Lobos escrita por Lillac


Capítulo 1
Capítulo único.


Notas iniciais do capítulo

Essa história é mais uma análise sobre os personagens, do ponto de vista de uma personagem. Eu queria incluir a Hazel também, mas o foco da história é nos semideuses que foram treinados pela Lupa.
Porque eu gosto dos personagens romanos e não encontro muitas fics em torno deles.
Espero que gostem.



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Romanos são lobos.

Jason.

Annabeth havia percebido aquilo muito antes de Jason lhe explicar sobre o Acampamento Júpiter, antes de Piper e Leo lhe contarem sobre Lupa e sobre a Casa dos Lobos.

Porque Jason era, de um jeito ou de outro, romano, e, portanto, um lobo.

Mas era difícil de perceber, porque Jason era todo sorrisos e abraços, e cumprimentos gentis e educados. Ele tratava todos os campistas, dos mais velhos aos mais novos, do mesmo modo, com igual cordialidade e companheirismo.

E Annabeth era obrigada a comprimir os lábios e fingir não perceber quando o filho de Júpiter se sentava ao lado de Piper no sofá e o torso dele automaticamente se inclinava, como se fosse uma espécie de instinto natural — como ele passava um braço pelo encosto do sofá, não pelos ombros dela.

Como Jason, quase literalmente, criava uma muralha em torno de Piper.

E ela também fingia não perceber quando os olhos de Jason viajavam pela sala da Casa Grande, írises quase tão rápidas com os raios com as quais eram tão comumente comparadas. Como Jason vasculhava cada canto, de cada lugar, e, como mesmo após certificar-se de estar seguro, a postura dele nunca relaxava — e, no começo, Annabeth achava que isso era porque Jason era um guerreiro, e guerreiros não abaixam a guarda.

Mas, quando ela empurra aberta a porta do bunker do Leo sem pedir permissão antes — porque eles já estão trabalhando juntos a tanto tempo que parece apenas natural —, e encontra Jason recostado contra uma das paredes, aparentemente apenas observando o amigo trabalhando, e os olhos dele voam para ela tão rápido, Annabeth quase não escuta a voz amigável de Leo a cumprimentando ao fundo.

O olhar de Jason não é uma corrente elétrica, como o de Thalia. Não. O que a faz sentir calafrios por todo o corpo e parar por um segundo no vão da porta, hesitante (o que faz Leo lhe perguntar se está tudo bem), não são pequenos volts de eletricidade.

O olhar de Jason é mais como um tornado, girando bem em frente a ela e puxando todo o ar para si, deixando confusa e sem fôlego. Nesse dia, ela aprende que Jason Grace não gosta de ser pego de surpresa — porque ele a observa por um único e tenso segundo, o ar em torno dela subitamente tão frio quando uma noite de inverno, antes de relaxar o punho fechado, veias saltando sob a pele, e ele calma, lentamente devolve a moeda que estava segurando para o bolso.

Eles não falam sobre isso.

Mas Jason sabe que ela percebeu.

E Annabeth não sabe bem o que fazer com essa informação.

Quando ela termina o que tinha para fazer com Leo e começa a ir embora, Jason ainda está observando-a. Ele a fita enquanto ela junta suas coisas e, por fim, vai embora, olhar nunca revelando nada além de completa indiferença.

Quando ela finalmente está do lado de fora, respirando o ar puro do Acampamento Meio-Sangue e fora do campo de visão de Jason Grace, Annabeth respira fundo. Ela não está com medo.

Mas Annabeth não é nenhuma tola.

Enquanto caminha de volta para o Chalé de Atena, ela só consegue pensar no pouco que sabe sobre lobos.

Eles andam em matilhas, ela pensa. E eles matam pela matilha.

Jason Grace era um lobo. Piper McLean e Leo Valdez eram sua nova matilha. E não pareceria que hesitaria se precisasse caçar.

 

Frank.

Frank é um lobo — literalmente falando.

Claro, ele pode se transformar em um lobo. Alguma benção ou maldição milenar sobre a sua família (a esse ponto, honestamente, Annabeth não sabe mais diferenciar entre os dois). Então é claro que ele pode se transformar em lobo. E ele parece gostar disso, até. Mais tarde, quando Annabeth descobre sobre a jornada dos semideuses romanos, ela aprende sobre Lupa, e sobre a Casa dos Lobos, e não pode evitar pensar, com um sorriso um tanto emocional, que talvez Frank goste de sua forma lupina porque isso o lembra da deusa, e do que um dia foi certamente sua casa, antes do Acampamento Júpiter.

E então, ela o vê em batalha, um lobo massivo de pelagem escura, que salta no ar e finca as presas brancas como mármore na carne do pescoço de uma dracae, e pela primeira vez na vida, Annabeth agradece aos deuses pelos monstros não terem sangue, porque ela não sabia como iria lidar com a visão da garganta de um sendo arrancada.

A dracae se dissolve em pó e Frank retorna ao chão, rapidamente voltando a sua forma humana. Ele não faz mais do que uma careta, limpando a boca com a costa da mão, antes de pescar uma flecha da alijava e voltar a combater.

O monstro que Annabeth está enfrentando a acerta no joelho, e ela é obrigada a focalizar em salvar a própria vida.

Mas nada consegue tirar de sua mente os assustadores olhos escuros do enorme lobo, as presas cravando-se na pele o modo automático, sutil, com a qual ele movera o pescoço e desmembrara o monstro.

E quando a luta acaba e eles retornam, enfim, ao Argo II Frank se oferece para ajudá-la com o plano para quando pousarem de novo — e ele também traz uma xícara de chocolate quente o que é, tipo, muito legal da parte dele.

Na cabine (acompanhados por Piper, porque Buford, a mesa, não a deixa sozinha com Frank, mesmo Frank sendo, bem... Frank) ele se inclina na cadeira e a escuta com atenção, memorizando cada passo, e Annabeth pensa em como ele deve raciocinar no campo de batalha, como aquela mente tão generosa e educada pode mudar completamente de modo a permitir que ele arranque a garganta de um monstro com a própria mandíbula.

Annabeth pisca, confusa. Frank ainda a está observando.

Com uma sensação ruim, ela é lembrada que Frank também é um lobo.

E lobos podem ser unidos e organizados, mas eles não são conhecidos por serem misericordiosos.

Ela diz a si mesma que precisa lembrar-se disso da próxima vez que olhar para as írises escuras e bondosas de Frank e pensar que ele é apenas um garotinho prestativo e educado.

Porque Frank é um lobo, e os lobos não se afastam muito da matilha.

Reyna.

Annabeth achava que Reyna era fácil de interpretar.

Deuses, como estava errada.

No começo, até é. Reyna é uma líder (certo), solitária (certo), e acostumada a ter mais responsabilidades sobre os ombros do que deveria ser capaz de suportar (certo). Nada que Annabeth não conheça por experiência própria.

As duas líderes e atormentadas pelo fardo. Annabeth acha que elas vão se dar bem (mesmo depois de Leo explodir metade do acampamento dela), porque ela consegue ver nos olhos de Reyna o mesmo que vê nos próprios, no espelho. Reyna não é uma guerreira militar sanguinária que teria prazer em marchar sobre um Acampamento cheio de outros semideuses apenas para atestar a glória romana.

E ela está certa até aí.

O que ela não compreende, no entanto, é que as semelhanças delas encontram um fim prematuro.

Quando Reyna surge, coberta de sangue e fuligem e mais fantasmas sob o seu nome, logo depois de Annabeth e Percy finalmente verem a luz do sol novamente pelo que parece a primeira vez em uma eternidade, ela fica feliz em vê-la. Tudo no que ela consegue pensar é que Connor recebeu sua mensagem, e Rachel conseguiu convencê-la.

É apenas parcialmente verdade.

Reyna está ali, sim, e ela recebeu a mensagem de Rachel. Cruzou metade do mundo em um Pégaso para estar ali.

Mas Reyna não está fazendo isso porque elas são parecidas. Reyna não está fazendo isso porque ela se compadeceu do Acampamento Meio-Sangue, ou porque a curta conversa delas no Jardim de Baco subitamente as transformou em melhores amigas.

Reyna está fazendo aquilo porque é o melhor para Roma. Ela sabe que uma guerra só os enfraqueceria, e que dizimar o acampamento deles seria uma vitória amarga e de pouca glória.

Está fazendo aquilo porque é uma pretora — Annabeth, seus amigos, e seu Acampamento grego são apenas efeito colateral.

Ela lembra-se vagamente de algo que leu sobre matilhas de lobos, muitos anos atrás: os mais velhos e debilitados da matilha vão na frente, de modo que os mais fortes e saudáveis possam protege-los, caso algum outro animal os ameace por trás.

 É um pouco antes dela, Nico e treinador Hedge precisarem partir com a estátua da mãe de Annabeth. Reyna está simplesmente sentada com o sátiro e o outro semideus, discutindo a melhor rota.

Ela não os chama, nem os olha, ou sequer lhes diz algo.

E, mesmo assim, Jason, Hazel e Frank vão até ela. Reyna pede licença dos outros dois e põe-se de pé. Ela é consideravelmente mais baixa que Frank, e um pouco que Jason, e, mesmo assim, os dois rapazes falam com ela com as cabeças um pouco inclinadas.

Annabeth quer pensar que é por causa de todo o sangue e ferimentos expostos, que Reyna simplesmente parece mais selvagem daquele modo, deixando-os hesitantes, mas não é isso. Os três simplesmente a olham de uma maneira diferente — de uma maneira que os semideuses gregos jamais olhariam para ela.

Os gregos esperam que Annabeth os direcione — os guie. Os diga o melhor caminho, a melhor decisão.

Os romanos esperam que Reyna ordene.

Mesmo Jason, o mais próximo de Reyna, não fica muito perto dela. Eles são amigos, mas Jason não arrisca invadir o espaço da pretora, não arrisca encurralá-la. E Frank e Hazel simplesmente a observam com admiração silenciosa.

A conversa deles é breve, curta, e os três se espalham depois, Jason indo até Leo e os outros dois distanciando-se um pouco. Reyna retorna até onde estava com Hedge e Nico, e parece que a conversa nunca aconteceu.

Mas Annabeth percebe.

Quando eles se preparam para partir, Reyna a abraça por um momento e diz:

— Vai dar tudo certo.

Aos outros, soa como uma promessa.

Mas Annabeth escuta o que há por trás da escolha de palavras, da entonação, do olhar: vai dar tudo certo. Eu farei com que tudo dê certo.

E ela é subitamente lembrada do breve encontro com a pretora em Charleston, antes de encontrar a Marca de Atena, antes de cair com Percy no inferno.

Reyna a havia deixado ir embora sem uma luta quando Annabeth lhe dissera que procuraria a marca da deusa. Na hora, Annabeth percebera de cara que Reyna não queria estar fazendo aquilo, que ela não desejava uma guerra.

No entanto, quando ela acenou cordialmente para os demais semideuses enquanto Nico ajeitava as alças amarradas à Atena Paternos, a voz da garota rimbombou em sua cabeça.

Vou leva-la de volta a Nova Roma para ser julgada. Você será executada de forma dolorosa.

Alguém deve pagar pelo que aconteceu, que seja você. É a melhor opção.

Reyna não queria ser cruel.

Mas se a crueldade era o necessário para salvar Roma, se manteria seu Acampamento salvo e evitaria uma guerra, então Reyna não se importaria em arrastar uma semideusa inocente para ser executada.

Nico acenou, e eles desapareceram nas sombras.

E Annabeth ficou ali por algum tempo, mastigando as palavras.

Reyna não era só uma loba.

Reyna era a Alfa — ela não só andava atrás da matilha para que os outros avançassem em segurança.

Ela também arrancava a cabeça de outros lobos para manter os dela a salvo.

 

[...]

A batalha contra Gaia havia terminado, mas Annabeth ainda se lembrava de alguns detalhes. Como, por exemplo, Frank, que não era um lobo, mas um urso. Um urso que acabara de esmagar dois centauros com patas enormes em seus lombos. Dele cravando a bocarra aberta no ombro de outro monstro. Balançando a cabeça e voltando a forma humana. E Annabeth sabia que ele preferia flechas, mas viu-o agarrando  uma espada caída e cravando-a diretamente no olho de um ciclope adulto que havia avançado nele, fazendo a ponta reaparecer do outro lado. Depois, girando e atravessou duas dracai de uma vez só.

Tudo depois disso foi um borrão. Frank era como uma máquina de destruição em massa, retalhando exércitos inteiros de monstros sozinho, girando e golpeando como se seus músculos tivessem consciência. Em determinado momento, quando um monstro o havia despido de sua arma, ele simplesmente golpeou no torso, arremessou-o por cima do ombro e esmagou a cabeça dele contra o chão como se fosse uma latinha de refrigerante.

Hazel passara correndo por Annabeth, mas era difícil vê-la quando estava montada em Arion. Ela circundou um grupo de monstros até estarem acuados uns contra os outros e ergueu o gládio. Arion relinchou.

Annabeth pensou ver os olhos da garota brilhando por baixo do elmo antes dela avançar.

Eles eram todos semideuses, todos frutos do Olimpo, e destinados a viver o mesmo destino mísero, mas era... difícil se acostumar ao jeito romano. Destruir. Dominar. Conquistar.

Era difícil se acostumar com o modo assustado, quase clemente, como os semideuses do Acampamento Júpiter olhavam para Reyna — e agora para Frank também.

Era difícil se acostumar a ter uma refeição com Jason e Frank e não poder pensar em roubar um pouco da comida deles, como fazia tão naturalmente com Piper, porque Jason e Frank tinham um segundo instinto natural, uma resposta automática, que os fazia fechar os punhos e quase literalmente grunhir. Annabeth tentava não pensar em como Lupa os ensinara a caçar.

Como a deusa os condicionara a pensar em comida como propriedade, e em amigos como ameaças. Porque lobos eram unidos, mas eles não dividiam a caça.

Era difícil se acostumar com dividir um beliche com Reyna no chalé 6 (porque as harpias não deixavam que ela dividisse com Nico e ela estava com dor de cabeça demais para ir para o 7), acordar para tomar água ou ir ao banheiro e ouvi-la acordando também.

Certa vez, Reyna lhe dissera que Lupa a ensinara a ter um sono leve, para evitar surpresas — e Annabeth pensava de que maneira exatamente a deusa fizera aquilo. O que acontecia com Reyna quando ela não acordava a tempo? O que a havia condicionado a despertar pelo menor dos ruídos?

Annabeth gostava de seus novos amigos romanos.

Ela só precisava lembrar a si mesma que romanos eram lobos.

Que lobos eram territoriais, protetivos, agressivos e cruéis. Que eles matariam se qualquer um de sua matilha fosse ferido. Que os lobos tinham uma Alfa — e que essa alfa mataria outra matilha inteira para manter a dela viva.

Romanos eram lobos.

E lobos atacam.

 


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Notas finais do capítulo

Esperam que tenham gostado, comentários são sempre apreciados.



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