O Sexto Comando escrita por Mitchece


Capítulo 16
Parte II: O Vespeiro - Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, perdoem-me pelas coisas que acontecerão nessa segunda parte da história.

Aqui vocês vão encontrar amadurecimento da personagem principal e também ver de perto o que de ruim Alpha pode proporcionar para os desavisados em suas ruas

Ah, claro, terão novas personagens, novos conflitos e um universo de possibilidade se expandindo que faz uma guerra parecer cada vez mais inevitável. Diria que, se a Parte I tinha uma vibe mais misteriosa e furtiva, aqui vocês vão ter contato com uma trama com mais respostas e totalmente guiada pelas consequências de todos os 15 capítulos anteriores - sem abrir mão da tensão e dos acontecimentos absurdos.

Segundamente, bem-vindos ao Vespeiro e boa leitura!



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 — Não se mexa, Lince. Sou eu, Mirella – disse a voz que surpreendera Lince com uma faca em seu pescoço. E Lince a reconhecera. Logo depois a associou com o nome dito. A conhecia do Formigueiro. Mirella era uma das amigas mais antigas de Mario, seu antigo companheiro, e também quem estava cuidando dele enquanto estava doente nos últimos dias. Mirella sempre ajudou na ala dos feridos do Formigueiro e era uma das poucas pessoas tidas por Lince como pacífica e serena. Nunca haviam conversado por mais de dois minutos antes, mas se conheciam levemente.

— Desculpa, tenho que fazer isso. Sei que é inofensiva, mas somos obrigados a ser atentos.

— Mirella?!

— Não hesite, por favor. Sem movimentos brutos. Tenho que te encaminhar até o Vespeiro para que te vistoriem – ela disse baixo no ouvido de Lince, com calma.

— Tudo bem, tudo bem. Por que a faca?

— A tensão com o norte diminuiu, mas temos que manter a cautela. Estamos com ordem pra desconfiar de todos os comandos, qualquer um. Já fomos atacados por eles umas semanas atrás e não foi nada legal. Me acompanhe por favor, vamos com calma e não hesite, senão serei obrigada a agir.

— Tá bom, já entendi.

Mirella não soltou Lince e nem tirou a faca de seu pescoço, mas a segurava com mais leveza, relaxada; parecia estar naquela posição apenas para fingir que estava escoltando a garota. Começou a dar passos e Lince a acompanhou vagarosamente.

— O que tá fazendo aqui? – Lince perguntou curiosa enquanto elas andavam. Estava um pouco perdida nos pensamentos.

— Ah, eu já estava com planos de me mudar pra cá faz tempo, mas como tava cuidando do Mario, adiei um pouco. Vim para cá logo que ele melhorou. Sempre fiquei por perto, já era praticamente daqui, só faltava me mudar fisicamente mesmo. Tem outras formigas antigas aqui também.

— Entendi.

— E você, por que veio para cá?

— E-eu... – Lince nem sabia por onde começar. – Mirella, o Mentor vendeu o Formigueiro todo para a Patrulha.

— O que? Você tá falando sério?

Lince contou-a tudo durante o caminho. Mirella até desacelerou os passos para poder ouvir toda a história antes que entrassem no prédio abandonado. Lince disse sobre o plano do Mentor, sobre sua morte, o sequestro das formigas, sobre como tentou impedir o transporte, sobre o exército da Patrulha à espreita para levar as crianças ao destino final...

— Caramba, Lince! Isso é... Simplesmente loucura! E eu podia estar entre eles nesse momento. Isso é assustador! A Patrulha também vem sendo um problema aqui no oeste, mas não imaginava que ela era tão... Agressiva, e que deixaria de pegar as crianças das ruas para comprar  – ela fez uma pausa para refrescar os pensamentos. – Meu Deus! Mario, Mía, Jango... Eles...

— Sim... – Lince disse com pesar, e também se lembrou de Oliver. – Alguns conseguiram escapar, mas não sei quais. Temos que torcer pra ter sido um deles.

— E então... Isso quer dizer que o Formigueiro não existe mais?

— Tava lá até hoje cedo. Não tinha mais ninguém. Uma ou outra formiga aparecia, mas saia correndo logo quando via tudo vazio.

— Você precisa falar com a Amely. Urgente.

— Quem?

— A nova chefe do comando. Você precisava ter visto... Se acha que só no leste acontecem umas piras loucas... Ela matou o Geléia. Cortou a garganta dele na frente de todo mundo, no refeitório, e tomou o poder. O cara tava enfrentando uma crise foda por causa das tretas com o norte. Ela teve muito apoio...

— Que horror. Certeza que tenho que falar com ela?

— Sim. Eu acredito em você, mas vai ter que convencer ela sobre tudo que me disse.

— Tá ok. E onde ela fica?

— No Vespeiro mesmo. Ela administra toda a zona dentro lá do topo, na cobertura. Ela é incrível.

— Imagino... – Lince disse irônica. Já imaginava uma mulher gorda e espinhenta, feia e mal-comida mandando em todas as crianças dali movida por sua ambição por dinheiro. Uma versão masculina do Mentor.

E enfim chegaram à entrada do terreno do Vespeiro. Pararam em frente do portão de ferro. Mirella soltou-a, olhou para uma das guaritas ao lado do portão e fez sinal de OK com as mãos. O portão abriu num solavanco.

— Bem-vinda ao Vespeiro.

— Obrigada...

Mirella entrou no terreno logo atrás de Mirella. A garota parou e virou-se para ela.

— Vão te revistar agora. Se tiver com qualquer arma, não se preocupe – Mirella disse -, vão te devolver quando sair daqui.

— Tudo bem.

Lince não gostava da ideia, mas aceitou. Dois garotos saíram da guarita e foram até a formiga para revistá-la. Gostava menos ainda de ser tocada. Quando a mão de um deles passou pelo seu machucado, ela se assustou e quase hesitou para revidar com um belo soco na cara, mas se conteve. Eles tiraram a pistola de sua cintura.

— Limpo agora – um deles disse voltando para a guarita.

— Relaxa – Mirella disse à ela sorrindo. – Não vai precisar disso aqui.

Mirella tinha a mesma idade e tamanho de Lince, mas era mais magra e tinha um corpo mais no padrão do que os garotos gostavam. Ela tinha um rosto fino, pele cor de canela, olhos verdes e um cabelo longo enrolado, daqueles que mesmo sem qualquer cuidado ficam simplesmente fabulosos. De longe era uma das meninas mais bonitas do Formigueiro. Ela subiu as escadas da entrada do prédio abandonado e atravessou o arco na parede. Pararam em um enorme hall. Ele era escuro e estava cheio de garotos e garotas armados fortemente e eretos rentes às paredes. Não havia nenhum móvel no local. Seguiram em linha reta até o final do cômodo.

— Ok. Vou levar você direto pra Amely. Conte tudo o que aconteceu no leste pra ela. A sala dela fica no último andar.

— Eu vou ter que subir de escada até lá? – Lince disse desanimada.

— Claro que não! – Mirella riu – Nós temos elevadores.

— Mas nesse prédio... Ele é seguro?

— Claro que é – uma voz surgiu à direita. Um garoto aproximou-se das duas meninas. Ele era baixinho, com cara de rato, branquelo, mirrado e de cabelos castanhos bagunçados – Eu mesmo consertei. É 100% seguro. Garanto.

Lince olhou meio torto para o menino. Não gostou de seu jeito marrento. Parecia-se com ela.

— Lince – Mirella esclareceu -, esse é o Duda. Nosso pequeno gênio dos paranauês que ninguém entende nada. Computadores, acho.

— Prazer – ele disse, mas Lince não respondeu, apenas o olhou dos pés a cabeça.

— Depois que sair da Amely, me procure – Mirella prosseguiu. – Te espero no pátio. Fica no quinto andar. Evite os andares abaixo disso. Lá que ficam os... desocupados. Drogados, traficantes, baderneiros... Você sabe. Pessoas como as formigas.

— Tudo bem.

— Depois de você, senhorita – Duda disse esticando os braços como um cavalheiro para Lince andar em sua frente. Ela virou os olhos, entrou no elevador seguido por ele.

Rumaram pelos vinte andares calados. Lince estava com medo que o garotinho a enchesse de perguntas ou assuntos chatos, então desenhou uma cara fechada e de poucos amigos, a qual o garoto entendeu. O elevador deu certos solavancos. Era antigo, amarelado e o espelho estava todo quebrado. Tinha daquelas portas sanfonadas velhas. Não combinava com o restante da estrutura, que parecia ser mais recente. Provavelmente era um improviso. Subiram devagar, meio balançando, mas chegaram em segurança.

— Pronto, madame – Duda disse com simpatia. As portas se abriram e Lince saiu do elevador – Até mais.

Ele apertara um botão e desaparecera na caixa de metal. Lince olhou ao redor. Era um andar completamente vazio. Não havia nenhuma parede, apenas pilastras da construção e a carcaça externa. Estava tudo vazio, de verdade. No momento sentiu um arrepio. Só dava para ver as paredes finais, repletas de janelas e vidraças enormes.

— Aqui – uma voz feminina veio do fundo. Lince virou-se e caminhou para a parte de trás do tubo do elevador, qual ficava bem no meio do prédio, como se fosse sua espinha.

Ela andou até conseguir ver a mulher. Estava bem ao fundo, perto de uma enorme vidraça, sentada sobre uma mesa de escritório, olhando para fora. O tempo estava limpo, com poucas nuvens. – Aproxime-se.

Lince caminhou até ela. Teve até certo medo, mas manteve sua cara séria e petulante. Ela era a mandachuva daquele comando enorme e organizado, deveria ou ser muito rígida ou muito má. À frente da mesa haviam duas poltronas azuis desgastadas, e sobre ela um notebook.

— Qual o seu nome?

— Lince – ela pensou em mentir, mas depois desistiu. Amely virou a cadeira giratória em sua direção para poder analisá-la. – Eu vim do leste.

Ao ouvir a palavra “leste”, Amely ergueu uma das sobrancelhas.

— Eu sou Amely. Líder desse comando – Ela era extremamente linda e, ao contrário do que esperava, jovem. Tinha enormes cabelos platinados ondulados e uma pele escura tão lisa e macia que parecia ter ficado um ano no SPA. Não usava maquiagem e nem parecia ter tido esforço em se portar com beleza em suas roupas, mas mesmo assim exalava uma ótima aparência; seu corpo era largo e forte, aparentando ter no máximo uns vinte e poucos anos.

— Não esperava que fosse tão nova – Lince não resistiu em falar. Queria arrancar algo dela que justificasse ser tão nova e estar tomando conta do Vespeiro, além de ter assassinado seu antecessor. Amely deu um sorriso, apoiou-se na mesa e disse:

— Meu irmão era o líder daqui. Foi por anos, mas ele acabou se metendo em umas coisas que estão além dos deveres de líder de um comando. Aqui nosso forte são os contratos de serviços de nossas Vespas, não tráfico e coisas do tipo, que nos fodem com os outros. Somos muito bem pagos por isso. Por fim, ele foi silenciado e eu tomei seu posto.

Aquilo deixou a situação um pouco mais hard. Ela havia matado o próprio irmão para tomar o poder.  A cada minuto que se passava, a aura em torno de Amely aumentava e ameaçava Lince. Sua voz era forte, grossa e segura. A voz de uma ponta firma, líder nata. Sem falar no seu português quase perfeito e lindo de ouvir. Se dissesse ofensas à si mesma, seriam ofensas completamente justificáveis e certas. Mas o pior era o tom que usou ao citar o irmão: não havia nem um resquício de rancor sequer ali.

— E então, menina Lince – ela respirou fundo e continuou  falando. – Só para se situar. Ninguém entra ou sai desse comando sem antes passar por mim, e está aqui para, digamos, eu verificar se posso te dar um passe livre. Não sei o que veio fazer por essas bandas, mas, depois da nossa conversa, se eu te achar apta e caso queira, pode ser treinada para entrar nas equipes. Eu controlo cada detalhe dessa zona e sei de tudo o que se passa por aqui. Quando estava a uns três quarteirões daqui, já fui informada que uma criança de outro comando se aproximava. Se mentir, for desonesta ou tiver intenções escondidas, saiba que eu vou descobrir, cedo ou tarde.

— Tudo bem... Minha intenção não é ficar – Lince disse séria, até mesmo um pouco impertinente. Os trejeitos de Amely feriam sua zona de ego.

No começo, achou um pouco estúpido por parte da mulher recebê-la ali, sozinha, mas logo depois notou o walkie talk sobre a mesa e algumas movimentações por de trás dela. Provavelmente os seguranças da líder do Vespeiro.

 - Então, você veio do leste, não? Sabe, ontem chegou aos meus ouvidos uma história sobre o comando do leste – ela assumiu uma voz mais séria e um pouco ameaçadora no fundo. - Me disseram que ele tentou acirrar a disputa entre o oeste e o norte. Tsc, tsc. E conseguiram. A coisa ficou feia. Tivemos ataques, perdemos muita gente em batalha, armas, material, dinheiro... Quase perdemos até mesmo nossa própria sede. O norte é um pouco... radical, impulsivo. Além disso, tem uns pirados pelas ruas sequestrando minhas crianças e não acho que seja em vão. Aliás, acabei de ser informada que você tem informações sobre isso, e gostaria de ouvir tudo. Tenho toda a razão do mundo pra te empurrar dessa janela, garota. Colabore comigo e isso não vai acontecer.

Amely desviou da mesa e andou vagarosamente até Lince:

— O que a trouxe aqui?

— Não precisa ter rancor do comando leste – Lince disse tranquila. Agir de forma diferente agora seria bobagem.

— E por que deveria confiar em você?

— Porque comando do leste não existe mais. O Mentor foi morto pelo próprio Monteniere e as crianças foram todas capturadas pela Patrulha – enquanto ouvia, Amely desdenhava uma feição quase prazerosa no rosto. - Na verdade, foram vendidas para eles pelo Mentor. Por isso foi morto. Eu vim aqui dar esse aviso. Eles podem estar querendo mais crianças, já que consegui salvar algumas. A não ser que...

— A não ser o que?

— Que você também queira vender as vespas pra eles, né.

Amely soltou um riso.

— Minha querida, eu tenho fontes de lucro muito melhores que essa, e planos menos estúpidos que os do bebezão Mentor. Que o inferno o tenha. Além disso, fecho negócios apenas com pessoas do mesmo rolê que eu. Não é o caso da Patrulha.

— E como tem certeza disso? Cê sabe alguma coisa sobre ela? – Lince perguntou curiosa.

— Muita coisa – Amely disparou e soltou um sorriso no canto da boca. Era um sorriso sensual, de superioridade, como se ela tivesse algo a ver com toda aquela história.

— Sabe...? – Lince perguntou um pouco insegura.

— Sim. Sei até mesmo o que fazem. Só não sei o que pretendem com tudo isso.

— E como sabe?

— Uma fonte. Uma bela fonte. Aqui mesmo, no Vespeiro. Alguém que sobreviveu e conseguiu fugir da Patrulha.

A espinha de Lince gelou.


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