Os filhos do tigre escrita por Anaruaa


Capítulo 31
E então, o fim.




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Sohan

 

Kamala me ligou nervosa, dizendo que não tinha conseguido os documentos para a inauguração do hospital.

— Vou me encontrar com o secretário de saúde. Não sei o que pode estar errado, mas desconfio que Mahish Sayam possa estar por trás disso.

— Por que você acha isso?

— O nome do secretário é Kabir Sayam. Acho que pode ser algum parente de Mahish. Aquele homem é estranho. Ele ficou com raiva de nós, já tentou nos prejudicar uma vez. Talvez ainda queira se vingar de mim por ter impedido seu negócio.

— Calma Kamala. Não tire conclusões ainda. Vá à reunião e veja o que acontece.

Eu já tinha ouvido rumores sobre a presença de Mahish na Índia. Eu soube que ele esteve conversando com políticos no país. Descobri também que Mahish tinha parentes influentes. E eu sabia que Kabir Sayam era seu primo. Mas eu esperava que Mahish viesse atrás de mim e da empresa. Eu não podia imaginar que ele fosse atacar os projetos de Kamala.

Eu entrei em contato com algumas pessoas que trabalharam para minha mãe e para Kadam antes dela e pedi para que eles descobrissem tudo sobre Kabir e os demais Sayam, e também descobrissem se havia sido feita qualquer auditoria nos projetos de Kamala. Não demorou para que eu obtivesse respostas.

Mais tarde, liguei para Kamala, mas ela não me atendeu. Eu soube que ela havia almoçado com Mahish Sayam. Não consegui falar com Kamala durante todo o dia. Deixei o trabalho mais cedo e fui até a casa dela. Toquei o interfone.

— Oi?

— Iadala, sou eu, Sohan.

Ela ficou em silêncio por alguns instantes, então ouvi um soluço.

— Eu quero ficar sozinha!

Pensei por um instante se eu deveria deixá-la naquele momento. Ela não colocou o fone no gancho, então resolvi insistir um pouco.

— Por favor, me deixe entrar. Eu não posso te deixar sozinha. Se você não quiser conversar, nós não precisamos. Se você quiser que eu me afaste, eu não tocarei em você. Apenas me deixe ficar ao seu lado, para quando você precisar de mim. Quando você me quiser.

Kamala permaneceu em silêncio por alguns instantes, então colocou o fone no gancho. Eu esperei por um minuto, até que ela abriu a porta para mim.

Entrei no apartamento e encontrei Kamala deitada em sua cama, sob um cobertor fino. Seus olhos estavam fechados, mas seu rosto estava inchado. Fui até a cozinha e preparei um chá, então levei para ela.

— Beba isso, Pryiatama. Vai te acalmar.

Ela sentou-se na cama e pegou a xícara. Então levou até a boca e bebeu o líquido quente. Eu me sentei na cama, de frente para ela, observando-a. Ela não olhou para mim. Quando terminou de beber, ela me entregou a xícara. Nós permanecemos em silêncio por alguns minutos, então ela soluçou.

— Ele me ameaçou!

Fiquei preocupado e com raiva. O que aquele homem poderia fazer contra Kamala? Tentei parecer calmo.

— O que ele lhe disse?

— Ele disse que se eu ficar com ele, poderei ter tudo o que eu quiser. Mas se eu não o quiser, não conseguirei os documentos para abrir o hospital. Ele disse que vão encontrar problemas nos documentos das escolas também.

— Não se preocupe iadala. Mahish tem parentes e amigos influentes, mas nós também temos. Amanhã vamos à Nova Deli. O primeiro ministro é amigo de minha família. Ele vai nos receber.

 

Kamala

 

Depois do almoço com Mahish Sayam, eu fui correndo para a casa, pensando em tudo o que tinha acontecido. Aquele homem ameaçara fechar as escolas que nós lutamos tanto para implementar. Ele ameaçara os abrigos, que estavam salvando tantas mulheres. Aqueles projetos estavam mudando vidas, e aquele homem, por pura luxúria, pretendia prejudicar aquelas pessoas.

Eu nunca havia me sentido tão fraca e vulnerável como me senti naquele dia. O olhar lascivo daquele homem e o ódio que ele demonstrou ao ser rejeitado, me fizeram temer por mim, por Sohan, pela empresa. Eu precisava ficar sozinha e pensar no que fazer. Cheguei a pensar se não seria melhor me entregar àquele homem.

Meu telefone tocou e era Sohan, mas eu não queria falar com ele naquele momento. Eu não queria demonstrar fraqueza diante de ninguém. Eu tinha que me fortalecer antes de falar com qualquer pessoa.

Eu tentei racionalizar, mas meus pensamentos ficavam dando voltas. Eu tentei pensar se seria possível deixar Sohan e me comprometer com Mahish, pensando que o último era um homem bonito. Mas meu coração doía só de pensar em ficar sem Sohan. Eu o amava e não caberia nenhum outro homem em meu coração.

Eu comecei a sentir frio. Meu corpo começou a tremer. Eu tomei um banho e fui para a minha cama, cobrindo-me com um cobertor. Mas eu não conseguia me aquecer.

O interfone tocou. Era Sohan. Eu ainda não queria vê-lo. Ele me admirava por minha força e eu não queria que ele soubesse como algo tão pequeno podia me abalar daquela maneira. Apesar de ter pedido para que ele me deixasse sozinha, eu sentia a necessidade de tê-lo por perto, então, quando ele insistiu, eu abri a porta para ele e voltei para a cama.

Assim que ele entrou e fechou a porta, meu corpo se acalmou e eu parei de tremer. Sohan me trouxe um chá. Eu bebi e senti meu corpo aquecer novamente. Olhei para os olhos de Sohan e sem trocarmos uma palavra sequer, eu me senti mais forte. Meu ímpeto voltou, minha vontade de lutar voltou e eu me senti uma idiota por ter entrado o jogo daquele homem diabólico.

Eu compreendi naquele instante, que precisava de Sohan. A presença dele me fortalecia. Sohan me completava e me tornava quem eu precisava ser. Lembrei-me das histórias dos deuses, da história de Shiva e Parvati. Eles eram mais fortes juntos, porque juntos, eram um só ser. Eu senti, naquele momento, que Sohan e eu éramos como eles. E tomei uma decisão importante naquele dia. Eu soube qual seria a minha próxima missão: ser feliz para sempre...

 

Sohan

 

Kamala e eu fomos encontrar o primeiro ministro indiano. Ele aceitou me receber quando soube que eu era bisneto de Anik Kadam.

— Seu bisavô e eu éramos amigos. Ele me ajudou muito, me aconselhou. Foi Kadam quem me inspirou a seguir a carreira política. Sou muito grato a ele e me sinto honrado em conhecer seu bisneto.

Nós lhe falamos sobre os projetos, apresentamos todos os resultados obtidos até aquele momento, falamos da importância de cada um, então falamos sobre os problemas que estávamos enfrentando para abrir hospital.

O primeiro ministro ficou admirado pelo trabalho de Kamala e nos garantiu que interviria. Naquela mesma semana, nós já tínhamos todos os documentos necessários para a inauguração.

Foi bom ver novamente o sorriso no rosto de Kamala. Aquilo tudo era muito importante para ela, então, era importante para mim também.

No dia da inauguração do hospital, haveria uma festa. Eu quis fazer uma surpresa para Kamala. Fui a uma joalheria e escolhi o anel mais bonito que encontrei. Eu a pediria em casamento logo após a cerimônia, quando estivéssemos sozinhos. Mas as coisas não saíram como eu imaginei.

Fui até o apartamento de Kamala para irmos juntos à inauguração. Ela abriu o portão e pediu para que eu subisse. Pensei que ela ainda não estivesse pronta, mas quando entrei, ela estava parada no meio da sala me esperando. E parecia nervosa. Aproximei-me dela, preocupado.

— O que foi Kamala. Aconteceu alguma coisa?

— Não houve nada. Eu só preciso falar com você. É muito importante.

— Ok. Estou te ouvindo.

— Tudo bem. Por favor sente-se.

Eu sentei-me no sofá e ela sentou-se de frente para mim, em uma cadeira.

— Sohan, você ter voltado para a minha vida, foi muito importante. Você participou dos momentos mais marcantes para mim e me ajudou a realizar coisas grandiosas. Sem você eu não teria conseguido nada disso.

— Eu duvido muito! Você é uma guerreira, pode conquistar tudo o que quiser.

Kamala sorriu e me olhou nos olhos por alguns segundos, depois desviou o olhar.

— Sohan, nós somos família. Sempre fomos. Eu tenho conquistado muitas coisas e sinto que minha missão está quase concluída, mas eu ainda tenho coisas a fazer.

Kamala estava séria e parecia formal enquanto falava. Comecei a ficar ansioso.

— O nosso relacionamento foi perfeito desde o início, desde aquele primeiro beijo no jardim de inverno do escritório da empresa, no meio daquele turbilhão de emoções. A verdade, é que ele não me parece tão certo agora. Acho que nosso namoro já durou muito tempo.

Meu coração se partiu em mil pedaços. Eu quase não conseguia mais respirar. Senti meus olhos arderem e as lágrimas começarem a escorrer dele. Baixei a cabeça, tentando manter a compostura, mas a mulher que eu amava e por quem eu tanto esperei, com quem eu pretendia me casar um dia, em breve, acabara de dizer que nosso relacionamento era errado. Era difícil ficar indiferente àquelas palavras. Mas Kamala segurou minha mão rapidamente e continuou.

— Espera Sohan, não é o que você está pensando. Me deixa terminar, ok?

Balancei a cabeça concordando e tentei enxugar minhas lágrimas.

— Sohan, não é certo que a gente continue a ser apenas um casal de namorados, porque para mim, você é muito mais do que isso. Você é meu amigo, companheiro, confidente. Você é minha força Sohan, eu sou muito mais frágil e vulnerável quando você não está comigo. Você me completa. Eu preciso de você e quero estar com você o tempo todo.

Meu coração voltou a bater, mais rápido do que antes. Meu pulmão se encheu de ar e eu suspirei aliviado. As lágrimas voltaram a correr pelo meu rosto, mas agora eram lágrimas de emoção, diante daquelas palavras. Kamala continuou:

— Eu amo você Sohan, e quero ser sua esposa. Você quer se casar comigo, Sohan Kadam Calinga?

Ela se ajoelhou diante de mim, com suas mãos entre as minhas. Eu olhei incrédulo para seus lindos olhos azuis, cheios de lágrimas. Ajoelhei-me diante dela e a beijei suavemente. Então, peguei a caixinha em meu bolso e coloquei na palma de sua mão.

— Isso é tudo que eu sempre quis.

 

Kamala

 

Minha vida era repleta de dias felizes. Durante toda ela, eu tive muitos "dias mais felizes da minha vida", como o dia em que eu entrei na faculdade, o dia em que beijei Sohan pela primeira vez, os dias em que cada um dos meus sobrinhos nasceu, o dia em que Sohan aceitou se casar comigo. Mas este dia, este parecia especialmente o melhor de todos: o dia do meu casamento.

Sohan e eu concordamos em nos casar na fazenda de meu irmão. Aquele lugar tornara-se especial para todos nós. Além de ser um cenário belíssimo, tinha uma energia boa, todos os nossos familiares estavam vivendo ali, nossos amigos e meus sobrinhos. Além do mais, Radha estava esperando o quarto filho de meu irmão, e não poderia ir até a Índia para participar conosco.

Eu amava a Índia e, apesar de não ter nascido ali, sentia-me mais indiana do que americana. Sohan era indiano, e nós queríamos uma cerimônia indiana. Não tão tradicional, ainda assim, Sohan fazia questão da cerimônia do fogo sagrado. Ele dizia que foi durante a cerimônia, no casamento de Anik e Radha, que ele percebeu que eu era a mulher da sua vida e jurou que, um dia, faria o juramento diante do fogo sagrado, como meu noivo.

Tudo foi preparado para termos uma cerimônia indiana na fazenda. Nós chegamos apenas três dias antes da celebração. Isto porquê, nós celebramos também na Índia, com nossos amigos. Muitos quiseram participar de nossa alegria e fizeram questão de reunirem-se conosco. E nós fizemos questão de os recebermos.

Alugamos um clube e fizemos uma grande festa. Funcionários e diretores da nossa empresa e de parceiros comerciais, políticos e pessoas influentes nos deram presentes. Ganhamos muitas jóias e coisas valiosas. Mas os presentes mais valiosos para mim, foram outros.

As mulheres acolhidas por nossos abrigos estiveram conosco. Aquelas mulheres, antes temerosas, diminutas e marcadas, agora apresentavam-se fortes, corajosas e belas. As marcas de tudo o que viveram, de todo o sofrimento que enfrentaram, emolduradas por belas roupas, penteados e maquiagem, feitas por elas mesmas. E elas trouxeram presentes: almofadas bordadas, enxovais feitos de crochê e tricot, uma linda colcha de retalhos.

Os alunos das nossas escolas também foram à festa, todos eles. E os presentes deles também foram especiais: quadros pintados por eles, esculturas, poemas, músicas, apresentações de teatro, dança. Foi tudo muito tocante e eu me emocionei muito.

Logo depois, nós voamos para os Estados Unidos, onde celebraríamos com nossos familiares. Ao chegarmos à fazenda, nos surpreendemos e nos emocionamos mais uma vez. Já estava tudo preparado e estava lindo. Faltavam três dias para o casamento, então, nós fomos imediatamente separados por nossos familiares para dar início aos rituais costumeiros.

Radha e as outras mulheres da família, prepararam uma casa de banhos, especialmente para mim. Depois deste ritual, de banhos, óleos e massagens, desenhos de henna na pele e relaxamento, minha família havia preparado algo para nós. Sohan e eu fomos levados a uma das casas, que estava trancada. Mamãe abriu a porta e nós entramos.

Todos os objetos que encontramos na antiga casa de Kadam estavam ali, arrumados como em uma exposição de museu. Meu noivo e eu percorremos o local. Eu senti algo estranho, uma emoção diferente, como se tudo aquilo tivesse algum significado importante. Eu sabia que eram coisas importantes para minha mãe, mas eu não sabia qual era a relação daquilo tudo comigo. Olhei para Sohan, e ele também parecia emocionado.

Toda a nossa família estava ali dentro: meus pais, Radha e Anik, tia Nilima e tio Sunil. Todos sentaram-se. Sohan e eu também. Minha mãe começou a falar:

— Nós estamos muito felizes porque vocês dois se encontraram, meus filhos. Vocês pertencem um ao outro.

Radha continuou:

— As histórias contam que Shiva e Parvati, sempre que vêm a terra como humanos, encontram um ao outro e se casam. Às vezes, eles demoram a se reconhecer, mas sempre se reconhecem.

— Vocês são como eles — disse Anik— destinados a se encontrarem.

— Assim como fomos todos nós. — Disse tia Nilima e sorriu para seu marido.

Eu segurei a mão de Sohan e nós sorrimos um para o outro.

— Por isso, filha, nós achamos que chegou o momento de vocês conhecerem nossa história, a história de sua família.— Concluiu meu pai.

E então eles nos contaram uma longa história. Tão mágica quanto bela, sobre amor, sacrifícios e vitórias. Não sei se acreditei em tudo o que nos contaram, mas isso não tinha a menor importância. Ainda que aquelas coisas fossem inventadas, eu me sentia especial. Eu sentia que minha família era especial. Eu me sentia a Deusa, completa, com seu Mahadeva.

E diante do fogo sagrado, Sohan e eu juramos honrar a história de nossas famílias, amarmo-nos por toda a eternidade, e nos reencontrarmos em uma outra vida. Meu mangalasutra foi o colar de pérolas negras, o colar que pertenceu à Deusa Durga. O de Sohan, foi o amuleto mágico, que pertenceu ao Deus Shiva.

Se éramos Deuses, eu nunca soube. Mas nossa missão se cumpriu. Fomos felizes. Vivemos. Tivemos filhos. E estivemos juntos a vida toda. E ficamos juntos até o fim, certos de que em breve, nos reencontraríamos mais uma vez.


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