Alexandre, o Grande, tinha um cavalo. Miguel, o Pequeno, tem um cachorro.

Bucéfalo, o leal garanhão, acompanhava o rei macedônico nos campos de batalha. Billy, o leal vira-lata, também segue seu rei menino para todos os lados.

Tal como o cavalo esteve com Alexandre em inúmeras vitórias, o cachorrinho corre saltitante no encalço da criança agora. Mas ao invés de países, os dois só querem conquistar a casa e expandir o reino da diversão para o interior dela.

Brincar no quintal é legal, mas tudo o que é proibido se mostra mais desafiante e gostoso. Teoricamente, ela é território vetado para animais e bagunça de criança — palavras da mãe e do pai de Miguel. Teoricamente porque ele decidiu ignorar a regra essa manhã.

Se os pais dele não estivessem absortos numa discussão infrutífera à mesa da cozinha, certamente teriam visto menino e cachorro se esgueirando pela sala e subindo a escada às pressas. Talvez também tivessem notado que o filho ficou um tanto ofegante ao alcançar o topo dela. Ofegante demais. Cansado sem mal ter começado a brincar direito.

Billy gira ao redor do próprio corpo e senta diante dele, abanando o rabo. Inclina a cabeça, observando-o com atenção.

Com a mão sobre o peito, Miguel encara o companheiro de quatro patas e se pega refletindo como ele cresceu rápido. Billy está com pouco mais de um ano agora e já pode ser considerado um cão adulto, apesar de brincalhão e incorrigível feito uma criança. Miguel ainda não completou oito e talvez nunca chegue à fase adulta.

Alguns instantes depois, sentindo-se melhor, ele endireita o corpo. Detém o passo por um segundo ao ouvir a discussão na cozinha ficando mais inflamada. Pensa em como estão cada vez mais frequentes. Ele não entende por que os pais brigam tanto, mas não quer ficar ali para descobrir.

Como se ao se afastar da situação, ela deixasse de existir, Miguel retoma o caminho rumo ao seu quarto. Billy o acompanha sem pestanejar.

Os dois entram em silêncio. Miguel fecha a porta atrás deles e pega a bolinha que escondia até então no bolso do short. Os olhos do cachorro brilham de interesse. Um latido ressoa pelo quarto. Os pais do menino não o ouvem tampouco.

Miguel, o Pequeno, lança a bolinha. Billy, o leal vira-lata, pula na cama e abocanha a felicidade no ar.

A cena arranca um riso do seu rei menino.