Contar 75 contos, ou morrer? escrita por Carenzinha


Capítulo 1
Prólogo.




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/763563/chapter/1

Estava ofegando, fazia tempo que eu não me metia em uma enrascada como aquela, estava acostumado em ter o mundo como meu lar, mas estava definitivamente perdido nessa vila a pouco desconhecida por mim.

A pior parte de se meter em uma encrenca em um lugar que você não domina, é se perder. Tinha corrido tanto que não aguentava mais, meus joelhos latejavam e eu precisava parar, tinha que achar um lugar para descansar.

Meus pés me guiaram até um lugar um tanto isolado, o que estranhei, a vila possuía muitos habitantes, todos aglomerados no centro dela. O que levaria alguém a se isolar?

Eu estava em um vasto terreno, o céu estava com algumas nuvens, mas conseguia sentir o sol em meu rosto. Por causa do meu cansaço acabei correndo até uma grande torre, onde apoiei uma das minhas mãos nas pedras que a mesma possuía. Minha outra mão segurava meu precioso alaúde com uma força tremenda, sentia a dor vinda dela, mas não ousava em solta-lo. Tinha passado por muita coisa e não conseguiria pensar em perdê-lo.

A grande torre de pedra ficava no centro de um extenso gramado verde, que estava bem descuidado. Seja lá quem morasse no local, não se importava com a altura que aquilo estava tomando. As árvores pareciam nunca terem sido podadas, havia ratos mortos pelo chão e alguns vivos andando.

O que mais me chamava a atenção eram, definitivamente, os pássaros que rodeavam o lugar. Eles também tinham o mundo como casa, mas tinha certeza de que eles não se metiam em encrencas, assim como aquela em que eu estava metido.

"Isso dá uma boa música." Pensei, já posicionando o alaúde e deixando meu lado bardo tomar conta de mim mesmo.

 

"Os pássaros estão cantando,

Eu também hei de cantar.

O mundo pode estar desabando,

Mas frente a esta torre quero estar.

No qual talvez não tenha fim,

Esses muros colossais.

Foi construída assim para..."

 

Eu parei de cantar, simplesmente tinha esquecido uma palavra boa para a frase final. Odiava quando isso acontecia. Rimar era tudo o que eu sabia fazer, eu não gostava de falhar.

Para, para... Para o que? Qual seria o propósito de uma torre feita de pedra em um lugar mal cuidado?

 

"Por que você está ai?

Nesse lugar imundo e sem vida

Ó grandiosa torre..."

 

"Mostre-me a saída?", "Qual é sua pedida?", "Por que só complica?".

Nenhuma rima parecia se encaixar, eu odiava decepcionar o bardo que vivia dentro de mim. Quero dizer, odiava me decepcionar, já que estou sempre rimando.

Mas dessa vez era exceção. Provavelmente as rimas não estavam funcionando graças à tensão que eu vinha passando.

"Pelo menos meus pensamentos rimam." Pensei, com um pequeno sorriso em meu rosto.

O vento batia em meus cabelos bagunçados, isso fazia arder o corte que eu tinha conseguido a pouco tempo em meu rosto, mas, não era nada comparado a sensação esplendida que a brisa me trazia. Meus negros cachos pareciam voar e meu corpo queria alcançar a imensidão.

Mesmo dolorido por causa da encrenca em que tinha me metido e com calos nos dedos de tanto tocar, conseguia encontrar paz naquela grande imensidão, na grama alta e no vasto céu com algumas nuvens.

Paz.

Isso era o que a grande torre preta feita de pedras me transmitia.

Finamente estava longe de minha grande enrascada.

Respirei fundo, fechei meus olhos e me deixei levar.

Eu não era de dispensar uma boa letra, mas minha mão estava ocupada em ter um encontro com as cordas do meu instrumento, eu conseguia sentir minhas vibrações, minha respiração ainda ofegando, minhas mão tremulas. O medo que eu passara a pouco, começava a se esvaziar de mim mesmo.

Tudo o que eu sentia foi virando música, agora eu e meu alaúde éramos um único ser, um conjunto de harmonia tocando uma melodia inventada e que me transmitia inúmeras sensações.

Comecei a andar pela alta grama tentando me concentrar, eu precisava partir, mesmo sem ter ouvido aquela história que estavam prestes a me contar. Já sabia sobre tantos lugares, acho que não faria falta nenhuma se eu nunca ouvisse um conto de Avie.

Sim, eu sabia que faria falta.

Mas tentava me convencer do contrário.

"Avie não é para mim, já arrumei problemas demais." Pensava um tanto cabisbaixo. Eu tinha Garesh como minha casa. Nunca pensei que fosse existir um lugar no grande reino em que eu não me desse bem.

Sabia que eu tinha uma encrenca que ficaria marcada em minha memória e história.

Pois até mesmo bardos têm histórias, só não são interessantes o suficiente para serem os protagonistas delas.

Ninguém nunca se importaria com o que um bardo faz ou deixa de fazer, a não ser o próprio bardo.

Com esse pensamento, continuei tocando.

A música foi ficando mais intensa, as notas mais fortes, sentia meus dedos doerem. Poderia quebrar aquelas cordas a qualquer momento, mas eu não me importava, ou pelo menos, tentava não me importar.

Fingia que nada estava acontecendo, quando na verdade estava.

 

"Enrascado eu estava,

Mas ficava feliz em tocar.

Nesse estrangeiro lar,

Tinha meu alaúde para me acompanhar."

 

Os pássaros faziam o coro, as folhas caiam das árvores.

 

"Eu sei que tudo vai se consertar,

Quando de novo eu tocar.

Assim sempre viverei,

Um grande bardo eu serei."

 

As melodiosas rimas estavam me alegrando, eu estava feliz de estar cantando.

"Meu pensamento novamente rimando." Sorri.

 

"E a torre eu estou contemplando,

Com um grande tom de espanto.

Um bom lugar para se abrigar,

E ser meu temporário lar."

 

O jardim descuidado, diversas árvores, um lugar que parecia querer ficar escondido.

"Provavelmente desabitado." Pensei comigo.

Acho que não teria nenhum problema se eu a usasse como moradia por uma única noite, não tardaria a chegar o por do sol, e logo, tudo escuro ficaria.

E eu rimar não pararia.

No alto da torre dormiria.

Com janelas e provavelmente escadarias.

"Um ótimo lugar,

Para por pouco tempo repousar.

Ficar aqui e descansar,

Mas sem parar de rimar."

Nunca parar de rimar, essa era minha filosofia.

"Sem fraquejar, nunca parar.

Cada vez mais histórias contar.

Correr em busca de um novo conto.

Abraçar Garesh, meu grande lar."

 

Até que tudo ficou escuro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Contar 75 contos, ou morrer?" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.