Telma na Luta escrita por ArnaldoBBMarques


Capítulo 16
Santo de casa




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— Está meio triste, Telma?

Pensativa, Telma recebeu de surpresa a observação de tia Vitória naquela manhã após o café. Antes que pudesse responder qualquer coisa, a tia concluiu:

— Já sei, é muito estudo! Faculdade é assim mesmo. Você estuda, faz estágio e ainda tem que fazer esses acompanhamentos em outra cidade, precisa se distrair de vez em quando!

Telma sorriu, assentindo. Sabia que a tristeza tinha origem na falta que sentia de Ronaldo, mas procurava desviar o pensamento. A tia tinha razão, ela precisava se distrair mais. De qualquer modo, tinha um convite para uma festa do pessoal da faculdade aquela noite.

O som estava bom, mas Telma não estava animada. Ficou sentada ali escutando um fiapo da música que tinha a ver com seu estado de espírito naquele momento.

 - Aí Telma, está cheio de homem bonito, vai lá!

Telma sorriu, apenas para agradecer o convite educado. Conversou com um colega, depois com outro, mas a verdade era que já não via graça naqueles relacionamentos superficiais que se esgotavam após uma troca de beijinhos ao som da música. As colegas ainda estavam naquela fase, mas Telma queria coisa mais importante. Voltou a sentar-se a fim de relaxar curtindo o som e deixar correr os pensamentos. Repassou mentalmente diversos conselhos de dona Graça na igreja. Concluiu que devia aproveitar aquela fase para concentrar-se no estudo, no trabalho e nos problemas caseiros, que começavam a preocupa-la. No dia seguinte pegou o ônibus, a fim de cumprir a missão de acompanhar o caso de Carol, e já não pensava em Ronaldo.

— Estou fazendo como você mandou! - Informou dona Mariângela - Tem que vir da escola direto para casa, tem hora para estudar e para fazer o serviço.

— E na escola, como está indo?

— Começou um pouco fraca, porque estava muito despreparada, mas eu fiquei em cima para ela estudar, e esse mês as notas já vieram melhor.

— Não descuida da disciplina! Mas se ela já melhorou, a senhora pode soltar mais um pouco.

Em seguida foi encontrar Carol, e ficou satisfeita ao vê-la ocupada na faxina diária, conforme a obrigação.

— Com saudades de casa, Carol?

A adolescente sorriu meio acanhada, certamente sem querer admitir a saudade, mas não parecia triste. Telma lhe fez mais algumas perguntas, e terminou soltando a boa notícia:

— Eu falei para a sua madrinha deixar você ir na festa esse sábado! Ela falou que deixa.

Carol abriu uma expressão alegre. Telma perguntou:

— Vai ter gatinho lá?

— Ah vai...

Falou ainda com os filhos de dona Mariângela, e conferiu satisfeita que a diferença que era importante marcar estava sendo estabelecida apropriadamente. Tudo corria conforme ela planejara, e foi com orgulho que ela apresentou o relatório à supervisora no dia seguinte. Ainda estava feliz enquanto caminhava de volta para a casa, mas sentiu o banho de água fria ao cruzar com Caio quase na porta. O garoto acenou para ela meio sem jeito, e tratou de despedir-se. Telma tinha certeza que ele havia estado com Carla em casa, apesar dela estar proibida de receber visitas quando não houvesse um adulto em casa, e com certeza Vitinho não estava cumprindo a missão de vigiar a prima. Fingindo não saber de nada, Telma pensou no que ia fazer. Assim que viu o celular de Vitinho dando mole, foi em cima. Não tardou a descobrir uma conversa dele com um colega.

Vit: kkk tow me dando bem com a minha prima

Mauro: conta mais

Vit: ela prometeu q se eu ñ falasse ela ia ficar o dia sem calcinha kkk

Mauro: vc viu a buça dela?

Vit: ah ela é sem vergonha ela fica se desviando p/ eu não ver

Mauro: kkk manda uma foto

Então era o que ela desconfiava, Carla mais uma vez estava se valendo de seu corpo para obter o que queria. Lembrando mais uma vez das palavras de dona Graça, a prostituição não se fazia apenas com dinheiro, mas sempre com o vilipêndio do corpo. Telma ficou irritada. Pensou no contraste: o caso de Carol que ela acompanhava pelo estágio ia tão bem, mas o caso de Carla, na própria casa onde ela estava morando, saía-lhe do controle de uma maneira tão estúpida! Era inevitável lembrar do velho ditado: santo de casa não faz milagre. Procurou acalmar-se e colocar os pensamentos em ordem. Tinha a vantagem do espião: estava de posse das informações sem que os dois tivessem ciência disto. Aproximou-se de Vitinho, e falou como quem não quer nada:

— Mas me conta, garoto, andei sabendo que a sua prima está te dando mole!

O moleque sorriu, malicioso, e respondeu:

— Eu gosto de ver ela pelada!

— Mas ela não anda pelada...

— É... mas eu queria que ela estivesse.

— É pecado, garoto!

— É pecado? Então por que quando ela apanha, ela fica pelada?

Telma manteve o sorriso e procurou disfarçar a irritação. O moleque era esperto mesmo, para falar com ele era preciso escolher bem as palavras, ou ainda ia se atrapalhar. Pensou rápido e respondeu:

— É porque ela não estava respeitando o próprio corpo, com as coisas que ela fazia. Então, quem não se respeita, não pode exigir que os outros respeitem, né? Pensa bem: se você vende barato uma coisa, como é que você quer que aquela coisa tenha valor?

Vitinho ficou pensativo, e Telma teve a impressão de haver marcado um gol. A indireta fora bem oportuna. O moleque estava com os hormônios aflorando, e não adiantava ir contra a natureza. Lembrando mais uma vez das conversas de dona Graça na igreja, era preciso aprender a usar as forças da natureza em seu proveito, como se faz com uma cachoeira transformada em represa. A ideia surgiu, e Telma olhou bem nos olhos de Vitinho:

— Vamos combinar uma coisa? Se você descobrir uma coisa errada que a sua prima esteja fazendo, e ela for apanhar, você vai ter o direito de assistir!

O rosto do garoto de iluminou.

— Sério?

— Sério.

Telma pensou consigo, esse santo de casa ainda vai fazer milagre.


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