Enquanto Ela Partia escrita por Loba Escritora
Enquanto ouvia os gritos da mãe a berrar ordens à criadagem, Samantha encaminhou-se até a janela e fitou a paisagem lá fora. As rosas estavam em seu auge, embelezando e perfumando o redor da fonte, o amarelo, o vermelho e o branco reluziam sob o Sol acolhedor. Até nisso o dia estava perfeito, as neves haviam parado de cair há uma lua atrás, quando deram adeus ao inverno e apreciaram a chegada da primavera.
Aquele era o quarto de sua amada avó, antes fora dos pais dela e antes, dos pais deles. O grande casarão era herança secular de sua família. A moça caminhou, enquanto sentia as batidas do coração vibrarem em suas cordas vocais, até o enorme espelho na parede.
O reflexo estava furioso. Ela sorriu, tinha certeza que estava sorrindo, mas o reflexo ainda a encarava com rancor.
— Espelho idiota! — bradou.
— Idiota é você… — ouviu um sussurro como resposta, mas estava sozinha no quarto.
Sem se virar novamente para o espelho, respondeu: — Você é só um objeto. Não pode falar! Não está falando! Logo, não estou lhe ouvindo!!!
Sentiu falta da avó, aquela bondosa e sábia senhora, desejou estar em seu abraço que cheirava como as rosas lá embaixo, posto que cuidava pessoalmente delas até estar deveras debilitada pela avançada idade.
A Senhora Matilde deixou o mundo dos vivos no início do último outono, e antes de partir, confessou à neta sentimentos de toda uma vida. Samantha abriu a pequena gaveta no criado mudo ao lado da cama, cuidadosamente retirou o fundo falso e pegou o diário ali escondido. O pequeno livro em capa de couro preto, com as iniciais da avó cravadas em dourado na capa, quase não pesava em suas mãos, mas sua alma não sabia mais o que era se sentir leve desde que o vira pela primeira vez. Ouviu passos se aproximando e o escondeu novamente.
— Samantha? — era a mãe. — O que faz aqui? Céus! Ainda nem está vestida!
— Me desculpe, mamãe — respondeu cabisbaixa. — Não me sinto muito bem.
— Ora essa! Isso é normal, querida — a mãe afagou-lhe os cabelos com ternura. — Todas nós ficamos nervosas no dia de nosso casamento. Venha, vou te ajudar a aprontar-se.
Rumaram ao quarto de Samantha.
Ao entrarem, se depararam com o belo vestido branco sobre a cama, a organza da saia se assemelhava à uma preciosa pérola gigante. Era magnífico.
A mãe ajudou-a a vesti-lo. Jamais conseguiria lidar com tantos botões e fitas sozinha, mas quando enfim terminaram o trabalho, tudo valeu a pena. Samantha parecia uma rainha!
— Seu pai ficará tão orgulhoso! — a mãe limpava as lágrimas emocionada. — Vamos! Vamos para o seu “e viveram felizes para sempre”, minha princesa!
O fim dos contos de fada… o fim. O que ocorre depois do fim?, pensou.
Mas apenas respondeu, forçando-se a sorrir: — Vamos, mamãe.
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