Os segredos de Eva escrita por calivillas


Capítulo 8
Lá fora, a tempestade.




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De volta ao aconchego do seu quarto, por fim, Caroline pode relaxar, pensou em pôr em prática o seu almejado banho de banheira com sais aromáticos, uma pequena luxúria. Abriu a torneira deixando a água morna escorrer e encher a banheira, despejou o vidrinho de grânulos rosados e perfumados no seu interior, esperando eles dissolverem, acendeu algumas velas que encontrou dentro do armário, tirou a roupa e imergiu em outro mundo. Um mundo de luxo e riqueza que nunca desfrutou, ficou ali, mergulhada na água tépida e no silêncio, querendo deixar sua mente vazia, todavia, não conseguiu por muito tempo, já que repassava os fatos do último dia, os personagens desfilavam na sua memória, desenhando um quadro surrealista daquela mulher, que seria sua mãe. Então, parou em Tom Miller, era óbvio porque Eva o queria muito, a ponto de construir aquela enorme casa para atraí-lo e ficar junto a ele, como segredou Célia, durante o jantar.

Lá fora, a chuva piorou, podia ouvi-la castigar as janelas com violência, de vez em quando, o estrondo de um trovão irrompia o silêncio da noite.

Saiu da banheira e se envolveu no roupão, deixando ao seu lado. Tentou acender as luzes e nada. Estariam sem energia, provavelmente, por causa do temporal. Alguém bateu na sua porta.

— Caroline, tudo bem com você? Estamos sem energia — Era Murilo, falando através da porta.

Ela ajeitou o roupão e entreabriu a porta, avistou ele parado, usando apenas calças de moletom e com os pés descalços, com uma lanterna na mão.

— Sim, está tudo bem, eu estava tomando banho.

— Desculpe, não queria incomodá-la. Precisa de alguma coisa? Quer companhia?

— Não, obrigada. Estava indo dormir, nesse momento.

No corredor, avistaram um ponto de luz que foi aumentando, gradativamente, atrás dele, estava Melissa.

— Boa noite. Eu vim verificar com todos estão, com a falta de luz— explicou ao casal.

— Está tudo bem — Caroline respondeu, prontamente.

— Eu só vim ver como Caroline estava, vou voltar para o meu quarto — Ele se virou e desapareceu na escuridão.

— Espero que Murilo não tenha importunado você?

— Não, ele não fez nada.

— Porque, às vezes, ele pode ser um tanto intrometido, mas Eva o adorava, dizia que tinha mãos mágicas, que a ajudava acalmá-la. Principalmente, nos últimos tempos, quando ela andava muito preocupada.

— Preocupada? Como uma pessoa como Eva Montserrat pode estar preocupada, com a vida e o dinheiro que ela tinha? — Caroline questionou em tom ácido. O rosto de Melissa se contraiu em desaprovação, assim, a garota percebeu que foi imprudente.

— A senhora Montserrat tinha muitas preocupações, sua vida não foi maravilhosamente idílica, como se apregoa por aí, ela deve de fazer muitas concessões para chegar onde chegou e se manter aí — Melissa respondeu, levantando o queixo e se empertigando.

— Desculpe, não quis dizer por mal.

Assim, a outra mulher abrandou.

— Eu sei o que as pessoas pensam, quando conhece a história através da mídia, no entanto, há muito que não foi e nunca será dito.

Sim, Caroline sabia, ela uma prova viva disso.

— Ela devia ser uma pessoa bem forte?

Melissa soltou um longo suspiro.

— Ela aparentava ser forte e feliz, mas no fundo, precisava de alguém para cuidar dela — respondeu em um tom nostálgico.

— E você era essa pessoa?

— Tentei fazer o melhor que pude.

— É melhor ir dormir agora. Boa noite.

— Boa noite, senhorita.

Na manhã seguinte, Caroline despertou de um sono profundo e pesado, lá fora, o dia estava escuro e a chuva ainda caía forte, mas a energia elétrica havia voltado.

Ela se aprontou, colocando o vestido preto, que o senhor Lutz aconselhou que adquirisse, e saiu do quarto, imaginando quais seriam as surpresas que esse dia traria. Esperava que fosse algumas, já que o testamento de Eva Montserrat seria lido naquela tarde, após a cerimônia de despedida e o espalhamento das suas cinzas dela pela ilha, e todos ali esperavam para saber qual seria o seu quinhão da grande fortuna da falecida.

— Bom dia, menina. Dia horrível, não é? — Arthur disse a Caroline, assim que entrou na saleta onde estava sendo servido o café da manhã e o encontrou sozinho, tomando chá com torradas.

 — Bom dia, senhor Moriz. Sim, o dia está bem feio.

Caroline foi direto à mesa do bufê, escolheu o que queria, demorando mais tempo que necessário, na esperança que outra pessoa aparecesse e fizesse companhia ao velho produtor.

— Sente-se aqui, menina. Acordou cedo, hoje. Eu já estou velho, por isso, não gosto de perder o pouco tempo, que me resta da minha vida, dormindo.

— Eu estou acostumada por causa da faculdade, quer dizer, do trabalho.

— Não poderíamos ter um melhor tempo para um funeral, tão dramático. Acho que Eva iria gostar muito. Todos vestidos de preto, empertigados no jardim diante das suas cinzas, fustigados pelo vento e pela chuva, alguns chorando, as lágrimas se misturando como os pingos que caem do céu, enquanto o velho ladino do Gustav discursa palavras lindas e vazias, seria uma cena digna de um filme.

— Está falando sobre mim, Arthur? — Gustav surge junto a eles, com um sorriso irônico.

— Não, estávamos falando sobre o tempo, que seria um belo dia para um funeral.

— Mas, infelizmente, a cerimônia deverá ser adiada, devido a tempestade, seria impossível realizarmos os ritos, conforme os desejos de Eva — o advogado informou, se servindo de uma xícara de café puro.

— Como adiada, eu não posso ficar mais nesse lugar! — Arthur retruca, indignado.

— Nós não temos escolhas, já que os barcos não poderão sair, para levar ninguém ao continente, o mar está perigoso, com ondas muito altas — o advogado prosseguiu, impassível.

 — Então, só nos resta nos resignar e aproveitar um bom chá — como por encanto, Arthur mudou completamente de tom.

Os outros convidados começaram a aparecer e os lugares à mesa eram preenchidos, exceto por Haikai que se sentou sozinho e Tom Miller que não apareceu. Após a refeição, prisioneiros do tempo, assim os mais velhos combinaram um jogo de carta.

Caroline sem saber o que fazer, desejou ter um livro para se distrair. Talvez, uma casa tão grande tivesse uma biblioteca ou, pelo menos, alguns livros em algum lugar.

Ela se aproximou do seu irmão adotivo, sentando junto a uma janela, observando a chuva lá fora, com fones de ouvido, como se ele não fizesse parte daquele mundo, se sentou ao lado dele, que voltou a cabeça, com ar entediado, mas tirou os fones.

— Oi. Chato, não? Ficarmos presos aqui, com essa chuva — Caroline começou.

— Seria o meu conceito de inferno. Ficar isolado em uma ilha com toda essa gente.

— Mas, eram amigos da sua mãe.

— Eva não tinha amigos. Todos estavam a sua volta por algum interesse.

— Isso é muito triste de se dizer sobre alguém.

— No entanto, é a verdade.

 — O que quer dizer Haikai?

— Haikai é um pequeno poema. Minha mãe me deu esse nome.

— Eu também fui adotada — ela relevou, algo que nunca contou a ninguém ali, talvez, por se sentir tão próximo àquele rapaz, como as vidas deles se cruzavam de uma maneira tão trágica. E nesse momento, ele a enxergou, olhando para ela, com interesse.

— E você sempre soube?

— Sim, eu sempre soube a verdade, mas isso nunca me incomodou.

— Você não sabe quem são seus pais biológicos?

— Não — disse meia verdade, não era o momento de revelações. — Eu amo os meus pais adotivos, por isso, nunca me importei. É claro que, muitas vezes, fantasiei, principalmente, quando meus pais não deixavam eu fazer alguma coisa ou brigavam comigo, então pensava que minha mãe verdadeira não faria isso. Mas, com o tempo, eu percebi que eles agiam assim pelo meu bem, porque me amavam.

— Sorte a sua.

— Por que está dizendo isso?

— Porque desde que meu pai se foi, eu vivi, nessa casa, como um fantasma, estudava em bons colégios, tinha roupas caras, carros caros, mas ninguém, realmente, se importava comigo. Eu tive a minha fase de rebelde, de encrenqueiro, fui preso, usei drogas e bebia.

— Mas, você mudou.

 Haikai assentiu com a cabeça.

— Eva me livrou da encrenca e me pediu desculpa, porque não podia ser uma boa mãe, pois não sabia como fazer, mas queria tentar.

 A reveladora conversa foi interrompida, quando Tom Miller entrou, pisando forte, na sala.


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