Lance bufou ao chegar à sala de comando, pousando o balde com sabão que levava em uma mão e mantendo o esfregão que tinha na outra. Passou os olhos pelo lugar, vazio além de sua própria presença, e que, aos seus olhos, parecia já bem limpo. Por que diabos estavam fazendo aquela faxina então?

Ah sim, Allura explicara quando convocara a ele e aos outros paladinos naquela manhã. Aparentemente, uma vez por ano, os altenos tinham o costume de fazer uma faxina total em suas casas e a princesa parecia muito interessada em manter aquela tradição. Compreensível, sim; fofo, tudo bem; honorável, com certeza... Mas ela parou pra notar o tamanho do castelo?! Iria levar uma semana (com sorte) para limpar completamente todas as câmaras, quartos e corredores.

E pra piorar, o planeta em que eles haviam pousado para executarem essa grande limpeza era quente como o inferno.

Pelo menos para Lance, que não suportava o calor.

— Fala sério, um castelo com essa tecnologia toda e não tem nem um ar condicionado? – resmungou, indo até o painel de controle da nave.

Em meio à divisão de lugares que cada um deveria limpar, ele havia acabado com a sala de controle, e ele iria limpa-la, claro (Allura fora muito clara quanto às consequências para quem não ajudasse), mas primeiro, Lance encontraria um modo de se refrescar um pouco. Algum daqueles botões deveria conseguir fazer isso, não era possível que não houvesse nem um ventiladorzinho.

— Tá legal, vamos ver... – Pondo uma mão no queixo, passou os olhos pelo painel, não entendendo bulhufas do que estava escrito ali, mas após uns segundos pensando, decidiu arriscar um botão.

Infelizmente, não houve ventilador nem nada do tipo, mas a grande tela foi acionada e havia algo passando nela. Aparentemente, Lance havia acionado as câmeras de segurança do castelo. A câmera do hangar do Leão Verde, para ser mais preciso. Pidge já estava lá, com seu próprio balde e esfregão, e no momento, usava um pano para limpar a mesinha onde geralmente apoiava seu laptop.

Lance voltou para o painel, disposto a desligar a câmera e voltar a procurar pelo ar condicionado, quando uma melodia, vindo de uma voz surpreendentemente familiar, o fez arregalar os olhos em choque de volta para a tela.

Não era possível. Pidge estava... cantando?

— “Like a small boat, on the ocean. Sending big waves, into motion. Like how a single word, can make a heart open.”

Sim, ela estava mesmo cantando, e muito bem, para surpresa de Lance. Podia não ser nenhuma voz de cantora profissional, mas pelo menos ela era afinada e apesar da voz mais grossa, a melodia suave lhe saía bem.

— “I might only have one match, but I can make an explosion… And all those things I didn't say. Wrecking balls inside my brain.”— O ritmo começou a ficar mais animado, junto com a própria Pidge. – “I will scream them loud tonight! Can you hear my voice this time? This is my fight song.”

Lance só não caíra na gargalhada porque seu queixo já havia caído em choque pelo que estava vendo. Pidge havia começado a dançar no lugar, movendo os quadris e mexendo os braços, agitando o pano que respingava água para todos os cantos. Por conta do calor, ela estava sem sua jaqueta, revelando uma camisa preta de mangas curtas, embora a bermuda larga de sempre permanecesse, mas nem isso parecia atrapalhar seus movimentos. Os olhos fechados e o sorriso no rosto mostravam o quanto desfrutava da batida.

— “Take back my life song. Prove I'm alright soooOONG!”— Agora sim Lance riu, quando ela fingiu ter um microfone em mãos para soltar aquele último verso, com toda a força de seus pulmões. – “My power's turned on. Starting right now I'll be strong. I'll play my fight song! And I don't really care if nobody else beliiiiiieves. 'Cause I've still got a lot of fight left in me.”

Ao final do refrão, a garota pareceu se acalmar, soltando um suspiro satisfeito e voltando a limpar o que faltava da mesa. Ela ainda cantarolava, no entanto.

— Ora, ora, ora. – Lance arqueou uma sobrancelha, com um sorriso matreiro e ainda dando umas risadas. – Quem diria, heim Pidge?

Ver um lado tão solto (e por que não dizer, louco) de sua companheira de time, surgido de algo que não tivesse haver com tecnologia, era no mínimo hilário. Quem diria que Pidge também tinha seus momentos de maluquice, ou que ela soubesse mexer alguma coisa além dos dedos em um teclado de computador. E ele nem sabia que aquela baixinha cantava!

— Os outros precisam ver isso – comentou consigo mesmo, já pronto para sair pelo castelo à procura dos outros para que também assistissem àquele espetáculo.

Antes que se afastasse muito do monitor, porém, o cantarolar de Pidge voltou a formar palavras e o paladino azul deu meia volta na mesma hora. Deixa pra lá os outros, ele não estava a fim de perder nenhum momento daquela maravilha.

— “And all those things I didn't say. Wrecking balls inside my brain!”— A música retornou já com energia, uma que parecia correr pelo corpo de Pidge e agitá-la também. — “I will scream them loud tonight. Can you hear my voice this time?”

— Ah não… - Foi tudo o que Lance alcançou a dizer antes de exploder em gargalhadas. Pidge havia abandonado o pano e pegado o esfregão, com o qual começou a dançar.

Dançar de verdade dessa vez.

— “This is my fight song!”— Ela escorregou com os pés pelo chão. – “Take back my life song!”— Deu um giro de bailarina. – “Prove I'm alright sooOONG!”— O esfregão foi usado como microfone dessa vez. – “My power's turned on. Starting right now I'll be strong. I'll play my fight song!”— E ela continuou com isso, dançando e limpando ao mesmo tempo, toda feliz soltando a voz. Sem fazer a menor ideia de que estava sendo assistida. – “And I don't really care if nobody else! Beliiiieves. 'Cause I've still got a lot of fight left in-

— Pidge?

— Kyah! – A música parou automaticamente como a garota soltou um grito.

Cobrindo a boca com uma mão, ela voltou a ficar ereta, pra não dizer tensa, movendo apenas os olhos para a porta do hangar. A porta logo se abriu, dando passagem para Hunk.

— E aí? – ele cumprimentou. – Já acabou aqui? Podemos ir limpar a cozinha?

— Ahn... Já, já acabei. Podemos sim – riu nervosamente, não acreditando em sua sorte, Hunk parecia não ter percebido nada.

O olhar desentendido dele só comprovou isso, mas logo decidiu por dar de ombros, ignorando a estranha ação da amiga. Pidge foi pegar seu balde do outro lado do hangar.

— Ah é, por acaso você estava ouvindo música? – Por pouco ela não derrubou o balde, e por mais que não estivesse ali, Lance cobriu a boca com as mãos para não rir muito alto. – É que eu ouvi uma música lá do corredor e parece que estava vindo daqui.

Pidge começou a suar frio e Lance riu ainda mais. Sério que estava dando pra ouvir do corredor?

— S-sim, eu... Eu tava ouvindo pro tempo passar mais rápido. Enquanto eu limpo, sabe? - Indicou o esfregão; ela já não estava pensando direito.

Hunk arqueou uma sobrancelha, mais uma vez intrigado pelo comportamento da amiga, mas apenas falou um:

— Sei, entendo. – antes de girar nos calcanhares para sair do hangar.

Pidge soltou um suspiro pra lá de aliviado, fazendo uma nota mental para ter mais cuidado da próxima vez que fosse bancar a pop star. Seus momentos musicais eram raros de acontecer, mas ainda eram humilhantes e com certeza não feitos para a apreciação alheia. Se alguém a visse naquela situação, a vergonha seria demais e ela poderia perder a cabeça (Matt levara uns bons socos quando sem querer a descobrira no meio de um moon walk anos atrás, mas pelo menos isso o fez nunca comentar nada com ninguém).

— Pelo menos ninguém viu dessa vez... – Murmurou para si mesma em consolo, antes de ir atrás do amigo no caminho para a cozinha.

Da sala de controle, Lance assistiu sua partida com um sorriso arteiro. Ah, se Pidge soubesse que ele havia visto tudo... ela provavelmente o mataria. E se ele contasse para os outros... provavelmente o menu próximo jantar seria Lance tostado.

Mas tinha uma coisa que ele necessitava fazer.

— Tá, esquece o ventilador – Voltou a olhar para o painel, como se falasse com o castelo, sua voz soando empolgada. – Me diz pelo menos que tem como eu salvar uma gravação disso.

Porque sua parceira de time cantando e dançando como uma adolescente normalmente maluca era com certeza uma coisa que ele iria querer rever várias e várias vezes.