Os filhos do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 4
Velhos amigos - Kamala




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Logo no primeiro dia de aulas, eu acordei atrasada. Isso nunca tinha me acontecido antes. Não sei se foi por causa do clima, da ansiedade ou se eu realmente estava cansada, mas eu consegui levantar-me quase uma hora depois do programado. 

Eu pretendia me arrumar com calma, preparar um café para tomar com os biscoitos de mamãe, mas tive que levantar correndo, vestir qualquer roupa, pentear os cabelos com pressa e pegar um café no caminho. Saí de casa, usando uma calça jeans, uma camiseta de banda e um rabo de cavalos feito às pressas. 

Eu não queria ir com aquele carro luxuoso que papai comprara, mas eu estava muito atrasada. Joguei minhas coisas no banco de trás, dei a partida e segui para a faculdade. Entrei no auditório quase correndo. 

A aula já tinha começado, mas o professor estava de costas. Se eu me sentasse rápido, ele não perceberia meu atraso. Assim, sentei-me na primeira cadeira vazia que vi à frente, ofegante, coloquei minha bolsa no chão, peguei caderno e caneta e comecei a anotar, concentrando-me totalmente na aula.

Quando o professor finalmente anunciou o fim daquela aula, eu suspirei e só então relaxei, deixando minhas costas tensas encostarem-se na cadeira. Então ouvi uma voz familiar falar comigo:

— Oi Kamala, há quanto tempo. 

Virei-me devagar em direção àquela voz e deparei-me com o sorriso simpático e sincero do meu ex-amigo, que esteve sentado ao meu lado o tempo todo, sem que eu o percebesse. Meu coração bateu mais forte e eu fiquei sem graça. Tentando disfarçar a falta de jeito, coloquei um sorriso no rosto.

— Sohan, desculpe, eu não vi que era você aí do meu lado. Como vai?

— Ah, eu percebi. Você estava muito concentrada — Ele deu uma risadinha — Estou muito bem. Eu esperava te ver ontem, quando Anik e seus pais foram me visitar.

Eu gaguejei, tentando responder rápido.

— Ham. Sim. É... Eu estava cansada e ainda precisava arrumar minhas coisas. Desculpe, mas eu esperava ter outras oportunidades de te encontrar...

Percebi um brilho no olhar de Sohan, e um leve sorriso com o canto da boca. Voltei a falar rápido, para evitar mal-entendidos:

— É que estamos na mesma faculdade e, até onde eu soube, somos vizinhos.

— Claro. — Ele se levantou— Com licença Kamala, já vou indo. A gente se vê. Tchau.

— Tchau.

Durante aquela semana, eu voltei a ver Sohan, todos os dias. Nós estávamos fazendo as mesmas aulas. Muita coincidência. Coincidência também, foi encontrá-lo em uma festa de fraternidade no fim de semana.

Apesar de estarmos no vendo diariamente, nós não conversamos, nem nos sentamos perto um do outro novamente. Nós apenas nos cumprimentávamos educadamente, acenávamos com a mão ou com a cabeça e nada mais. Eu fiquei surpresa em encontrá-lo na festa, pois ele não me parecia ser esse tipo de garoto.

Eu também não era o tipo de garota que frequentava festas de fraternidade, mas eu estava sozinha pela primeira vez na vida, longe de casa, sem meus pais, sem meu irmão. Apesar de falar todos os dias com Anik e com meus pais, não era a mesma coisa. Eu sentia a falta do colo de mamãe, do abraço de papai, e dos tapinhas carinhosos de Anik. 

Fiquei amiga de uma garota da minha turma. Ela dividia um apartamento com duas veteranas e me convidou para irmos à festa. Eu não queria ir, mas ela insistiu, então eu acabei aceitando. 

As colegas da minha amiga nos apresentaram às pessoas e eu me entrosei rapidamente. Apesar de eu não gostar daquele tipo de festa, tentei não ser a chata, estraga prazeres e me divertir. Depois de algum tempo, uma das veteranas, que estava de frente para a entrada da casa arregalou os olhos, agarrou o braço da minha amiga e falou com ar de surpresa.

— Gente, quem é aquele calouro gato? Pelo amor de Deus, eu preciso ser apresentada a ele, tipo, agora!

Eu me virei instintivamente para ver quem era.

— Ah! aquele é Sohan. — Respondeu minha amiga — Ele e Kamala são amigos de infância.

— Sério? — Andrea soltou o braço de Carol e agarrou o meu — Você vai me apresentar a ele agora!

— Na verdade, nós fomos amigos há muitos anos. Nós quase não nos falamos mais. 

— É mesmo? Ele não é Americano, é?

— Não. Ele é indiano.

— Uau, que exótico! 

— Uau Andrea, que racista! — Disse Jane, a outra colega de Carol, e saiu rindo, para pegar uma bebida.

— Bom, se você não quer nos apresentar, pode deixar que eu vou sozinha.

Andrea saiu jogando os quadris de um lado para o outro e aproximou-se de Sohan, que estava sozinho, meio deslocado perto da porta. Ela sorriu e lhe disse algo. Ele sorriu de volta e apertou a mão dela. Depois ela apontou para mim e ele se virou. Ele me olhou, deu um sorriso e voltou a olhar para Andrea. 

Não sei porquê, mas eu senti ciúmes. Na época em que éramos melhores amigos, toda a atenção de Sohan era para mim. Eu nunca o tinha visto falando com outra mulher antes. Ele sorriu para Andrea e seu sorriso era incrível. Eu me lembrei de quando nós dois conversávamos e ele sorria para mim. Eu sentia tanta falta daquele sorriso. 

Sem querer, eu o encarei por algum tempo. Em todos aqueles dias, eu nunca o tinha encarado por mais do que 5 segundos. Eu sempre o achei bonito, mas eu não tinha reparado o quanto ele tinha se tornado atraente. 

Sohan tinha a pele morena, da cor de canela. Seus cabelos negros e lisos estavam cortados bem curtos e se arrepiavam um pouco na frente. Seus olhos verdes, tão penetrantes, eram tão misteriosos e sensuais e sua boca grande e carnuda, parecia macia e deliciosa. Desci os olhos pelo corpo de Sohan, e ele não lembrava em nada do garoto que costumava ser meu amigo. Sohan havia se tornado um homem. Ele usava uma camiseta preta, justa, de mangas curtas, seus braços musculosos e seu peito largo ficavam evidentes sob aquela roupa. Entendi o porquê de Andrea ter ficado tão interessada nele. 

Sohan virou a cabeça em minha direção e parou por um segundo. Nossos olhos se cruzaram e ele me sorriu. Sem graça, virei-me para o lado e voltei a conversar com Carol e Jane, distraindo-me. Quando voltei a olhar, Sohan e Andrea estavam se beijando. Desviei meus olhos rapidamente, tentando disfarçar meu desconforto. 

Não demorou para que as garotas me deixassem sozinha com um homem que havia se aproximado de nós. Ele começou a conversar comigo e, apesar de já estar bêbado, ele foi simpático e até interessante. Era um rapaz bonito, loiro, olhos verdes, alto, típico atleta. Seu nome era Mark. Ele me ofereceu uma cerveja, mas eu recusei, explicando que não gostava de álcool. Depois de insistir algumas vezes, Mark me disse que buscaria um refrigerante. Eu me recusei e ele continuou insistindo. Achei estranho ele fazer questão de buscar a bebida para mim e desconfiei que ele pretendesse colocar alguma droga em minha bebida. Minha mãe me alertara muito sobre esse tipo de coisa. 

Enquanto Mark saiu para pegar o refrigerante, eu fui até Carol, que estava dançando com um rapaz e avisei que estava indo embora. Dirigi-me rapidamente à porta, mas fui interceptada por Mark, que colocou a mão sobre a minha e me puxou, fazendo com que eu me virasse para ele. 

—Ei linda, aonde você pensa que vai?

Eu sorri simpática.

— Vou para a minha casa. Estou cansada e tenho que acordar cedo amanhã.

— Acordar cedo no sábado? Por que uma princesinha como você precisa levantar tão cedo? Para ir à academia, malhar esse corpinho delicioso? Eu conheço um jeito mais eficaz de queimar calorias. E você nem vai precisar dormir.

Ele puxou meu braço, levando-me para perto de si e encostou os lábios em meu pescoço. Eu o empurrei com força.

— Ei, me solta! Eu não te dei autorização para me tocar. E eu não sou nenhuma princesinha. 

— Ah, não? E o que você é? Uma gatinha? Uma tigresa selvagem? — Ele agarrou meu pulso e começou a me puxar — Vem comigo que eu vou te mostrar como eu sei lidar com gatinhas selvagens. 

Nesse momento, Sohan surgiu atrás de Mark como um foguete. Ele o puxou pelos ombros fazendo-o virar para si. 

— Tire suas mãos dela, seu idiota!

Sohan acertou um soco forte no rosto de Mark, que caiu desmaiado. Então, virou-se para mim, preocupado, colocou a mão no meu ombro e me olhou nos olhos.

— Você está bem Kamala? 

Eu estava um pouco chocada.

— Estou sim. Obrigada.

Andrea aproximou-se de nós e colocou sua mão intimamente no braço de Sohan. Meus olhos dirigiram-se imediatamente para a mãe de Andrea. Naquele momento eu senti muita raiva. Se eu pudesse emitir raios pelos olhos, eu teria chamuscado aqueles dois na mesma hora. Sohan não desviou os olhos de mim.

— Tem certeza?

— Tenho! — Respondi irritada — Eu só preciso sair daqui. 

Enquanto as pessoas se agitavam, esperando que Mark se levantasse e batesse no calouro que o acertara, eu corri para sair logo dali. Depois de me afastar um pouco eu parei para respirar e fechei os olhos. Eu não consegui entender o que me deixara tão nervosa. As investidas de Mark me incomodaram, mas eu me livraria dele sozinha, de toda forma. O soco de Sohan em Mark foi algo inesperado, talvez tenha sido o motivo do meu nervosismo. Mas eu desconfiava que a razão fosse outra. 

De repente, senti uma mão agarrar meu braço e virei-me depressa, pronta para atacar. Desde muito pequena, meu irmão e eu fomos treinados por nosso pai, que era um exímio lutador. Papai dominava as artes marciais e o uso de vários tipos de armas e nos ensinou. Anik e eu treinávamos diariamente. Simular lutas era uma das brincadeiras favoritas entre Sohan e eu. Se Mark tivesse vindo atrás de mim, eu certamente saberia me defender. 

Mas não era Mark. Era Sohan, que me olhava preocupado. 

— Kamala, como você está? Fiquei preocupado.

Eu olhei para ele sem conseguir responder. Eu não compreendia meus sentimentos naquela hora. 

— O que houve com Mark?

— Ele se levantou e subiu para o quarto. Acho que estava muito bêbado, nem deve se lembrar de que eu o acertei.

Sohan se aproximou, ergueu a mão e prendeu uma mecha do meu cabelo atrás de minha orelha.

— Venha iadala. Eu levo você para casa. — E segurou minha mão. 

"Iadala? Porque ele acha que pode falar comigo com essa intimidade? " 

Fiquei irritada e puxei minha mão da dele. 

— Não precisa. Eu estou bem. Não se preocupe.

— Mas eu me preocupo sim. Aquele homem pode vir atrás de você. Ele pode tentar algo contra você e eu não posso deixar que isso aconteça. Você é... como uma irmã para mim!

"Como uma irmã?" 

Sem paciência, levantei a voz.

— Por favor, Sohan! Há anos nós não somos nem amigos! Eu não preciso de sua ajuda. Sei muito bem como me defender, caso você não se lembre. Tão bem ou melhor do que você — Apontei a mão em direção à festa — Volta lá para a sua namoradinha e me esquece. 

Corri até o carro e dirigi rápido até em casa.


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