As Raízes de Yggdrasil escrita por The White Searcher


Capítulo 16
Capítulo 16 – A cerimônia




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/763397/chapter/16

A conversa durou algumas horas, que passaram de forma célere, juntamente ao vento que as levava embora, assim como às palavras. Logo o sino badalava o anúncio do meio dia, também a hora em que Nero presenciaria a própria cerimônia para ser declarado um Espadachim da capital, um som que ecoou por toda a cidade em sincronia, fazendo voar um número elevado de pombas que antes repousavam na torre principal da Igreja.
Voaram livres pelo céu imenso e azul, batendo as asas freneticamente, e seguindo o rumo do vento, eternamente imutável. Em seu trajeto, sobrevoavam a ponte por onde o rapaz caminhava sozinho, em passadas lentas e nervosas, cujas quais ecoaram pelo incrível silêncio que se fez naquela hora. Carente de qualquer armamento, o qual havia sido entregue aos cavaleiros com que havia conversado até alguns minutos atrás, suas mãos agora nuas geravam certo desconforto no ruivo que apertava os punhos com força suficiente para o couro ranger.

O couro lhe encaixava na mão, sob a forma de luvas marrons, envolto nos punhos que prendiam as abas ao pulso, sem ser notável a separação. Uma grossa túnica escura na cor castanha, envolvia seu corpo, presa pelo interior das luvas, e terminando com um efeito de saia a pouco mais da metade da perna do aprendiz, o qual balançava levemente a cada passada. Caindo em seus ombros, um pesado e revestido sobrepeliz quase branco, com a insígnia de Fial gravada em suas costas, se encaixando na perfeição no corpo esguio do rapaz. Um cinto de couro e aço prendia a túnica justamente à sua cintura, para que não atrapalhasse nos movimentos, contendo também a bainha vazia para uma espada de noventa centímetros, como era costumeiro naquela classe. Também havia suporte para o saco de moedas que carregava, abarrotado de dinheiro, o que era uma sensação satisfatória de alívio. Por baixo, uma calça acolchoada e confortável a todo o tipo de movimentos, com botas de biqueira de aço, e o resto em couro, até chegar quase aos joelhos, os quais eram envoltos de metal pelas joelheiras.

Propriamente em defesa, não seria muito eficaz contra espadas pesadas como as dos Cavaleiros ou Lordes, como tampouco aguentar o peso dos pesados escudos dos Templários e Paladinos, porém, o uso deste uniforme era bem-vindo para o combate contra criaturas.

Devido ao material revestindo as botas do aspirante a Espadachim, suas passadas soavam mais pesadas do que realmente eram, ecoando seu som num vibrar metálico ao choque com a pedra. Distraidamente, começava a ajeitar as luvas em seus dedos, os fechando e abrindo algumas vezes. Os olhos que beiravam entre o dourado e carmesim, correram os olhos pela ponte que cedia passagem ao castelo, erguida a uma altura de dezenas de metros, para um rio que corria com bastante cólera lá em baixo.
Só então pôde vislumbrar que o castelo não era a única casa naquele lado tão requintado e pacífico. À esquerda, para onde olhava agora, um grupo de Templários permaneciam estoicos encarando o rapaz com vestes de Espadachim. Estavam desarmados e desguardados, carregando apenas as armaduras pesadas de prata, deixando o rapaz se questionando como eles sustentavam todo aquele peso.
Já à direita, contendo o emblema único de uma espada na vertical sobre as grandes portas de aço, anunciando claramente a presença dos tão resguardados Lordes. A única diferença na construção inicial, de ambas as casas ao pé do castelo, era que não possuíam os telhados tão longos, e tampouco eram interligados a um número incontável de quartos, cozinhas, assim como não cediam acesso ao monte que se erguia atrás do castelo, juntamente à floresta élfica.

— É agora. – Disse para si, suspirando em seguida e apertando ambos os punhos mais uma vez. Seus olhos fixaram-se no caminho à frente, onde os altos portões de madeira em arco, estavam selados, com duas grandes pegas de aço próximos ao centro, dos quais dois enormes Paladinos as agarraram e puxaram como se não ostentassem de peso algum.

O interior invadiu a praça do castelo com o eflúvio a rosas vermelhas, cedendo a visão a um longo corredor de tapeçaria vermelha com bordados dourados. As paredes ostentavam do mesmo padrão que a Guilda dos Cavaleiros, porém, numa escala superior, e com longos pilares sustentando todo o peso das alas acima da principal, embelezados com estandartes longos que balançavam levemente com a ventania repentina. Eram alternados entre a cor azul, e a carmesim, com bordas douradas, e a insígnia do dragão de duas cabeças entalhada em ambas as facetas.

Claro que estava tudo, menos deserto. Ao lado esquerdo, os representantes da Guilda dos Cavaleiros. Dez homens ao todo, vestidos de armaduras pesadas de prata, conjunto com elmos fechados e viseira em bico, e um penacho que era encaixado no topo, descendo para as costas. Suas mãos pousavam sobre os pomos das respetivas espadas, todas contendo cores diferentes em seus punhos, e formas diferencias nas lâminas sacadas.
Já no lado direito, outros dez homens também de armaduras em prata, porém, mais robusta, assim como seriam seus portadores devido à diferença de altura. Pareciam parte dos próprios pilares, ou refazendo uma muralha entre eles, com os escudos fortes e grossos como paredes, expostos em frente ao corpo. O que diferenciava mais ainda dos cavaleiros, era a coloração dos penachos e dos mantos. Enquanto os cavaleiros possuíam a cor vermelha, os templários vestiam o azul.

Ao fundo do corredor, separando o vazio que daria para uma porta traseira, tão grande quanto a dianteira, um requintado trono de madeira e acolchoados divididos do vermelho, dourado e azul, ocupados por um homem de roupas nobres e laranjas, como seus cabelos cacheados, e a longa barba que descia até seu peito. Seus olhos numa cor singela, marrom, encarando o rapaz que avançava numa marcha lenta pelo grupo de pessoas postadas.

Seus olhos vagavam pelo salão, percebendo escadarias que dariam à sacada interna, espelhando uma à outra em ambos os lados. Também perceberam a presença de um homem contendo armadura diferente da dos cavaleiros em seus detalhes, com o brasão dos Lordes em sua saia escarlate. Sua espada era idêntica à do Seyren, e seus cabelos eram dourados. Era claramente Arthur, o Lorde que desdenhava dos mais fracos. Seu sorriso ufano desenhava os lábios numa linha tênue, enquanto a sobrancelha esquerda se elevava, como se surpreso pelo rapaz estar presente. Já do lado oposto ao trono, um homem de armadura extremamente pesada, com uns dois metros de altura, e face séria. Tinha uma enorme cicatriz em forma de cruz cobrindo maior parte de seu rosto, e ambos os olhos selados pela mesma. Seus cabelos eram marrons e espetados para cima, como se tivesse levado um poderoso choque, e um escudo se postava em suas costas, o fazendo assemelhar-se a uma tartaruga.
De trás da perna que mais parecia um robusto tronco, espreitou um rapaz com vestes similares às do Rei, aparentemente com a mesma idade do Nero, que continuava a marcha. O sorriso era evidente, vindo também do olhar curiosos, que logo desapareceu no meio do manto do Paladino.

A cada vez que passava por um dos cavaleiros e templários, estes erguiam suas armas, seu símbolo e orgulho. Só não cantavam seus nomes, devido às trompetas que tocavam a melodia das cerimônias, recitada por trinta homens postados em perfeita sincronia, pela sacada do castelo. O Rei ria, encantado, talvez pela idade do rapaz que agora parava a cinco metros do mesmo. Seus olhos se cruzaram, mas os de Nero beiravam o dourado, tornando-o tudo, menos intimidador.
O homem forte ergueu a mão destra, ordenando o imediato cessar do sonoro, o qual seguiu a ordem com rigor. Então, se levantou, demonstrando que tamanho da barriga não era adversidade para seu erguer, e deu dois passos pesados à frente, parando agora a quatro metros do rapaz.

— Eu, Tristan II, dou início a esta cerimônia, a qual serve como testemunho final a um aprendiz, que almeja seguir o caminho da espada e da justiça. – As grandes portas se fecharam, deixando que a única luz presente, fosse a cortina de raios solares que adentravam pela janela redonda, a qual parecia contar uma história em suas formas. O homem sorriu para o rapaz, que impassível, encarou. Então, se lembrou que talvez fosse a hora de mostrar o devido respeito, já que o silêncio inundou o recinto.

Seus olhos vagaram rapidamente em volta, percebendo que tudo resto afora daquele círculo que iluminava ambas as figuras, ficava na mais profunda escuridão. Seu joelho destro tocou o pavimento revestido pelo longo tapete escarlate. O punho canhoto caiu junto ao corpo, enquanto a mão destra mantinha a palma junta ao peito. Seus olhos encararam o soberano, e relutou com a vontade de correr dali para fora, controlando a respiração ofegante e nervosa.

— Muito bem. – Disse o Rei que havia franzido o cenho, estranhando a demora. – Em nome das sete pedras que enfeitam as sete torres em minha coroa de ouro, eu lhe questionarei seu propósito.

— O laranja da chama feroz, Tristan.

— O branco da geada, Windsor.

— O azul das profundezas do oceano, Egnigem. – Nero arregalou os olhos ao ouvir o nome, vibrando sua íris profundamente.

— O pardo dos ursos, A’Daragon. – Outra surpresa, que fez o garoto engolir em seco.

— O negro da noite, Elbic.

— O dourado da riqueza, Windhelm.

— E o carmesim, pertencente à tão esquecida família fundadora e protetora de nossas terras.

Todas as vozes recitaram em coro.

— Thor. – O Deus que trazia a justiça, justamente como as lâminas dos Espadachins, Cavaleiros e Templários.

— Sua espada está entre a vida e a morte, escolha sabiamente para a causa justa. O inocente, o carrasco, e o assassino. – Apesar de ser uma afirmação, o Rei aguardou como se houvesse questionado, com uma postura altiva e digna de tamanha eminência. De uma autoridade inquestionável, suas palavras vibraram o ar, criando a ordem.

— Se o carrasco deseja ceifar a vida da inocente, eu tomarei sua vida para mim. – Disse Nero, de forma displicente, apesar de firme. – Se o carrasco deseja ceifar a vida do assassino, então o carrasco sou eu. – E seus olhos vibraram ao entrarem em contacto com os do superior, do qual o silêncio pareceu eterno e perturbador.

— Eu movo meu braço esquerdo. – Ditou o Rei, erguendo o braço esquerdo.

O silêncio se fez, e Nero não soube responder.

— Eu movo meu braço direito. – E abaixando o esquerdo, ergueu o braço direito, do qual todos na sala reagiram, batendo ferozmente seus armamentos no chão de forma sincronizada, gerando um baque seco que ecoou pelo salão por longos segundos. Austero, seus olhos encararam o pequeno rapaz, incrédulo.

— Minha espada é uma extensão do braço de meu Rei. Se este ergue o braço, eu ergo minha espada. – Nero recitou, objetando o olhar que devia o fuzilar naquele momento, pela parte do Lorde dos Windhelm.

— Muito bem, jovem Nero Cyprianus. – Começou o Rei, abaixando ambos os braços. Então, os olhos pesaram sobre o garoto, fuzilando-o com neutralidade. – Mate um inocente.

— Meu sangue apodrece.

— Mate um assassino.

— Minha essência renasce.

— Erga sua espada perante a maldade.

— E esta cessará.

Ambos recitaram um atrás do outro, sem pausas, sem suspiros, sem um nico de respiração ofegante. Nero se questionava como conseguia responder com tanta honestidade. Seus lábios se moviam por conta própria, e sem dar por si, os olhos se tingiram do rubro como seus cabelos.

— Eu sou o braço do meu Rei, e minha lâmina cessará a maldade e a escuridão, com a justiça que porto com o orgulho de meu nome, e o vigor com qual manejo minha espada. – Sua cabeça se abaixou, fechando os olhos, e deixando a nuca visível ao homem.

— Eu, Tristan II, o qual perdeu direito ao primeiro nome pelo regimento da capital, objetei minha humanidade para liderar este Reino contra as forças do mal. – A destra então segurou a mesma espada pertencente a Nero, oferecida pelo Mestre Espadachim. A posicionou sobre o ombro esquerdo do ruivo, pousando levemente a lâmina ali. – Rogo pelo teu nome pela justiça.

— Nero Cyprianus, vossa majestade. – Recitou em seguida.

— Eu, Tristan II, regente das terras de Midgard, líder dos Cavaleiros, Lordes, Templários e Paladinos. – Passou a lâmina solenemente por cima da cabeça do rapaz, a pousando sobre seu ombro direito. – Lhe nomeio Nero Cyprianus, um Espadachim de Fial.

As trompetas voltaram a soar, altas e ensurdecedoras, ecoando pelo salão, cujo foco da luz fora mudado para iluminar todo o recinto, e não só aquele único círculo. Os homens ainda estavam postados em silêncio e quietude de uma estátua, enquanto o Rei farto estendia ao garoto a espada de noventa centímetros.

— Sua arma, rapaz. A use pelo bem da justiça. – O punho lhe era estendido, enquanto a mão grande como a de um urso, segurava fortemente na lâmina da espada. Nero ergueu a destra, e a segurou firmemente.

— Lhe sou grato, majestade. – Ergueu por fim o corpo, sustentando-se pelos dois pés, e guardando a espada na bainha. Era a primeira que tinha em toda a sua vida, e isto lhe retirou um sorriso dos lábios. O Rei então, pousou a canhota sobre o ombro de Nero, se aproximando levemente.

— Possui um longo caminho de glória à sua frente. Sinto isso em meu âmago. E olhe que este jamais me ludibriou. – O sorriso e riso se fizeram altos e presentes, enquanto o homem caminhou de costas até sentar no trono, o qual de madeira forte, não cedeu perante seu peso.

— Assim eu espero, majestade. – Replicou Nero, enrubescendo levemente e desviando os olhos para o chão.

— Em frente, rapaz. Possuis os olhos de um dragão. Então jamais os rebaixes.

☙❧

Suspirou tão pesado quanto soaram seus passos, com um peso extra suspenso em sua cintura, da espada que balançava para os lados em cada passada da marcha cansada. Seu estômago remoía, com o clássico sonoro audível em uma reclamação de fome. A destra tocou a própria barriga, massageando em círculos, enquanto os olhos passearam pelas ruas de Fial após o meio dia. Permanecendo no topo da escadaria, de costas para o castelo, conseguiu ver o número elevado da povoação que andava atarefada de um lado para o outro. Alguns, vendiam com carrinhos de mão, com sorriso gananciados estampados em seus rostos. Já outros, compravam com negociações breves, mas jamais se mostrando cabisbaixos. Era uma cidade alegre.
O ferreiro martelava o ferro com vigor, já sua filha, tentava vender o ferro trabalhado, por preços acessíveis aos clientes que pareciam não pescar a isca. O homem forte, pareceu martelar com mais forte, como se descontasse a cólera em fabricar mais armas para o estoque, o qual envolvia a casa atrás dos mesmos em incontáveis portas armas em fileiras, e com espadas, e outro tipo de armas metálicas, assim como armaduras, postadas de forma livre.

Já do outro lado da praça principal da cidade, de onde as águas límpidas respingavam em quatro direções diferentes do topo, a taverna mais rica da Capital. Fora da segunda camada de muralhas, as duas construções ficavam de frente uma para a outra, separadas pela rua de pedra polida, e interligadas por um andar superior como se fosse uma ponte grossa e recheada de quartos. Ao todo, abrigavam dez quartos grandes, e quase incontáveis menores no subterrâneo. As construções que se erguiam acima da segunda camada de muralhas, com janelas por onde as pessoas abrigadas nas instalações podiam observar a vida alheia, ou receber o ar refrescante do Verão, assim como o majestoso brilho do fruto de Yggdrasil.

Não podia ficar inerte para sempre. Cavaleiros subiam e desciam as escadas, alguns conversando, outros num profundo silêncio de luto por companheiros caídos nas missões propostas. Então, lembrava-se que sua primeira tarefa seria liderada por um dos cavaleiros dispostos a levar um grupo de Espadachins em alguma missão de preparação. Ou assim esperava, sem saber o que lhe aguardava a roda do destino, em constante giro.

Mas, claramente, não poderia lutar sem um resquício de energia extra, ou com o equipamento obsoleto que ostentava naquele momento. Se referindo claramente à própria espada. Era impulsivo, e seu âmago almejava pela grandeza de uma espada de duas mãos, e não aquela de noventa centímetros, que para si, era tão grande quanto uma espada longa era para um Lorde.

Precisava munir-se, e por isso, o sorriso se abriu ao fixar seus olhos dourados em direção ao Ferreiro que trabalhava arduamente.

Passadas se fizeram presentes, descendo a escadaria de degraus largos com o cuidado devido para não tropeçar, na diagonal, seguindo rumo em direção ao homem. Só chegando ao seu pé, percebeu a diferença de tamanho entre ambos. A bigorna dava pela cintura do ruivo, o qual observou por alguns segundos sua estrutura firme vibrar com cada martelada mais firme ainda. O ferro escaldante e alaranjado tinha sua forma física moldada a cada brandir, mostrando claramente que se tornaria no futuro, uma espada que seria usada por um cavaleiro ou espadachim.

— Casa do Ferreiro Howard, ao seu dispor! – Disse a mulher com uma voz graciosa, e um sorriso mais gracioso ainda, carregando um cesto munido de adagas reluzentes ao sol, mas nenhuma agradava os olhos do Espadachim.

— Olá. – Retornou Nero, e então, enrubesceu. Percebeu o quão era horrível com palavras, devido aos anos desperdiçados nas ruas de Amar’Sin. – Eu… - Seus olhos quase encararam o chão, e as palavras de seu Rei ecoaram em seu âmago. Então, olhou nos olhos da garota, abrindo um sorriso tão brilhante quanto o sol. – Eu estou procurando uma espada.

— Ora se não estão todos. – A garota deu uma risada e uma bufada breve, dando costas ao rapaz e voltando para perto da porta da casa com duas janelas, separadas pela madeira da entrada que lhe era disposta e aberta. – Espadas é o que todos procuram hoje em dia, rapazinho.

— É suposto eu entrar? – Questionou, apontando com ambas as mãos para o interior em completa escuridão, devido ao brilho que fazia no exterior.

— Ora, ser Espadachim te deixou mais burro que meu pai que trabalha o ferro? – Ambas as mãos foram levadas à própria cintura, e as bochechas se inflaram de forma graciosa. O homem grunhiu em insultos baixos, mas não cessando o trabalho. O suor escorria de sua testa, e pingava ao alcançar o sobrolho, criando um fio de vapor ao tocar no ferro quente.

— Não é isso! – Tentava relutar com as palavras que lhe eram impostas, mas tanta insistência se tornara nula com a entrada da garota na casa. Claro, a seguiu.

A casa não era nada de especial. Era pequena, e além de pequena, a cozinha e sala de estar haviam sido moldadas para se tornarem uma loja afável para qualquer um que quisesse entrar, tomar uma bebida e sentar-se no único sofá de peles, ou realmente comprar alguma das armas entolhadas nos cantos, ou expostas nas paredes, escondendo quase por completo a madeira. Seus olhos vagaram pela estrutura grande, que pareceu continuar por baixo de terra, com uma porta de aço fechada ao fundo da sala. Por baixo de terra, pois a casa ficava no canto entre a muralha e as escadas, tendo atrás de si a enorme plataforma que separava as Guildas, Igreja e o castelo, da plebe.

— Centenas de espadas à sua disposição. – Disse a garota de forma célere, se postando atrás do balcão com o sorriso agradável.

— Não desejo uma espada. – Disse Nero de forma displicente.

— Ora, rapaz. Está fazendo eu perder meu tempo?! – A mulher pareceu intrigada, soltando um forte suspiro logo em seguida. – Não disse que queria uma espada ainda há pouco?

— Eu disse. – Admitiu. E então, suspirou. Encheu o peito de ar, tomando uma postura mais altiva. Lembrou a si mesmo que não era mais um ladrão, e tinha um prêmio em sua sacola que o tornava um homem rico por breves momentos, por ainda ser um tolo de não saber investir. – Mas não é… Uma espada qualquer que eu busco.

A garota do outro lado do balcão pareceu pensativa, mas logo deu um tapa na própria testa.

— Espadas, espadas, espadas. Você é mais meticuloso que os cavaleiros malcheirosos que passam por aqui. – Suspirou e levou ambas as mãos à própria cintura. – Não fosse bonitinho, te chutava da loja.

Os olhos do rapaz fuzilaram a mulher, tomados pela tonalidade rubra, e uma pupila que de tão fina, mal era percetível.

— Trabalhadores em lojas de armas são todos arrogantes e cheios de si assim? Por isso não tem clientes. – Afiou a língua como o ferreiro afiava a espada no exterior, o qual cessou as marteladas de imediato. – O cheiro de ferro queimou seus poucos miolos, e não consegue atender o pedido de um mero Espadachim. Me pergunto como consegue vender armas a cavaleiros. – Fez uma pausa, num suspiro, e a passada efetuada, pareceu mais que o corpo dispararia contra a mulher. Seus olhos se fecharam, e não se conteve. – Isso só demonstra que a loja não é capaz de vender seu armamento, por burrice da atendente que aqui trabalha!

A sombra tomou todo o cômodo. A garota susteve um sorriso que desencadearia numa risada, como se tudo aquilo fosse um teste à vontade do recente Espadachim. O homem não mais martelava o ferro, mas sim, ocupava toda a saída, com a destra tocando a parte superior da porta. Seu rosto estava sério, porém calmo. O silêncio se fez, Nero voltou seus olhos rubros ao maior, e endireitou sua postura.

— Possui a garra que queremos em nossos clientes Espadachins e Cavaleiros. – Disse de forma calma, fechando a porta atrás de si. – Sente-se, garoto.

— Só para constar… - Disse a garota atrás do balcão, se debruçando na madeira com ambas as mãos envolvendo as bochechas rosadas. – Era um teste, garotinho. – E lhe piscou o olho.

— Não acredito que me fizeram perder as estribeiras com testes. – Suspirou pesadamente, e desviou os olhos para o ferreiro que limpava as mãos num pano grosso, e então, se sentava no sofá, ocupando mais de metade deste. – Prefiro ficar de pé, agradeço. – Disse de forma solene.

O homem juntou ambas as mãos, com os dedos que abraçaram uns aos outros. Os olhos fixaram-se no rapaz, e prosseguiu num tom brando.

— Nossa dinastia tem a mesma idade dos Lordes e Paladinos das linhagens reais.

— E?

— E, que sabemos todo o processo pelo qual um Espadachim passa, como se fossemos o próprio Espadachim. O mesmo vai para cavaleiros, e afins. Somos nós, os Howard, que desde que a humanidade emergiu dos confins da inexistência, criamos as armas lendárias dos contos de fadas. – Franziu o cenho.

— Acha que vou engolir? – Nero respondeu, quase desatando em risadas, apesar de que em seu âmago, queria acreditar. – Criou a lendária espada de Ouro?

— Não. – Disse a garota atrás do balcão. – É mesmo uma criança para acreditar nisso, pft! – E desatou em risadas.

— É jovem, vejo isso. Não possui mais de doze anos, o que te torna nosso cliente mais jovem à face da história.

— Isso quer dizer que só Espadachins vêm comprar aqui?

O gigante assentiu positivamente com a cabeça.

— Em dois dias terá a sua primeira missão sob custódia de um dos Cavaleiros que se postar ao serviço, certo? – O ferreiro maneou as mãos, gesticulando enquanto falava.

Nero assentiu com a cabeça, mantendo-se inerte no meio da sala.

— Pois bem. Até lá, me entregue sua espada, que verei no que posso melhorá-la. – E estendeu a destra, calejada como a do próprio Espadachim.

Nero segurou no punho da espada, como se fosse sacá-la, mas a recuou mais ainda para o próprio flanco. O maior carregou o sobrolho, e então, questionou.

— Não pareça um animal selvagem, garoto. É um Espadachim a mando da corte. – Balançou negativamente a cabeça, mas viu que Nero neutralizava o corpo.

— Eu quero uma espada forjada a meu mando. – Disse com clareza, fazendo o timbre a cada dia mais forte, ecoar pela sala, assim como o ronco em sua barriga. A garota atrás do balcão conteve a risada. – Garotas da capital são todas assim?! – Nero apontou para a garota, a qual revirou os olhos, ainda debruçada e apoiando o rosto emoldurado pelas mãos.

— Garoto. – Disse o homem, de forma calma. – Somente Cavaleiros podem fazer certos pedidos, com o uso de certos materiais. – Falou num tom brando e claro.

— E que materiais limitam os cavaleiros de um Lorde?

— Vários. As armas de Cavaleiros só podem ser refinadas por Elunium das minas. Aquele que parece carvão. Já a dos Lordes, com Oridecon reluzente.

— E o que fará com a minha espada? – Perguntou Nero, retirando a lâmina de ferro de dentro da sua bainha nova, a segurando na horizontal com ambas as mãos, e olhando como a mesma espelhava seus olhos que brilhavam no tom rubro.

— Afinar seu fio, endurecer sua estrutura para vibrar menos a cada ataque. – Levantou-se do sofá e caminhou até Nero, pegando sua espada como se pegasse em um feto. – Envolver o punho. Um pomo novo e mais confortável para as mãos enluvadas. Enrijecer o guarda-mãos. – E ao terminar de falar sobre a última peça, dobrou facilmente a estrutura do metal naquela área. – Imagine que estava em uma batalha quando isto acontecesse.

Nero assentiu com a cabeça, e notou como a espada parecia pequena nas mãos do forte homem, o qual soltou um suspiro pesado, que embaçou o ferro.

— Vai ficar como uma espada nova. E será melhor do que qualquer uma que consigo criar neste momento. – Olhou o mais novo diretamente nos olhos, o qual retribuiu.

— E por quanto isso ficará?

— Pouco mais de quatro mil. – Rebateu, passando a mão pela parte lisa da lâmina. – Está em muito mau estado. Provavelmente tem mais de oitenta anos.

— É, provavelmente. – Falou a garota do outro lado do balcão, concordando com o pai, com seus olhos curiosos na arma.

— Ela pertencia ao Mestre Espadachim. – Explicou Nero. O ferreiro franziu o cenho, e o encarou.

— Então está explicado. O velho A’Daragon sempre guarda todas as suas espadas.

— Mas quatro mil é muito para mim. – Nero continuou o assunto do preço.

— Mas você parece ter uns dez mil por aí, na sua bolsinha. – A garota falou novamente, apontando para a bolsa do rapaz.

— Silêncio, filha. – Disse o ferreiro. – É o preço mínimo. Materiais andam escassos devido às passagens subterrâneas estarem entupidas.

— Terei que fazer contas então… - Rebateu Nero, numa postura altiva, se caso fosse mais alto, olharia de cima para baixo perante o homem, mas acontecia o oposto. – Lhe dou a posse de minha arma, até daqui a dois dias.

A verdade é que Espadachins são obrigados a fazer parte da primeira missão em dois dias após a última admissão da temporada. Neste caso, Nero havia sido o último Espadachim permitido nas forças de Fial. Mas uma missão não era atribuída a todos Espadachins.
Na cidade, próximo da entrada Leste, uma grande placa de madeira suspendia pedaços de papel que esvoaçavam ao vento. Estes eram afixados por homens enviados pelo próprio Rei, contendo as várias tarefas que poderiam ser adquiridas pelos Espadachins e Cavaleiros. Estas eram retribuídas maioritariamente com dinheiro, mas algumas, com títulos e posses superiores. Separando das normais, as que continuam um selo da cavalaria, ou dos templários, em suas cores respetivas, eram as missões obrigatórias da época para os de classe menor. Espadachins eram obrigados a escolher… Ou a missão dos Cavaleiros, ou a missão dos Templários. A maioria das escolhas, ia para a dos Cavaleiros, mas esta também gerava o maior número de casualidades.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "As Raízes de Yggdrasil" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.