Memórias Perdidas escrita por Kethlen F


Capítulo 1
Pedido de Ajuda




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Imersa na escuridão a criança corre de seus medos na enorme floresta congelada, ela gritava, implorando por ajuda. Seu pequeno corpo exausto cai na neve macia, o sangue flui de suas feridas, tingindo a neve e seu vestido rasgado. Olhos vermelhos observam a garota caída no chão, a lembrando que ela jamais terá liberdade. O Ser, de olhos sombrios e escalates, decide se aproximar, ajoelhando-se ao seu lado. A menina tenta ver seu rosto, mas apenas os olhos são visíveis. O Ser a entrega uma pena vermelha, de suas enormes asas — quebradas e retorcidas — que arrastavam no chão atrás de seu corpo sem forma. A pena era um presente, para lembrar a garota que ela deve ser sempre obediente. A mãozinha pálida da criança se estica para pegar o presente, ao tocar na pena seu corpo entra em combustão, a pele derrete com tanta facilidade que mais parece cera, ela abre a boca para gritar, mas nenhum som é emitido.

O Ser observa a criança, admirando com prazer a sua morte.

A garota desperta com seus próprios gritos, em um sobressalto, agarrando o lençol sujo do seu suor, puxando-o para si. Ela se senta e abraça os joelhos, soluçando de tanto chorar e com todo o corpo tremendo após o pesadelo. Zya, a gata magrela, se aproximou da dona, parecendo preocupada. As duas faziam companhia uma à outra há quase 7 anos. Olivia já estava com 16 anos anos, mas essa lembrança de seus 10 anos a assombrava. Era uma memória distante e confusa, que a garota nem sabia se podia confiar.

Olivia pegou sua gata no colo para abraçá-la, numa tentativa de se acalmar. Os dedos ossudos passavam com delicadeza nos longos pelos brancos e encardidos da gata. E como sempre, após todo pesadelo, o colchão e o lençol estavam derretidos, Olivia nunca entendia o porquê disso acontecer.

O cheiro de mofo e vômito era bem forte no quarto do motel abandonado, que ficava perto do beco usado por alguns traficantes ou qualquer coisa do tipo. Qualquer um que passasse por ali sentiria náuseas, além de medo. Era um lugar horrível, mas por causa disso o preço era bem acessível para os que possuíam pouco dinheiro e muita coragem. Era isso ou o chão das ruas. Para Olivia era muito perigoso ficar no mesmo lugar por muito tempo. Ela tirou a gata do colo e se levantou para vestir o short preto jogado no chão, tomando cuidado com o pé quebrado que estava com uma tala improvisada. A única iluminação vinha de uma lâmpada que piscava no abajur ao lado da cama. O papel de parede bege estava cheio de manchas que Olívia nem queria saber do que eram.  

Com o pé arrastando, a garota foi devagar em direção ao minúsculo banheiro. Seus cabelos negros já quase alcançava o chão, seus fios estavam embaraçados e sujos. Quando abriu a torneira da pia, saiu uma água escura com cheiro forte, ela fechou a torneira e desistiu de lavar o rosto cheio de suor. No espelho ela pode ver suas profundas e escuras olheiras, seus olhos estavam opacos e pareciam ficar cada vez mais acinzentados, ao invés do azul intenso que deveria ser.

Seus dedos acariciavam seu reflexo. “Por que ainda não desisti? Por que ainda tentava me manter viva?”. Tantos anos fugindo de pessoas que ela nem sabia quem eram. Não fazia ideia do seu passado, todas as lembranças antes do dia da floresta tinham desaparecido. Os 10 primeiros anos de sua vida totalmente apagados. Sua força para continuar era a esperança de um dia saber sobre seu passado e ter um futuro melhor.

Seus olhos se fecharam com força. a raiva e a dor se misturavam dentro de si. Ela pressionou a mão contra o espelho, lutando contra a vontade de chorar. A superfície do espelho amoleceu sob seus dedos, a fazendo abrir os olhos rapidamente. O vidro derretia e caia sobre a pia. Mas Olivia preferia acreditar que era apenas coisa de sua imaginação, igual o ser de olhos escarlates. Ela forçou uma risada ao olhar para o que sobrou do espelho. Não fazia ideia do que devia fazer para isso acabar.

“Está na hora de ir.”

A voz ecoou por sua cabeça, era feminina e calma. Mais um dos motivos de acreditar que estava louca. Sempre avisava que as pessoas más estavam vindo, quando ela era criança se assustava com a voz, mas agora tinha se acostumado, gostava de pensar que talvez fosse um anjo da guarda.

Após pegar a mochila, que guardava os poucos pertences que acumulava durante os anos, Olivia foi até a porta. A gata andava atrás da dona, observando cada passo com seus enormes olhos azuis. Não sabiam para onde ir, mas precisavam permanecer fugindo.

Já caminhavam por horas pela estrada, o sol já sumia no horizonte. O pé de Oliva latejava, o pedaço de pano na tala começava a se soltar. Com a chegada da noite, vinha o frio e o vento. Elas chegaram em uma pequena cidade, com casas que pareciam pertencer a bonecas, tão delicadas e cheias de detalhes, com cercadinhos brancos e graminha. Ela estava sem dinheiro, e sem forma de arranjar.

 Entraram em um bosque, na esperança de achar alguma fruta ou qualquer coisa útil. Zya olhava inquieta para os lados aos ouvir uivos do que pareciam ser lobos. A visão de Olívia foi ficando cada vez mais turva, seu estômago doía. Tudo doía, na verdade. O pano terminou de se soltar, deixando a tala cair no chão. Mas o pé, que tinha sido quebrado na noite anterior quando ela pulou um muro, já estava com o osso totalmente intacto, apesar de ainda doer. Seus ferimentos se curam de forma rápida e assustadora.

Com muito esforço, ela foi se esgueirando entre as plantas, tentando achar o caminho até a trilha. Andar já não doía mais, ela mal conseguia sentir seu corpo. Passos vinham ao longe, perto de onde deveria ser a trilha. Sem pensar duas vezes, Olivia foi em direção ao barulho, cambaleando. Suas mãos empurravam as folhas para abrir caminho até surgir duas pessoas em sua frente.

Mellanie, uma garota de cabelo rosa, igual algodão-doce e Louis, um garoto loiro com um penteado extremamente arrumado com gel, usando roupa formal que fazia ele parecer mais velho. Eles pareciam assustados, o garoto se pôs a frente de sua namorada, de forma protetora. Mellanie segurava com força o pingente de seu colar.

Zya pareceu interessada na garota e foi em sua direção. Olivia usou a pouca força que tinha para seguir ela. Mellanie saiu de trás do namorado, que tentou puxá-la de volta.

—Ei, você está bem? — sussurrou Mellanie, pondo a mão no ombro de Olívia.

Os lábios de Olívia se mexiam, implorando por ajuda, mas nenhum som saía. Um frio subiu por seu corpo, suas pernas amoleceram, sua cabeça parecia girar. Tudo ficou escuro e seu corpo foi de encontro ao chão.








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