Talk to Me escrita por AliM


Capítulo 1
Capítulo I - Online


Notas iniciais do capítulo

Primeira história original, espero que gostem!



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Acordar. Tomar banho. Ir à faculdade. Ajudar meus pais. Falar com meu namorado. Dormir.

Isso seria mais dramático se, hoje, não fosse o início de uma mudança.

Mínima.

Mas, ainda assim, uma mudança.

Muitas pessoas acham que morar na praia significa diversão eterna, o Éden da juventude, como se nossas vidas fossem um eterno luau com homens e mulheres vestidos com sutiã de coco e cuspindo fogo por aí. Bom, pelo menos pra mim não era assim. Minhas responsabilidades até os dezenove anos sempre foram muito maiores que as de qualquer outra pessoa com no mínimo 25 anos e, por isso, muitas vezes a única coisa quem me restava da praia era a paisagem e a brisa.

Mas hoje era um dia diferente. Minha cidade estava sediando o campeonato regional de surf, o que, pros meus pais, significava mais dinheiro, e, pra mim, mais trabalho, mas também mais pessoas para conversar e mais coisas para me distrair.

Infelizmente eu tinha obrigações com o surf, já que meu namorado iria participar e, segundo ele, essa era a “primeira grande chance dele de mostrar todo o seu talento e todo o seu esforço de anos para o país”.

Tony era o garoto mais bonito que eu havia conhecido em toda a minha vida. Conheci ele há três anos em um parque de diversões. Ele veio da Austrália para estudar e cuidar do seu tio que estava um tanto doente. Por coincidência, o seu tio era meu professor de ginástica e tratou logo de nos aproximar. Tony sempre foi super simpático, mesmo com todas as suas investidas descaradas, e tinha o sotaque mais lindo do mundo. Tony tinha muito para me fazer feliz.

Mas há meses não era o suficiente.

Sua obsessão pelo sucesso estava-o tornando indiferente a mim, ao tio e a qualquer outra pessoa do nosso círculo social.  Sim, eu compreendia totalmente que ele tinha seus objetivos, assim como eu tinha os meus, mas, por menos egocêntrica que eu fosse, não tinha sido feita pra ser tratada como algo tão insignificante.

Por isso o meu único objetivo com aquele campeonato era conhecer pessoas novas, conhecer algo que me motivasse seguir minha vida como queria que ela fosse.

Confesso que não estava tão animada para isso, mas algo tinha que acontecer.

 ­– Anne — a voz melodiosa de Rosa soou pela porta do meu quarto. – O que você ainda está fazendo deitada aí?

— Não tem como ser mais óbvio? Nada – respondi, assim que ela arrancou o cobertor de cima de mim.

— Seu namorado vai competir hoje e você vai ficar aqui? Isso não é do seu feitio. Antes você era a primeira a correr pra areia pra vê-lo surfar.

— Só estou cansada – disse, sentando-me na cama. – Meus pais não param de colocar pilha em mim desde que abandonei o curso e a punição deles por seguir meu sonho é a dupla jornada de trabalho. Eu preciso que o resultado daquela prova saia logo – grunhi, arrastando-me até o banheiro.

— Eu também. Não aguento mais pagar aluguel.

Rosa estava no seu segundo semestre de Design na Universidade Anglo, onde eu, se tudo desse certo, estaria estudando em dois meses. Minha tia Viv havia me chamado para morar com ela enquanto eu estivesse na faculdade e, obviamente, Rosa também se ofereceu.

Saímos instantes depois, acompanhadas de meus pais. Nossa casa ficava à cinquenta metros da praia e, perto de onde estava havendo o evento, ficava o restaurante dos meus pais. Era um dos mais frequentados da região, embora fosse bastante simples.

— Com o mar agitado assim, vai dar pra realizar o campeonato? – Rosa observou, espalhando protetor solar por todo o rosto.

A maré estava mais alta, assim como as ondas, sob nuvens cinzas.

— Se Tony estivesse aqui ele responderia que...

— Mares calmos não formam bons surfistas – sua voz soou atrás de mim e eu logo pude sentir suas mãos em meu quadril. – Você demorou, achei que não viria.

Mesmo estando bastante indiferente, uma parte de mim pedia pra que eu não desistisse daquilo. Estava dividida entre compreender e chutar o balde. Naquele momento eu estava compreensiva. Depois, já não posse ter certeza.

— Perdi um pouco a hora – respondi, beijando-o. – Boa sorte!

Tony nos deixou ali e seguiu para o local da concentração. Ele não parecia nada nervoso.

Demorei alguns instantes observando-o trotar em direção às tendas. Minha mente parecia se confundir cada vez mais.

— U-hum – Rosa pigarreou, observando-me com seus grandes olhos cor de mel sobre os óculos escuros. – Está tudo bem?

— Hum... Sim, Rosa. Claro que está. Tranquilo – falei rapidamente. Rosa sabia identificar um problema como ninguém.

— Ok, Schopper... – respondeu, voltando os óculos para a posição correta.

Devo confessar que eu não entendia nada de surf, muito menos as regras de um campeonato de surf. A única coisa que eu sabia era que Tony, mesmo com a chuva que havia se iniciado, estava brilhando no meio do mar agitado, chegando até a superar alguns surfistas renomados da nossa região.

Ao final da manhã, seu nome parecia piscar em terceiro colocado. Antony Amarina.

— Ei! – comemorei, correndo para abraçá-lo. – Parabéns!

— Ainda não foi o melhor resultado – ele respondeu friamente, mas me dando um beijo na testa. – Não posso comemorar tanto.

— Foi o seu primeiro campeonato...

Tony ignorou meu comentário, puxando-me para fora da tenda. Alguns repórteres de TV local e outros de grandes jornais de esporte o alcançaram na saída. Tony limitou suas respostas e tratou de despistá-los rapidamente.

Nós nos despedimos e eu segui para o restaurante. Por causa do campeonato, estava ainda mais movimentado que o normal e foi preciso que Rosa se juntasse a mim e a Lui para dar conta e, mesmo após o fim da tarde, muitos dos que estavam hospedados por ali optaram pelo estabelecimento dos meus pais.

— Boa noite, Anne! – Patrick, tio de Tony, me cumprimentou no balcão. – Nós tivemos uma ótima manhã.

— Com toda certeza, profes... Patrick – me corrigi. Patrick não gostava que eu ainda o chamasse de professor. – Como está o Tony?

— Não sei bem. Ele está no quarto desde que chegou.

— Hum... – respondi, afastando-me discretamente do balcão. – Rosa! – chamei, puxando-a para detrás das escadas. – Preciso que você me cubra.

— O quê? Não! Você já viu a louc... Você que se encontrar com o Tony, não é?

— Por favor! Ele está sozinho em casa! Já estamos bem perto de fechar o restaurante, você só vai precisar aguentar mais umas duas horas!

— Tudo bem, mas eu vou ficar com a sua gorjeta.

Antes que Rosa pudesse concluir sua fala, eu corri até a porta dos fundos, jogando meu avental sobre a mesa.

A casa de Tony não ficava tão longe dali e eu sabia que a porta estaria aberta. Recuperei o fôlego da corrida no alpendre, antes de abrir a porta. A única luz ligada escapava pela brecha da porta do quarto que era o meu objetivo. Alcancei o batente da porta e me escorei.

— Anne? – Tony se sentou na cama, assustado com a minha súbita aparição. – O que você...

— Eu vim comemorar o seu campeonato... – disse, aproximando-me devagar enquanto desabotoava minha blusa. Quando terminei, a joguei longe e segui engatinha sobre a cama em sua direção. – Achei que precisávamos – finalizei, sentando em seu colo.

Inclinei minha cabeça para frente para beijá-lo, mas ele desviou.

— Anne, eu não estou com cabeça pra isso hoje. Não consigo parar de pensar no meu péssimo desempenho de hoje.

— Como assim “péssimo”? – perguntei, afastando-me. – Você deixou pra trás dois campeões nacionais...

— Anne! – disse, alterando o tom de voz. – Foi. Pouco.

Aquelas duas palavras foram o suficiente para que eu pulasse da cama, indo parar o mais distante possível dele.

— Quer saber? Você é um idiota, Antony! – gritei, recolhendo minha blusa do chão. – Imbecil. Prepotente – berrei pausadamente, enquanto atirava coisas aleatórias sobre ele. Àquela altura, toda a minha sensualidade tinha sumido, dando espaço para a mais profunda frustração. – Egocêntrico! – finalizei, arremessando a sua miniatura da Harbour Bridge, qual ele desviou rapidamente.

— Você está louca?

— Cala a boca! – ergui o dedo em sua direção, puxando o ar com força. – Sabe o que há quatro meses eu vinha desejando? – eu disse, soando quase psicopata. – Que você ficasse bem colocado ou que ganhasse aquele maldito campeonato para que eu tivesse o meu namorado de volta. Nós não transamos há três meses e quando nos encontramos você sequer olha pra mim. Eu tento conversar com você sobre os meus problemas e você me responde dizendo que “finalmente dominei tal manobra” – debochei. – O seu tio vai todas as noites para o restaurante para pedir nem que seja uma água só para ter alguém com quem conversar, porque a família mais próxima dele, no caso você, não sabe olhar para nada além do próprio umbigo.

Tony não teve nenhuma reação e não eu já não tinha mais estômago para dividir o mesmo ambiente que ele. Saí rapidamente dali, batendo todas as portas atrás de mim. Há meses eu vinha sofrendo com pequenas humilhações e não podia deixar isso continuar, por mais extrema que tivesse sido a minha reação.

— Minha nossa, Anne! O que aconteceu? – Rosa saltou da cama por causa do barulho da porta.

— Tony! Aquele desgraçado aconteceu!

— Não! – sua boca se abriu em “O” – Não me diga que ele te traiu!

— Pior – suspirei, jogando-me de cara na cama. – Ele não quis transar – Rosa me puxou, fazendo com que eu ficasse de cara para o teto. – Fiz o melhor que eu pude para que ele voltasse a me desejar, mas parece que a única coisa que lhe tira orgasmos é aquela maldita prancha.

Comecei a andar de um lado para o outro do quarto, contando todo o meu drama para minha amiga. Ela não parecia nada surpresa que eu estivesse passando por uma crise no meu namoro.

— Eu só queria poder fazer algo diferente, Rosa – suspirei novamente, sentando-me ao seu lado na cama. – No fundo eu ainda o amo, mas isso está sendo insuportável para mim. Não tenho coragem de terminar, mesmo que eu sinta que me falta algo.

Rosa parecia digerir cada palavra da minha narrativa e eu quase podia ver as engrenagens de seu cérebro trabalhando.

— Veja isso aqui – ela disse, puxando o notebook para suas pernas. Rosa digitou algo rapidamente no site buscas e foi direcionada para uma página. – Tome.

Na tela do computado havia a frase “Talk to Me” escrito em neon sobre um fundo azul marinho. Abaixo da frase, uma breve descrição da página.

— Aplicativo desenvolvido para pessoas que procuram arejar a vida de uma rotina enfadonha? – perguntei, sem entender o que ela queria passar com aquilo.

— Esse aplicativo foi um sucesso há alguns anos, mas hoje poucas pessoas lembram dele – ela explicou. – Ele foi feito com o intuito de que pessoas na sua situação possam ter algumas pequenas experiências sem que isso interfira diretamente na sua rotina – ela disse, baixando o aplicativo no meu celular. – Você faz uma conta e conversa com algumas pessoas. Ao fim de uma “aventura”, você marca como completa e o seu cadastro é cancelado. A ideia é que você use como uma válvula de escape, não como um aplicativo de relacionamento. Inclusive, uma das instruções é que nomes não sejam informados, mesmo durante as aventuras, para que a ideia central seja mantida.

— Você não acha que isso seria traição? – perguntei, encarando o ícone do aplicativo na tela inicial do meu celular.

— Acho – ela pontuou, fechando o notebook. – Mas não concordo que você deva se sentir culpada. A escolha é sua – ela finalizou, dando de ombros e desligando o abajur.

                                                                                                                       * * *

Rosa estava de férias da faculdade e havia aproveitado para passá-las na minha casa, já que, na cidade onde ela estudava não havia muitas praias. O resultado disso acabou sendo alguns dias de diversão, muitos de trabalho (já que ela se recusava a ficar em nossa casa sem nos ajudar) e noites mal dormidas – para mim. Estávamos há quase um mês dividindo a mesma cama e, sendo Rosa inquieta naturalmente, dormindo não seria diferente. Além de eu estar com a cabeça cheia durante aquela madrugada, Rosa me acertava constantemente com chutes nas costas, me impedindo de conseguir pregar o olho.

Levantei-me frustrada e me arrastei até a sala. Geralmente, quando eu não conseguia dormir, eu me deitava no sofá da sala e observava o céu pela porta de vidro. No entanto, para a minha decepção, o céu não estava estrelado como de costume, o que só aumentou o meu desanimo. Sentei, decepcionada, suspirando.

Atravessei a sala em direção à cozinha e, assim que fechei a geladeira, reparei no meu notebook que eu havia esquecido ali no anterior.

Seria isso um sinal?, pensei.

Sentei-me de frente para o computador e, em alguns instantes, a frase em neon já brilhava na minha frente. Sem pensar duas vezes, cliquei em “versão de navegador” e fui direcionada para uma página de cadastro.

O cadastro não exigia muita coisa, apenas um nome de login e uma senha e a minha idade.

O passo seguinte era escolher uma categoria.

“Desabafo, Viagem...”, eu passava as categorias mentalmente. “...Esporte, Papo... Sexo”.

Sexo.

Parecia ser a categoria perfeita para mim.

Assim que eu finalizei o cadastro, fui encaminhada para a minha página inicial.

“day_tripper acaba de entrar”

No canto inferior da página havia o número 123, que indicava a quantidade de inscritos naquela categoria. Na minha mente, eu só conseguia pensar que 122 eram assassinos em série, mas ainda assim segui em frente.

Cinco minutos após o meu cadastro, uma janela de conversa abriu.

“lifeinrhapsody: fã de Beatles?”

Meus dedos deslizavam sobre o teclado, mas sem digitar nada exatamente. Era a primeira vez que eu falava com um estranho daquela forma e o medo e a coragem pareciam travar uma grande batalha no meu estômago.

“day_tripper: curto algumas músicas. Na verdade, acho um pouco superestimado”

“lifeinrhapsody: nisso eu tenho que concordar”

Dois minutos se passaram sem que ninguém escrevesse nada.

“day_tripper: o que te fez se cadastrar nessa categoria?”

“lifeinrhapsody: uma frustração. E você?”

“day_tripper: estou à beira de uma”.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!



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