Apenas um dia Qualquer escrita por ninoka


Capítulo 1
Capítulo único


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Era um dia qualquer. Bem qualquer, para falar a verdade.

Não estava frio, nem calor. Não tinha cara de chuva, nem de sol. O ar não estava seco, nem úmido. Pessoas felizes, pessoas tristes. Um dia qualquer.

Num dos metrôs do centro da Nova Zelândia, Raiden também vivia um dia qualquer.

Estava de pé. As mãos, enluvadas: uma acoplada à barra de ferro do transporte, outra segurando um livro.

Raiden contemplava o frio. Não pela sensação térmica -- já que o corpo, livre de nervos sensitivos, não podia sentir aquilo --, mas pelo contexto que aquilo gerava para que usasse luvas ou casacos. Você sabe, as pessoas costumam temer ciborgues.

A divisão entre a pele de seu rosto e seu maxilar artificial era sucinta, então ali já não era necessário esconder. Mas como eu disse, não estava frio, nem calor. Então Raiden parecia só mais um desses lunáticos febris, que usam roupas longas e grossas em situações inadequadas. Um lunático qualquer.

Raiden conseguia burlar os efeitos da inércia e agitação do trem devido a grande força com que se assegurava à barra de apoio, de forma que pudesse depositar inteiramente sua atenção à leitura de 'A Arte da Guerra'; livro que acompanhava fazia já alguns dias.

Penoso. Parece que os homens, as crianças da guerra, sempre estão vinculados a esse tipo de assunto.Talvez tenham até superado; mas eles nunca se esquecem. A guerra está no sangue. O cheiro de morte e o gosto de pólvora está por toda a parte. Você pode tentar esquecer e jogar pra debaixo do tapete, mas esse diabo sempre estará ali, e ele virá com a toda a força quando menos esperar. Por outro lado, não se desespere. Você já sabe que não pode esquecer. Mas pode aceitar; superar. As cicatrizes são profundas, mas nunca é tarde para utilizar seu lado mais sombrio a seu favor.  

"Mãos pro alto!", um assaltante, como qualquer outro louco desesperado, entrou no vagão apontando o revólver na direção de uma passageira sentada. A situação de monotonia de repente se rompeu. O terror foi geral.

"Passa o dinheiro senão eu estouro a cabeça da moça!". Ninguém se mexia, ninguém dizia nada, todos estavam paralisados, porém trêmulos.

Todos, menos ele: o diabo branco; o estripador; pequeno Jack. Todos estes, ou nenhum destes. Meramente Raiden.

"Você", ordenou ele, e o maníaco voltou-se em sua direção apontando a arma, tremendo mais que qualquer um naquele vagão, provavelmente. Era o efeito das drogas. "Que quê é?!", cuspiu com a voz meio encachaçada, o buraco da pistola era tremulamente erguido para Raiden.

"Bote a arma no chão", e quando disse isso, todos ali contorceram o rosto como se pensassem algo como 'coitado. Ele vai morrer' .  

"O-o quê?!", o meliante e sua boca podre tremiam.

"Bote a arma no chão, agora". Um policial ou um idiota? Todo mundo ali se questionava sobre quem era o moço albino. Respostas? Nenhuma. Mas na certa ele levaria um tiro.

E foi o que aconteceu.

O meliante era um desequilibrado, mas seu instinto de sobrevivência ainda era ávido. O homem de cabelo claro parecia uma evidente ameaça, e então, -- pew!—- o tiro foi imediato.

A ideia era simples: a bala rasgaria seu tecido corpóreo, adentrando seu corpo e atingindo algum ponto vital; mas não foi o que aconteceu. Claramente, como se esperava, o tiro acertou o homem, mas para a surpresa de todos, incluindo o próprio atirador, a bala tinha ricocheteado para longe, sem atrever causar um único dano a Raiden.

"Morre, desgraçado!", sem entender o que havia acabado de acontecer, o maníaco gritou e deu mais um disparo. Raiden, sem grande esforço, esticou a mão enluvada a encontro da segunda bala. Até essa altura você já deve esperar o que aconteceu: nada.

Raiden capturou a bala como se apanhasse uma peça minúscula qualquer, bem na palma de sua mão, abrindo-a para todos verem o projétil cair em migalhas. Todos estavam alucinados com aquilo. E o meliante? Bem, ele surtou: veio com tudo para cima, gritando e ameaçando um golpe na molera com a pistola. Coitado; chegou nem a trinta centímetros de distância. Quando se preparou para atacar, Raiden tomou-lhe a arma, desceu para o chão  dando uma hábil rasteira contra a canela do meliante e fazendo cair.

Raiden se ergueu novamente; intacto.

"Eu falei...", falou, aproximando-se, entortando a pistola com as próprias mãos, "pra botar a arma no chão", e soltou os pedaços da arma, que caíram para o chão.

“Que tipo de monstro você é?!”, horrorizado, o maníaco se arrastou de quadris pelo chão e tentou correr para fora. Aos berros e aos socos na porta de vidro do vagão, implorou para que o deixassem sair. Um pobre infortunado.

Em poucos minutos a máquina parou na estação mais próxima; a polícia (que já tinha sido acionada) aguardava o assaltante, com cortesia e algemas. Os passageiros aplaudiram Raiden pelo ato de bravura (embora no fundo não fizessem a mínima ideia do que tinham acabado de presenciar).

Possivelmente, os que estavam ali e que haviam testemunhado o assalto e seu desfecho inusitado, romperam com todos os parâmetros de normalidade que uma tarde daquelas prometia dar. E, provavelmente, como os homens e as crianças da guerra, aquele dia nunca sairia de suas mentes.

Mas, acredite: para Raiden, aquele era apenas um dia qualquer.  


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Notas finais do capítulo

Pra onde o Raiden tava indo de metrozão? Eis a questão
Obrigada à você, que leu e chegou até o final s2