Etihw acorda, triste. Acordou triste no dia anterior também, e no antes desse.

A verdade é que fazia um tempo que não acordava feliz, e isso tinha uma única razão... Kcalb não estava mais lá.

Podia ouvir barulhos na cozinha, mesmo que fosse bem longe de seu quarto.

Isso a fazia pensar, era verdade que Wodahs estava bem impaciente desde que certas coisas ocorreram, mas não era porque estava bravo, claro que não.

Não é uma surpresa que o anjo não saiba lidar com seus sentimentos, mas com essa repentina lembrança que foi abandonado pelo seu próprio irmão o deixava triste, mas o que prevalecia era a raiva, por promessas não cumpridas.

Etihw não queria se levantar, não queria ser vista pelos cidadãos com aquela cara de cansada, de quem não aguentava mais a solidão, embora Yosafire viesse todo dia chama-la para um lanche na casa de Dialo e Chelan. Etihw nunca foi pois doces a lembravam de Kcalb.

~ * ~ * ~

A tristeza passava, porém algo mais assustador estava lá: o nada, o completo vazio. Se lembrava bem dessa situação, sentira aquilo durante anos, quando selou Kcalb no subsolo. No começo eram festas, felicidade e tudo mais, o medo sumira, a felicidade tomou conta, mas não tinha mais nada o que fazer. Wodahs estava ocupado ajudando os que se feriram na guerra a se curarem (implorara para que Etihw não o fizesse) e a Deusa ficou sem ninguém pra recorrer.

Agora era diferente, ela não podia fazer nada.

Passava dias olhando para o nada e via os dias passarem com uma indiferença assustadora.

Criara um diário para reparar como seus dias passariam, mas percebeu logo que não tinha muito pra contar desde que Kcalb foi embora e já não tinha mais dor pra sentir ou lágrimas para derramar e se deparara com um bocado de folhas escritas:

Querido diário, hoje é sábado

Acordei, mas não queria tê-lo feito.

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Logo se passaram anos, e as coisas estavam diferentes. Etihw não se dava ao trabalho de sair de seu quarto. Claro, passara todos esses anos em contatos com diferentes amigos de Kcalb e saía em buscas com Ater e Arbus, o procurara por todo tipo de mundo, e no fim, não havia nada pra achar. No dia que reparou isso chorou como um bebê aos braços de Alela, não era só tristeza, era raiva de ter o perdido, angústia de ser impotente e ódio por não ser capaz de se manter o suficiente para aguentar esse peso e cuidar da vila.

Yosafire se formou. Trabalhava com doces, continuava visitando Etihw semanalmente, e apenas pensava em como ficava mais feliz com Yosafire lá, mesmo que fosse pouco.

Um dia foram interrompidas por Reficul, que entrou no quarto sem aviso, e parecia mais emocional que já tivesse sido em toda a vida, por ter sempre uma única expressão.

Reficul ficou muito tempo com Etihw. A única coisa que a Deusa conseguia pensar era: “Então ela também reparou que não tem mais como achá-lo”. Assim que Reficul anunciou sua saída e finalmente teleportou para outro lugar, Etihw chorou.

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Algo entrou na vila, Etihw deixou suas emoções de lado rapidamente para ajudar seus cidadãos, pois ainda colocava suas vidas acima da própria.

Yosafire, Froze, Rawberry e Macarona foram as primeiras a se propor para ajudar, já o tinham feito antes, poderiam fazer novamente. Etihw comprou os equipamentos e rezou por elas.

Dias passaram, elas continuavam caçando os inimigos todos os dias, sob a proteção das rezas de Etihw.

Trabalhava na defesa da vila quando a ficha caiu, e ela sentiu uma vida apagando no reino.

Yosafire morreu ao ser atingida nas asas enquanto sobrevoava uma das florestas.

Suas mãos pararam de trabalhar ao absorver tal informação. Os inimigos foram completamente derrotados pelas outras, as defesas criariam uma doma em volta de todo o reino desde aquele dia. Nada mais entraria.

O dia do enterro passou. Nem sinal de Kcalb. Claro que tinha perdido a esperança de achá-lo, mas sabia que estava vivo, e que como ela podia sentir cada vida de seu reino, deveria ao menos aparecer quando sentia uma se apagando lentamente.

Etihw não foi a que mais chorou, mas a que mais sofreu.

Era sua culpa, nada a convenceria do contrário

Era tarde da noite quando se vira escrevendo no diário novamente, o que tinha guardado por anos na gaveta de sua cômoda.

Diário.

Hoje é segunda.

A noite está muito bonita, Kcalb teria gostado.

Hoje vi Wodahs chorar.

Ele percebeu que Kcalb não voltará.

Se ele não voltou ao perder algum cidadão que morrera em batalha, nada o faria voltar tão cedo.

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Anos passam, e passam rápido.

O sentimento de solidão atinge a Deusa como um caminhão ao perceber que todo o quarteto (Yosafire, Frose, Macarona, Rawberry) que a ajudou diversas vezes, estava morto.

Quando finalmente foi dar uma volta na vila durante o dia, depois de muitos anos, via vários estranhos, não a olhavam amigavelmente como as outras gerações olhavam. Etihw percebeu que se afastara de seu povo por perder um amigo importante.

Não poderia ser uma Deusa que fazia tal coisa. Todos os dias ela sentava na sala principal do castelo e estava sempre saindo, via filhos do quarteto de garotas, mas não havia nenhum descendente de Yosafire, claro. Ela morrera jovem demais.

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Não demorou muito tempo para todos se acostumarem com ela, já gostavam de sua companhia e era sempre convidada para vários eventos na vila. Não tinha tempo para solidão quando estava o dia inteiro tentando ser perfeita e valer por dois.

Queria o melhor para a vila, sempre quis isso e nunca pararia de participar das atividades novamente. Aquele era um lugar agradável.

Visitava o túmulo de Yosafire toda semana, como a garota fizera com a Deusa. Levava flores mensalmente para todos os túmulos de cidadãos que eram seus amigos ou para quem ficou devendo favores.

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Seu lugar estava reestabelecido na vila e ela estava feliz. Embora continuasse sozinha. Os demônios começavam a perder sua força por falta do Diabo, e as pedras de poder de Kcalb ficavam cada vez mais fracas e cinzas.

Etihw tinha uma em seu quarto, selara o poder dentro dela, mas percebeu o quão idiota isso soava e liberou o poder da pedra, para ser usado pelos demônios.

Etihw se sentia melhor assim, dando tudo que podia para ajudar sua vila, isso era o que ela queria desde o começo e era uma pena que não tivesse sabido disso ante.

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Muitas gerações passaram, anjos morreram e nasceram, demônios também, embora levemente mais fracos a cada geração.

Etihw escreveu pela última vez em seu diário.

Olá, Diário.

Hoje é quinta.

Anos se passaram desde que comecei você.

Eu sinto falta de Kcalb, e morro um pouco cada dia que espero por ele. Mas o amei por mais de mil anos, posso amá-lo durante mais mil anos, ou milhares. E estarei o esperando.

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Etiwh não sabia como descrever o sentimento de uma agitação na vila, uma nova presença no reino, se aproximando do castelo.

Ela tinha certeza. Não importa quanto tempo tenha passado, sua mente tinha certeza. Correra escadas abaixo, ignorara a ardósia de dobra em sua euforia.

Chegara no térreo, chorando. Abrira a porta do castelo com um sorriso no rosto, só para se jogar no colo da figura alta de cabelos brancos e vestes negras que aparecera na porta.

Nunca estivera tão feliz e tão raivosa em vê-lo.

Ele iria ter muito o que explicar, mas agora era momento de felicidade, e não de preocupações.