1- Passarela

Mais que linda. Estonteantemente linda!
O passo sutil numa reta imaginária. Os membros bailando com seu andar. Todos os olhares fixos de esquina a esquina, até sua parada em frente ao portão enferrujado da casa rosa.
Ela entra. E tudo para.
Quem? O quê? Por quê? Quando? Ninguém sabe o que ela faz ali, mas também não tem importância.
Alguns permanecem, na esperança de vê-la sair.
Nada. Ninguém.
Aos poucos, um a um, todos desistem, mas não por muito tempo, porque amanhã, como todos os dias, a cena se repete.
No mesmo horário, do mesmo jeito. Com os mesmos espectadores.

2- Descobrindo o Mistério

E o desfile da mulher misteriosa e cobiçada durou muito tempo, exatamente sete anos. A curiosidade aumentou e, por fim, estagnou.
De repente, numa tarde nublada e fria, um carro que ninguém esperava parou em frente à casa rosa e velha. 
Um carro preto da funerária.
Olhos surgiram de todos os lados, janelas e calçadas.
O mistério continuou, mas a mulher saiu acompanhando o corpo com lágrimas nos olhos e um semi-sorriso nos lábios.
Seu conflito começava a se desenrolar. 
Sua mãe conseguira, enfim, sair da cama que a aprisionava há anos. E assim um filme passa em sua cabeça.

3- Libertação

A doença que a desligou dos fatos e pessoas pouco a pouco, o Alzheimer, a levou.
E o que para muitos era o fim, para a filha foi interpretado e encarado como uma libertação.

Libertação da dor e sofrimento. Libertação do cativeiro que a vida impôs a sua mãe.
Tantos dias de luta e cuidados se encerravam.
Sem remorso ou culpas.
Fez tudo que pôde.
Aproveitou os momentos e viveria agora com as lembranças das ricas experiências vividas entre as duas.
Das palavras ditas, do carinho praticado e sentido por cada uma.
E assim se cumpriu o ciclo da vida.