ou os movimentos de sua boca, no fim, não havia sido ela. Pelo contrário, a sua frente, existia um rapaz, murmurando palavras que Zahrah nunca havia ouvido em sua escola e paralisando totalmente o que era seu inimigo. ― Deanu. ― E estralou os dedos, fazendo-o desaparecer por completo, quase como se não fosse mágica, sim milagre.

Uma faixa cobria seu pulso, não podia enxergar a cor, mas algo a disse que não era azul.

Quando a figura desapareceu, a pessoa ― um rapaz ― permaneceu parado a sua frente, provavelmente massageando as têmporas e pensando no que era aquilo. Bem, a jovem estava tão perdida quanto ele, sabia que provavelmente foi uma criação de seus atos, mas nunca tinha visto algo como isso ocorrer.

E quando falava isso, não se referia ao monstro. Não. Foi a forma como o rapaz estralou os dedos e levantou as mãos, confortavelmente, sem dança, cerimônia ou movimentos elegantes. O máximo que tinha feito era uma virada de cabeça e uma leve elevação dessa, que Zahrah desconfiou ter sido feito mais para chamar atenção ― e então, ele havia fechado o punho, murmurado aquela estranha palavra, e todo o inimigo desapareceu em pó.

Claro, havia sido trabalho mágico, mas as palavras ainda soavam complicadas e não pareciam fazer parte de uma classe especifica ― ele deveria esconder o pulso por uma razão, afinal ―, o primeiro havia sido claramente um bloqueio, enquanto o segundo algo relacionado a destruição, e seria normal se fossem de classes baixas.

Só que não eram, a garota leu todos os livros disponíveis no acervo de sua escola, estudou toda a magia que encontrou nos últimos anos, pronunciou todas as palavras fortes que conhecia nos últimos segundos, nada havia parado o erro de criação que ela mesma havia criado, então, um desconhecido tinha sido capaz de fazer isso sem ao menos demonstrar cansaço. Olhou ao pedaço de madeira, ainda segurando seu pé. Precisava correr, fugir, seja quem for aquela pessoa, algo a dava a impressão de que seria morta em instantes.

Ninguém salvava ninguém por nada.

Helena, sua mãe, sempre a disse para fugir da atenção, evitar feitiços em públicos e que se escondesse da visão dos outros, prometendo que um dia entenderia. Ainda não havia entendido, mas quando o rapaz de cabelo desgrenhado se virou para si e, em um levantar de mãos, jogou o pedaço de árvore que a prendia longe, Zahrah desejou ter escutado mais os conselhos.

Tentou fugir, mas seu pulso fraquejou e, tudo que ganhou, foi uma queda.

― Deixe-me ver. ― O desconhecido falou, a voz o denunciava não ser daqueles ares, era de seu feitio imaginar a cor das coisas, mas quando o olhou, a simples visão do preto e do branco pareceram suficiente. ― Vamos, deixe-me ver ― pediu, dessa vez, se aproximando ainda mais.

O tom era claro e suave, o 'x' soava quase como 'rr' e o final estava puxado, sentiu vontade de rir, embora não fosse o momento. Não existia o chiado tradicional da sua área e a forma como empregava o pronome a deu o sentimento de que poderia ser da capital, lugar em que eles se importavam mais com gramática. Além disso, a nostalgia de já ter ouvido aquilo em algum lugar a atingiu ― Enrique? A própria Helena? Quem mais tinha esse 'rr'?

Foi por instinto que afastou seu pulso quando o rapaz tentou tocá-lo, o que o fez a olhar com descrença. Acabei de salvar sua vida, pare com isso, podia quase escutá-lo criticar. Acabou por permitir, em pequenos toques, as aberturas se fecharam, sentiu a magia retornar ao seu corpo.

Aquilo era claramente uma obra de um curandeiro.

Mesmo que sem palavras, sem gestos, mesmo que feita apenas com um piscar de olhos e alguns toques. Sentiu que estava pronta para fugir ― seu pulso não mais doía e seu pé estava livre ― mas a anormalidade daquela pessoa a chamava atenção.

Talvez ele tenha percebido a forma como era observado, pois fez um movimento com os ombros, suspirando em seguida ― estava cansado?

Foi quando percebeu que seu pé não a incomodava.

Não havia sido magia de cura.

Havia sido magia de troca.

Ele havia entregue resistência a ela, poder. Magia de troca. Não era algo comum, curandeiros maiores faziam isso ― em caso de guerra, era normal que soldados menores entregassem a vida para que soldados mais bem capacitados permanecessem com resistência para lutar ―, mas aquilo exigia técnica e ele já havia demonstrado ter em duas das três áreas.

Como possuía em três das três?

Não perguntou, também não obteve resposta. Apenas fitou a pele meramente cinza e observou o que escondia por trás do tecido de seu pulso, algo a disse que não existia marca naquele lugar, apesar dele ter claramente idade e poder para ter uma. Deu alguns passos para trás, esticando as mãos, a mensagem de dúvida.

Ninguém, fora estudantes, deveria ter pulsos vazios em Cyane.

― Ei, o que diabos pensa que está fazendo? ― E ele pronunciou o i com um sol de 'ê', deixando-a atônica.

― Quem é você?! ― gritou.

Ele balançou a cabeça incrédulo, lançando um sorriso divertido, poucos segundos se passaram até que sua boca se abrisse e pronunciasse da maneira mais suave que seu sotaque permitia: seu dono.

Por alguns segundos, quis matá-lo pela piada, até se lembrar das antigas escrituras. As leis de Cyane eram injustas, usadas de má fé para o benefício dos mais ricos, uma delas, dizia: "Aquele que salva a vida de outro, recebe deste uma dívida eterna". Uma desculpa pobre para que a monarquia levasse inocentes para a morte em campos de batalhas.

Apenas.

Não existiam exceções à regra. Obviamente, a moral impedia algumas coisas ― e as outras leis tentavam diminuir os casos de escravidão e estupros ―, porém, não tinha como confiar em alguém na floresta da maldição. Ninguém de bom senso costumava aparecer por aquelas bandas, a própria Zahrah não se considerava uma pessoa muito confiável. O nome popular do recinto era o suficiente para entender o porquê de não se esperar boa coisa daquele lugar que por algum tempo lhe pareceu tão encantador.

― Eu não vou servir a você, pode levar o caso a quem quiser! ― E juntou as mãos, prestes a atacar.

O desconhecido apenas parou e fez sinal com os dedos para que tentasse, a garota pensou se valia a pena. O sorriso de deboche a incentivou a concentrar e enviar uma leve bola de brilho, que se esgotou com uma única palavra, um único feitiço de bloqueio. O olhar dele deixava claro a situação: era mais forte.

Preparou-se para correr. Não iria morrer, não iria ser pega, não iria ser vista. Não iria decepcionar a mãe.

Não iria ser uma marionete da realeza.

― Eu não quero que me sirva ― interrompeu, ao reparar na posição dos pés da garota ―, por favor, não tens senso de humor?

Passou um tempo observando o estranho.

Não vestia roupas muito exageradas, apenas casaco surrado, uma calça qualquer e uma blusa. O pulso era escondido, o que a entregava dúvidas sobre sua procedência ou especialidade, afinal, todos ganham uma marca aos dezessete. O que teria ocorrido com ele para que não ganhasse a sua? ― Ele havia encontrado uma forma de trapacear no teste? Poderia ensiná-la?

Ou talvez... ele fizesse parte da revolução? Nunca tinha se encontrado com alguém do tipo e tudo que sabia se resumia a boatos e conversas da sua mãe com Enrique. Aparentemente, a revolução era um movimento de cunho antimonárquico que insistia que as marcas eram frutos de uma crueldade para categorizar os seus cidadãos. Bem, Zahrah concordava com a crueldade ― em seus pesadelos, enxergava o ferro quente carbonizando sua pele, como era feito em toda cerimônia de marcas ―, porém nunca se afogou muito no assunto. A superfície sempre pareceu mais segura para os que não sabiam nadar.

Voltou a tradição, não estava na hora de devagar em pensamentos. Além disso, todos possuíam marcas ― não deveria doer tanto, até mesmo sua mãe possuía a dela, embora costumasse ocultar a maioria do tempo ―, todos não. Aquele rapaz a sua frente não possuía uma.

― O que você quer, então?

Era a lei.

Todos tinham que pedir algo.

Não importava o quê.

Uma dívida eterna.

Ela odiava dívidas.

E odiava a ideia de estar presa a um desconhecido sem marca e com um poder de magia extraordinário, apesar de sem precedentes.

― Hum... ― parou o rapaz, encostando a ponta do indicador na boca, enquanto com a outra mão girava e deixava fagulhas escaparem.

A garota sabia que ele estava se amostrando. Mas será que ele sabia que a jovem não era capaz de enxergar a cor da energia que emanava? Que tudo que via era brilho cinza e só?

Ou que estava reparando como sua respiração já estava mais desregular.

― Apenas fale logo.

― Não me apresse, acabei de salvar sua vida, deixe-me pensar! ― A maga teve que segurar o riso pelo sotaque, agora que pensava, realmente, a lembrava de Enrique quando estava bravo. ― Relaxe, não quero nada... por enquanto. Estou lidando com esses seres há quase uns mês, no começo, achei que essa floresta estivesse me expulsando, contudo, aparentemente, você que é a criadora desse problema. ― Seu tom se tornou rápido, cansativo, pensou que talvez algo o estivesse incomodando. ― Então, obrigado pelo treinamento, mas eu o recuso.

Criação... não acreditava ser capaz de criar uma coisa daquela. Na verdade, nunca tinha visto um daqueles naquele lugar.

― Escute, eu... ― Algo a impediu de terminar a frase, pela forma como ele esticou a mão em sua direção, supôs que fosse mais uma das suas brincadeiras de bloqueio.

― Estão vindo ― murmurou, em um tom quase tão invisível que Zahrah teve dificuldades em saber se vinha dele ou de sua mente. A forma como olhava para os lados deixava claro o pânico. ― Desculpe-me.

E seu corpo tremeu, deixando para trás toda luz que seus olhos enxergavam. Se em um segundo estava na floresta da maldição, no outro estava no espaço. Quando abriu os olhos, finalmente, em casa. Sua mãe a apertou com forma, murmurando coisas enquanto chorava como se tivesse quase a perdido para sempre, não se importou.

O olhar do garoto ainda a roubava a concentração.

Desculpe-me, havia dito. Foi por conta de sua magia que desmaiou? Era capaz disso?

― Zahrah! Zahrah! ― Sua mãe gritou, tirando-a do transe. ― Graças a Deus, eu achei que... ― E a abraçou de novo, ainda assustava. Retribuiu o abraço, eu estou bem, murmurou, sem ser capaz de compreender a situação atual. ― Os guardas te trouxeram aqui, falaram que te encontraram além da floresta... Zahrah, eu... eu fiquei tão preocupada, minha filha. Achei que tivessem te descoberto, que eu tivesse te perdido.

O abraço da mãe era caloroso, reconfortante. Os olhos cheios de medo e os lábios bem desenhados pareciam inchados de tanto chorar. Achei que tivessem te descoberto, o quê? Pensou. Não teve coragem de perguntar, apenas a abraçou de volta, como se fosse o certo a se fazer

A ignorância é uma benção.

Me desculpe, murmurou a mãe. A mesma coisa que um rapaz estranho havia lhe dito tempos antes, mas em vez do apagão, enxergou o olhar aflito e as mãos encostadas nos seus ombros, a tremedeira revelava a ansiedade, o medo, quando foi a última vez que sua mãe teve medo?

Nunca. Helena não tinha medo. Helena era forte, era estável, Helena não tinha motivos para temer. Mesmo assim, voltou a segurar a filha com força, como quem a impedisse de sair.

― Eu achei que tivesse perdido você... O que aconteceu, Zahrah? ― E seus olhos imploraram a verdade.

Ela quis entregar a verdade.

Mas esta não saiu.

― Eu estava treinando e... não lembro. Me desculpa... eu só...

Não saiu de forma alguma. Por isso, foi sua vez de abraçar e chorar. Porque, agora, longe da floresta, ela também tinha medo de ter se perdido.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
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