Capítulo 2

Respiraram fundo e arrastaram o rapaz de cima do carro para fora da garagem. Assim que chegaram ao lado de fora, ele respirou o ar profundamente, se pôs de joelhos e saudou o sol. Virou-se para os jovens, franziu o cenho e rosnou irritado.

一 Acho que ele quer que a gente se curve pro sol, era um Deus para eles 一 disse o garoto de cabelos castanhos.

一 Isso é ridículo 一 Cris revirou os olhos.

一 Se isso vai fazer ele andar e a gente sair mais rápido daqui, ótimo 一 falou Sam se pondo de joelhos e imitando o gesto dele. Clay jogou a mochila no chão e pôs os joelhos sobre ela e Cris continuou de braços cruzados batendo o pé, enquanto os transeuntes olhavam com estranheza.

一 Isso são as drogas 一 disse uma velhinha ao passar balançando a cabeça.

Clay levantou-se e puxou o rapaz pelo braço. Caminharam pelo quarteirão tentando fazê-lo andar, mas tudo era uma novidade, desde um arranha céu, até o balão colorido de uma criança o fazia parar, observar e tentar tocar. Tomaram um taxi e forçaram - no a entrar.

一 Está tudo bem com seu amigo? 一 perguntou o taxista enquanto via o rapaz em roupa de faxineiro colocar a cabeça para fora da janela.

一 Ele tem problemas… mentais. 一 Falou Clay receoso.

一 Oh, sei como é meu primo Carlos também é assim, coitado 一 Disse o taxista balançando a cabeça.

Em casa, Samantha os levou até a cozinha e enquanto o faraó explorava com curiosidade os eletrodomésticos, os três discutiam o que iriam fazer.

一 Isso tudo, só pode ter a ver com essa coisa 一 falou Clay colocando o cordão sobre a mesa 一 E se a gente tentar prender isso dentro de uma caixa, talvez ele volte a ser uma pilha de ossos, ai mandamos pro museu dentro de uma caixa e fim.

一 É. 一 falou Sam, se dirigindo a uma prateleira onde pegou uma caixinha cor de rosa e entregou a Clay que a mirou com desdém.

一 Quer colocar um objeto mágico milenar dentro de um cofrinho da Hello Kitty?

一 Tem chave, anda enfia isso aí 一 retrucou a garota e ele obedeceu, esperaram um pouco e voltaram a atenção para o rapaz que girava os botões do forno.

一 Não funcionou.

一 Ele deve saber como isso funciona, porque a gente não pergunta para ele? Você não disse que fala árabe? 一 Questionou Cris.

一 Bom, eu… ele fala uma variante antiga…

一 Você só sabe falar algumas frases né? 一 Questionou a garota e ele assentiu 一 parece que o Nerd não é tão inteligente quanto quer parecer.

一 Eu falo seis línguas com fluência, tá bom? 一 defendeu-se.

一 E do que está ajudando agora ou no reformatório que vamos ser mandados quando descobrirem que roubamos uma múmia?!

一 Talvez possamos ensinar ele a falar nosso idioma ou usar comunicação não verbal? 一 disse Samantha indo até a sala  e retornando com um livro de história. Fizeram o rapaz sentar numa cadeira e abriram o livro em uma página com a ilustração das pirâmides. O rapaz passou os dedos no papel com certa nostalgia e suspirou profundamente.

一 Sua - casa, voltar - para - casa 一 falou Sam pausadamente apontando com um lápis para a figura.

一 Ca-sa 一 ele repetiu apontando a pirâmide.

一 Isso 一 disse Sam orgulhosa e ele pegou o lápis da sua mão e tentou comê-lo.

一Não, não é comida 一 impediu tirando o lápis das mãos dele.

一 Temos que voltar para escola ou vão sentir nossa falta e quando perceberem que a múmia fugiu nós seremos os principais suspeitos. Precisamos voltar para lá e fingir que não tem nada acontecendo.

一 E o que a gente faz com ele? 一 Cris apontou pro rapaz que agora tentava morder uma fruta de plástico.

一 Trancamos ele no quarto com comida e água, são só uma ou duas horas ele vai ficar bem 一 disse Clay.

一 Não podemos trancar uma pessoa, é cárcere privado, ele não é um cachorro 一 Sam interviu.

一 Ele está tentando pegar o seu peixe dourado 一 Cris apontou para o jovem que pegou o animalzinho do aquário.

一 Solta ele agora! 一 gritou Samantha.

O trio subiu as escadas e levou o jovem curioso até o quarto de Samantha, assim que chegou ele se pôs a mexer em tudo que lhe chamava a atenção.

一 Tá, aqui tem comida olha一 falou abrindo um dos pacotes que Clay trouxe para cima e o rapaz falou algo que ela não pode entender. 一 Comida 一 falou mordendo um biscoito e ele assentiu com a cabeça pegando um do pacote e colocando na boca 一 todos esses pacotes são comida e isso é refrigerante 一 falou abrindo a garrafa e entregando a ele 一 prove.

O rapaz levou a garrafa a boca e cuspiu de volta limpando os lábios com as mãos.

一 Acho que ele não gostou 一 riu Cris.

一 Okay seu faraó, nós vamos ter que sair, mas a gente volta, você tem comida, refrigerante água e Tv, olha só一 disse pegando o controle remoto e ligando o aparelho fazendo o rapaz tomar um semblante assustado 一 aqui você troca os canais, é só apontar e apertar 一 explicou Sam.

Falou e ele pegou o controle e caminhou até a TV colando o rosto na tela.

一 Credo ele parece meu irmão de três anos. 一 Cris observou enquanto viam ele admirado a TV trocando os canais sem parar 一 É, ele vai ficar bem, vamos.

Desceram as escadas e Sam trancou a porta da frente ainda temerosa. Voltaram a escola e esperaram no estacionamento o ônibus retornar, quando os alunos desceram, misturaram-se a turma como se tudo estivesse bem.

一 Não acha estranho que ninguém comentou sobre a múmia roubada? 一 questionou Clay em tom baixo.

一 Você trancou as portas só vão perceber quando forem lá pegá-lo para expor.

一 É, tem razão.

一 Bom turma 一 chamou a atenção o professor 一 Eu estava em dúvidas sobre o passeio, mas quero parabenizar vocês, foram ótimos alunos tanto no Museu quanto na praça de alimentação. Então podem voltar para a última aula e espero que estejam afiados pras provas. 一 Disse e os alunos começaram a se dispersar 一 Senhorita Walsh, pode me acompanhar por favor 一 Disse o professor Andrew, fazendo Samantha arrepiar-se por inteiro.

一 Claro professor Cummings 一 disse voltando um olhar apavorado aos amigos.

O seguiu pelo corredor até a sala de história e ele se encaminhou até sua mesa.

一 Algum problema professor? 一 Questionou gaguejante.

一 Sim, na verdade há um problema sim 一 ele disse se sentando à mesa.

一 É sobre o passeio?

一 Sim.

一 Eu… foi um acidente…

一 Do que está falando? 一 ele levantou uma das sobrancelhas 一 aconteceu alguma coisa no museu?

一 Não, nada é coisa minha.

一 Eu notei que você e o Clay meio que sumiram. Eu senti a falta dele porque ele tá sempre no meu pé perguntando e perguntando… Mas eu já tive a idade de vocês…

一 Não é o que tá pensando 一 interrompeu ela.

一 Bom, mas eu queria falar sobre seu amigo Michael, ele faltou ao passeio e as notas dele estão péssimas, sei que são amigos então achei podia falar com ele, porque se ele não for bem na próxima prova, vou ter que enviar as notas dele para equipe de atletismo e ele vai perder a vaga.

一 Ah isso 一 suspirou aliviada 一 Vou falar com ele e ajudar a estudar.

一 Obrigada senhorita Walsh.

一 Pode me chamar de Sam.

一 Tá bem Sam. 一 ele disse com um sorriso que a fez suspirar.

一 Bom, eu tenho que ir. Até a próxima aula. 一 falou se afastando. No corredor, Clay e Cris já a aguardavam ansiosos.

一 Relaxem não tinha nada a ver com a múmia, me encontrem na minha casa depois da aula vou dar um jeito de despachar meu irmão.

一 Vou ter que passar em casa primeiro ou a minha mãe surta 一 disse Clay.

一 Eu vou no seu ônibus, minha mãe tem cinco filhos ela dá graças a Deus quando um de nós resolve não dormir em casa 一 relatou Cris.

Sam concordou com a cabeça e cada um seguiu para sua respectiva sala. Mais tarde, as amigas pegaram o ônibus juntas e cochichavam baixinho sobre o ocorrido da tarde. Samantha, disse pro irmão passar a noite na casa de James, e apesar de Bryan ficar desconfiado com a atitude, afinal, a irmã nunca permitia que dormisse fora de casa quando o pai estava viajando, aceitou sem pestanejar. Queria uma noite longe dos desmandos dela, regada a jogos de videogame, salgadinhos e filmes de terror já que os pais do melhor amigo eram médico e enfermeira e dificilmente dormiam em casa.

Chegaram na residência dos Walsh e tudo parecia normal na sala, exceto pelo rastro de salgadinhos amarelos que levava a cozinha.  Caminharam as duas a passos lentos encontraram uma verdadeira catástrofe, havia leite derramado, pacotes de diversas coisas abertos, presunto mordido, e diversas garrafas de vinho da adega abertas.

一 Ah meu Deus 一 falou levando a mão a testa 一 meu pai vai me matar, ele guardava essas garrafas há anos.

一 Você não trancou ele no seu quarto? 一 questionou Cris.

一 Não eu, e se ele quisesse ir ao banheiro?

一 Por acaso você ensinou ele a usar o banheiro? 一 as duas se entreolharam apavoradas.

Subiram as escadas e viram o barulho da televisão no quarto de Sam e seguiram até la, espiaram na porta e viram o rapaz cambaleante com uma garrafa na mão que parecia tentar dançar.

一 O que ele tá fazendo?

一 Acho que está assistindo dança das estrelas 一 Adentraram o quarto e ele soltou uma gargalhada sonora.

一 Ankhesenamon 一 disse pegando na mão de Sam e a puxando para ele.

一 Hei…. 一 disse dando um giro e se desenredando dos braços dele.

一 Ankh…

一 Ele tá bêbado e acha que você é a esposa múmia dele. 一 Ele é gato. Droga porque essas coisas não acontecem comigo! 一 suspirou Cris.

一 Ankhesenamon… 一 falou pegando a escovão do sanitário que agora estava enfiado em um vaso ao lado da cama e entregou para ela.

一 Olha, ele tá te dando “uma flor” 一 caiu Cris na gargalhada.

一 Para de rir e me ajuda a levar ele para baixo, vamos dar um café para ele e ver se cura o porre.

Pegaram uma em cada braço e ajudaram-no a descer as escadas, o colocaram sentado no sofá da sala, ligaram a TV e foram para cozinha. Samanta se pôs a procurar as coisas para preparar o café no meio de toda a bagunça, quando Clay chegou e bateu na porta da cozinha.

一 Nossa que sujeira. Um furacão passou aqui? 一 perguntou tirando um par de luvas cirúrgicas da mochila e as vestindo.

一 É um furacão e o nome dele é Tutankhamon, já descobriu como despachar ele de volta? 一 falou Sam irritada.

一 Seja lá como for, tem a ver com isso 一 falou pegando o amuleto. Temos que fazer com que ele faça isso funcionar. Só isso.

一 Acho que vai ser meio difícil com ele bêbado.

一 Deram bebida para ele?

一 Não ele mesmo se serviu, na adega do meu pai. E olha parece que os faraós gostam mesmo de vinho 一 falou apontando as três garrafas sobre a mesa.

一 Vamos tentar achar algo na internet 一 disse Clay.

一 Ah claro, pergunta pro google como devolver uma múmia pro passado 一 retrucou Cris.

一 Qual o seu problema comigo? 一 indagou Clay.

一 Ah.. você quer dizer além de você ter nos metido num problema que pode causar a terceira guerra mundial e termos roubado uma múmia do museu do cairo, que come feito um zumbi que acabou de despertar e que agora tá pensando que a minha melhor amiga é esposa morta dele, nenhum problema…

一 Eu meti vocês? Foi você que pegou aquela pedra e ela deixou cair, eu só estava tirando fotos, não tinha tocado em nada. 一 Retrucou Clay.

一 Chega! Não importa como nos metemos nisso, nas teremos que trabalhar juntos se quisermos sair.

Passaram a noite entre livros de história e sites arqueológicos na internet. Pontualmente às 11h Edgar ligou e Samantha tentou respondeu suas perguntas tentando aparentar a tranquilidade de sempre.

一 E o Bryan já foi dormir?

一 Ah, eu deixei ele dormir na casa do James hoje, fiz mal?

一 Não, James é um bom garoto. Filha eu sei que disse que voltaria amanhã para casa, mas acha que consegue segurar as pontas por mais dois dias? Eu tô quase fechando uma boa venda aqui.

一 Tá tudo bem pai, eu posso usar o cartão de crédito, tá faltando umas coisas do mercado.

一 Claro, compra o que quiser. Boa noite filha.

一 Boa noite pai. 一 desligou e voltou o olhar a  Tutankhamon, caído num sono profundo no sofá da sala.

***

Já eram três da manhã e Samantha preparava o terceiro bule de café para os amigos.

一 Não adianta, eu não encontrei absolutamente nada sobre essa pedra 一 falou Clay exausto pegando uma caneca e passando uma flanela com álcool em gel envolta dela antes de se servir de café.

一 A xícara tá limpa.

一 Eu sei, é pros germes e vírus.一 ele respondeu e ela revirou os olhos.

一 Tem alguma coisa pra comer? De preferência que esteja ainda lacrada e tenha baixo teor de carboidrato一 ele falou.

一 Não, ele comeu toda a comida que já tava pronta da casa, na verdade ele comeu até a ração do gato de rua que alimentamos 一 Relatou Sam.

一 Ele é um zumbi 一 disse Cris 一 É assim que começa nunca viram os filmes, eles tem uma fome que nunca acaba, até perceberem que precisam de cérebros humanos.

一 Ele não é um zumbi 一 Disse Clay.

一 Como pode ter certeza? hoje de manhã ele estava morto. 一 Questionou a garota e ele se dirigiu ao jovem adormecido.

Tocou seu pescoço e sorriu.

一 Ele tem batimentos cardíacos 一 zumbis só tem leves impulsos cerebrais.

一 Ah tá e o que diz isso? Sua vasta experiência em zumbis? 一 debochou a garota.

一 Gente chega, eu tô exausta e amanhã tem aula, melhor irmos dormir, quando ele acordar a gente vê o que faz. 一 Samantha falou bocejando 一 Pode Dormir no quarto do meu irmão Clay, ou melhor dorme no do meu pai é a terceira porta a esquerda, você não ia conseguir pregar o olho no meio daquela sujeira do Bryan.

一 Eu Agradećo,mas vou voltar para casa. Minha mãe pensa que estou no meio de um estudo sobre polaridade de elétrons no porão. Então até mais.

一 Já é madrugada, não acha perigoso andar pela rua?

一 Eu sei me cuidar 一 falou se dirigindo a porta. 一 vou ver o que eu descubro e mais tarde eu passo aqui.

Sam o levou até a porta e depois se voltou a amiga.

一 Eu sei me cuidar 一 ela repetiu com uma voz sinistra 一 Talvez ele realmente seja um serial killer ou algum tipo de corpo biológico alienígena que trouxe essa coisa de volta a vida… É isso, não dizem que os faraós eram ligados aos ets por isso construíram as pirâmides?

一 Cris, você precisa dormir.