Sentidos escrita por


Capítulo 3
Paladar


Notas iniciais do capítulo

Tema três: a primeira vez que cozinhamos juntas.



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Ter certeza é melhor do que imaginar. Acordar é melhor do que dormir. E mesmo o maior fracasso, mesmo o pior e mais incontável erro é melhor do que nunca tentar.

Amélia me buscou em casa, como sempre fazia, e me levou para a parte Oeste da nossa ilha, a parte que tinha dragões. Eu amava o Leste, é claro, com suas montanhas, campinas e cachoeiras, mas o Oeste era uma das minhas novas paixões. Ele tinha um cheiro mais amadeirado por causa das florestas, bosques e matas, e o clima era mais quente por causa dos dragões; além, obviamente, do movimento do porto e da feira de especiarias de toda Nnanrena.

— O que vamos fazer hoje? — Perguntei, deitando-me de costas em Elphaba. Era fácil confiar nela e em Ames depois de alguns voos – e depois de ter caído e ser resgatada em pleno ar. Por isso eu tinha a total certeza que elas me salvariam se eu perdesse o equilíbrio.

— A festa das estações está chegando e os Patrulheiros ficaram responsáveis pela comida — Ela riu de forma nervosa. — Eu não faço ideia de como cozinhar, por isso trouxe você.

— Isso vai ser um desastre — Eu gargalhei, tirando um dos cachos do cabelo do rosto. Cabelo cacheado já dava trabalho. Quando voávamos, então, a situação piorava. Não que eu reclamasse. — Eu não sei cozinhar também.

— As gêmeas prometeram ajudar a gente, então estou tranquila — Ela comentou, e depois suspirou. — Na verdade eu só te busquei como um pretexto para eu passar mais tempo com você e com a Liccy... assim que a festa acabar, eu e Elphaba vamos até Cire em uma missão dos Patrulheiros.

— O que tem lá em Cire? Algum dragão causando problemas? — Perguntei, curiosa, me sentando em Elphí rapidamente. Ela grunhiu com o movimento brusco, então eu fiz um carinho em suas escamas. — Desculpa, garota.

— Bom... Felícia está querendo um vestido novo, e sua mãe me disse que lá ficam os melhores costureiros de toda a Nnanrena. — Ela estava ficando nervosa. Eu conseguia sentir os espasmos em seu corpo. Abracei suas costas.

— E o que mais?

Ela suspirou fortemente, abaixando a cabeça.

— Alen recebeu um pedido de ajuda de lá. Parece que uma frota de navios estrangeiros atracou no cais de Cire buscando ajuda... a carta descreveu eles como se saíssem de um ataque e disse que precisavam de alguns suprimentos para conseguir ajudar a todos...

— Amy, o que tá acontecendo? Você está tremendo... — Eu notei, apertando seu corpo entre meus braços.

— A frota tinha o símbolo dos meus pais, Rania. O símbolo da milha ilha. Os acolhidos em Cire são refugiados de Honni. — Ela respondeu, a voz trêmula. Eu arregalei os olhos e ofeguei, surpresa. Há dois anos, a ilha em que Amélia morava com a família foi atacada pelos Exterminadores, liderados por Dimitri. Ela e a irmã conseguiram se salvar antes que eles matassem Elphaba, e nenhuma das duas havia recebido nenhuma notícia sobre seu povo. Até aquele momento.

— Quantas pessoas se salvaram? — Perguntei. Amélia deu de ombros, me puxando para mais perto. Eu senti quando ela se virou para mim, cruzando as pernas em cima do dragão sem medo de cair.

— Eles só falaram que muitos feridos e muitas crianças estavam à bordo. Eu estou com medo, Rania. Não quero chegar lá e descobrir que meus pais não sobreviveram... — Ela abaixou a cabeça, encostando em meu peito. Coloquei a mão em suas bochechas e afastei a franja de seu rosto.

— Bebê, você não acha que é mais... fácil saber e aceitar do que viver na expectativa? — Perguntei, baixinho. Eu senti quando a primeira lágrima dela escapou, molhando meus dedos. Eu, porém, não me mexi. Não sairia daquela posição até que ela estivesse forte o suficiente para enfrentar o que vinha pela frente.

— Eu fico imaginando tantos futuros possíveis... — Ela soluçou. Abaixo de nós, Elphaba se remexeu para demonstrar que estaria com Amélia em qualquer situação. —Eu sei, garota. — Ela acariciou seu bichinho de estimação.

 — Tente não imaginar, então. Você precisa estar pronta para o pior, mas nós acreditaremos que o melhor está por vir, tá? Vamos pedir para Ihé. A senhora da Luz não vai nos desamparar nesse momento, Amy. E, assim como Elphaba, eu estarei aqui em qualquer situação.

Ela sorriu enfim e me abraçou. Ficamos assim por alguns minutos até que ela se soltou. Ergui minhas mãos e sequei seu rosto com a manga da minha camisa.

— Vamos cozinhar um pouco? Embora eu ainda ache que vá ser um desastre.

Nós rimos e Elphaba aumentou a velocidade com um bater poderoso de suas asas.

*

Felícia me abraçou assim que Amélia me ajudou a descer das costas de Elphí. A irmã mais nova havia se tornado uma grande amiga para mim, me impressionando com seu jeitinho sempre curioso e aventureiro, igual a irmã. Depois, nós três caminhamos até a Grande Árvore, onde nos reunimos com o resto dos Patrulheiros.

As gêmeas Loreta e Tan me abraçaram e conversamos um pouco antes de Alen chegar e se juntar à nós. O chefe da ilha, pai de Alen, estava junto do filho e veio conversar com Amélia.

— Alen me contou sobre a carta. Você está preparada para isso? — Perguntou. Amélia envolveu minha mão na sua e sorriu ao responder:

— É mais fácil saber e aceitar do que viver na expectativa. — Ela riu e eu a acompanhei.

— Essa é minha garota. — Sussurrei para ela, beijando sua bochecha. Elphaba buscou carinho de mim e de Amélia e Alen sorriu ao nosso lado.

— Então tudo certo. Que os preparativos para a Festa das Estações se iniciem. — O chefe ordenou em sua voz poderosa. Todos comemoramos e Amélia me puxou para perto de algumas mesas. Eu conseguia ouvir Ivan e Peter conversando ali perto, e os dragões dormindo a alguns metros.

— Vocês podem descascar as batatas? Eu e Tan vamos fazer as massas das tortas doces. — Loreta perguntou. Eu comecei a rir novamente ao mesmo tempo em que escutava Felícia espalmar a mão na testa em forma de descrença.

— Eu não sei se percebeu, Loreta, mas eu sou cega. E acho que deixar uma cega e uma faca juntas não daria um resultado muito bom. — Comentei, ainda rindo. Amélia riu comigo.

— Por que não invertemos? Gêmeas, vocês descascam os legumes e eu, Felícia e Rania fazemos as massas.

*

O desastre nem foi tão grande. Na realidade, nós duas conseguimos fazer as massas sem grandes problemas. Felícia desistiu de nos ajudar antes mesmo de começar, então ficou brincando com o irmão das gêmeas e com os dragões.

Nós duas nos sentamos em cima da mesa de madeira e comemos alguns cookies que a mãe de Ivan havia deixado ali para nós. O gosto do Chocolate de Argon era único. Depois de prova-lo pela primeira vez, era quase impossível comer algum outro. Era até sem graça.

— Acho que acabamos. — Exclamei enquanto dávamos uma caminhada pela praça, passando a mão na testa. Amélia começou a rir.

— Eu adorei essa sua franja de farinha. — Ela se aproximou de mim e limpou minha testa com os dedos. Depois, suas mãos pararam em minhas bochechas e nós duas respiramos fundo, as respirações se misturando. Me aproximei mais dela, nossos rostos bastante próximos.

— Ames, precisamos ir! — Alen gritou, fazendo nós duas pularmos de susto. — Exilados ao Norte.

— Eu... acho que tenho que ir — Ela sussurrou, voltando para perto de mim. Eu ainda estava corada pelo fato de nós duas termos quase nos beijado, porém agi como se nada tivesse acontecido:

— Pode ir. Eu peço para Charlie ou Ashley me darem uma carona pra casa. — Respondi. — Nos vemos amanhã, na Festa? — Perguntei.

— Eu vou te buscar em casa. — Ela prometeu e beijou minha testa. — Eu...

— Amélia, vamos! — Alen gritou, já nos céus. Eu ri.

— Vá, logo, Amy. Vai proteger nossa ilha. — Eu ordenei, empurrando-a pelos ombros. Ela riu e, segundos depois, montou em Elphaba.

— Até amanhã.

— Até.


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Notas finais do capítulo

Alen interrompendo as duas foi sacanagem, não é? Eu sei :v



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